quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

A importância do técnico

Técnico ganha jogo? E campeonato? Esta é uma questão que divide a imprensa e torcedores há muitos anos e se tornou motivo de discussões acaloradas, principalmente desde que se iniciou a era dos professores/doutores, como gosta de dizer o comentarista Fernando Calazans.

Se não ganha jogo, como explicar o sucesso do treinador Juande Ramos na Europa? Depois de levar um time medíocre (no sentido de médio) como o Sevilla a voltar a conquistar um título depois de mais de 50 anos – no caso o bicampeonato da Copa da Uefa (2006 e 2007) e a Copa do Rei da Espanha (2007) – Juande quebrou mais um tabu no domingo passado ao ajudar o Tottenham a ganhar o título da Copa da Liga Inglesa com a vitória sobre o Chelsea por 2 a 1 em Wembley.

O time de Londres estava há nove anos sem conquistar um título enquanto via seus rivais de cidade, o próprio Chelsea e o arqui-rival Arsenal, levantarem taças ano sim, ano também.

A questão é polêmica. É inegável que time sem qualquer talento não ganha campeonato. O Milan não seria o atual campeão do mundo e da Liga dos Campeões sem Kaká. Por outro lado, o Sevilla voltou a conquistar e disputar campeonatos a partir da chegada de Juande Ramos. Quando o treinador espanhol deixou o clube para aceitar a proposta do clube inglês, o Sevilla, que tinha a mesma base, caiu de produção e só agora começa a se recuperar na Liga espanhola.

Já o Tottenham, um mero coadjuvante na Inglaterra, volta a vencer um título importante, está nas oitavas-de-final da Copa da Uefa, quando enfrentará os holandeses do PSV, e caminha para se recuperar no cenário europeu. Tudo com basicamente o mesmo elenco do ano passado, quando o time acabou a Premier League na quinta posição.

Concordo que só o talento ganha o campeonato, mas o trabalho do técnico com treinamentos, preparação de jogadas ensaiadas e na motivação do grupo é fundamental. Futebol não se ganha com 11, mas com 12 (13 se você considerar a torcida numa estratégia demagógica de muitos especialistas) e todo o trabalho que está por trás do show no gramado.

Uma vez o técnico do São Paulo, Muricy Ramalho, disse que o técnico representa 25% do time. Os outros 75% são os jogadores. Talvez a proporção seja essa mesma e Sevilla e Tottenham não estavam jogando com 100% de sua força. Quando um futuroso treinador como Juande Ramos surgiu na vida dessas equipes, elas cresceram mesmo sem grandes nomes, estrelas ou contratações e voltaram a conquistar títulos. Ele certamente vai se revelando um treinador que vale 25%. Não se pode falar isso de todos.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Assim caminha Paul Thomas Anderson

Finalizando a série de análises sobre os trabalhos candidatos ao Oscar de melhor filme, hoje é a vez de “Sangue Negro”, de Paul Thomas Anderson. Nas últimas quatro semanas foram analisados “Conduta de Risco”, “Desejo e Reparação”, “Onde os fracos não têm vez” e “Juno”. A premiação é neste domingo e apontar um favorito é dificílimo, uma vez que todos os cinco filmes são muito bons. Prefiro, assim, não arriscar. Semana que vem comentarei o resultado final do Oscar. Vamos à crítica de “Sangue Negro”.

Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis numa atuação não menos que perfeita) é um prospector de petróleo sem escrúpulos numa indústria que ainda infante já produz homens sem qualquer ética a cada poço que começa a jorrar em cada buraco dos Estados Unidos. Rico e essencialmente um homem solitário, Plainview nutriu por anos um ódio pela humanidade não desvendado, mas que provavelmente tem relevo em sua família, que ele abandonou no passado.

Sua vida é o petróleo. E é este ouro negro que o fará um homem milionário possibilitando o seu afastamento definitivo destes incômodos de lidar com a população e negociadores tão venais quanto ele.

Conhecedor das minúcias e das fraquezas da humanidade, Plainview adota o filho de um empregado que morreu numa de suas escavações e o apresenta como H.W. Plainview (Dillon Freasier), seu filho e seu sócio, faz questão de frisar. Afinal, a prospecção de petróleo é um negócio de família como lhe convém ressaltar aos incautos que pretende comprar as terras a preço barato para perfurar. Um rosto bonito é o que ele precisa para facilitar seus negócios.

Assim Plainview vai seguindo a trilha do ouro negro até chegar ao rancho da família Sunday, onde o jovem Eli (Paul Dano em atuação perturbadora) quer aproveitar a visita do empresário para arrecadar fundos para a igreja que comanda como pastor.

Plainview e Eli são protagonistas do início de uma indústria que causaria perdas, danos e batalhas de gente grande em mais de um século e que até hoje gera guerras e disputas territoriais. Eles são o nascedouro de um problema e uma solução milionário que diretor e roteirista Paul Thomas Anderson retrata no espetacular “Sangue Negro”.

Com oito indicações ao Oscar, recorde deste ano ao lado de “Onde os fracos não têm vez”, “Sangue Negro” é a obra-prima de Anderson com potencial de se tornar um clássico do cinema.

Com uma trilha sonora minimalista, de digestão difícil e que por vezes causa incômodo e estranheza – o que guarda semelhança com alguns clássicos de Stanley Kubrick, como “Laranja Mecânica” - feita pelo guitarrista do Radiohead, Jonny Greenwood, “Sangue Negro” tem todos os ingredientes para ser este clássico. Entre eles, direção e roteiro impecáveis, personagens densos e marcantes e uma atuação visceral de Day-Lewis, uma barbada para o Oscar de melhor ator neste ano.

O ator inglês, aliás, é um capítulo a parte nesta história. Costuma-se dizer - e é verdade - que não há filme ruim que tenha a presença de Johnny Depp nos créditos. O mesmo vale para Day-Lewis, que tem a capacidade de escolher personagens com a mesma maestria que seu colega americano e nos deixar figuras tão marcantes como o açougueiro Bill “the butcher”, de Gangues de Nova York (2002), ou Christy Brown, de “Meu pé esquerdo” (1989), trabalho que lhe rendeu seu único Oscar.

Day-Lewis é capaz de se transformar a cada trabalho que filma. O ator deixa a impressão de que em nenhuma película há qualquer traço de sua personalidade. É como se deixasse o corpo e vivesse naqueles meses de gravação aquela nova vida. É trabalho de craque. Coisa de indivíduos que estão no topo como o próprio Depp, Al Pacino, Russel Crowe ou Denzel Washington, só para fica em alguns exemplos. No caso de Plainview parece que o ator viveu anos como prospector de petróleo até resolver virar ator de tanto que ele parece ser dono da cena.

Ter alguém tão especial para ser o protagonista do filme foi uma ajuda e tanto para Paul Thomas Anderson que fez de “Sangue Negro”, baseado no livro “Oil”, de Upton Sinclair, uma espécie de novo “Assim caminha a humanidade” (1956), épico de George Stevens que tinha no elenco Rock Hudson, Elizabeth Taylor e James Dean.

Assim como “Sangue Negro”, “Assim caminha a humanidade” abordava uma série de temas nas relações humanas – no caso deste a dissipação moral, o racismo, a opressão da mulher e o conflito entre a aristocracia e os novos ricos - através de duas gerações e tinha um homem ambicioso: Jett Rink, vivido por James Dean, que sai do nada para se tornar um rico empresário do ramo do petróleo. Assim como Rink, Plainview não nutre qualquer compaixão por outras pessoas e faz do seu negócio a sua vida. E tenta se afirmar sempre que tem seus conceitos desafiados.

São semelhanças entre dois grandes filmes (na qualidade e no tamanho 2h39m para o trabalho de Anderson e 3h21m para o de Stevens) que dão pistas de que fontes Paul Thomas Anderson tem bebido ultimamente para ir se transformando gradativamente no diretor fundamental que deve virar em pouco tempo se prosseguir com filmes cada vez mais consistentes e singulares.

Aos 37 anos, Paul Thomas Anderson já tinha na bagagem dois trabalhos que chamavam a atenção: “Boggie Nights” (1997), que conta parte da história da indústria pornográfica a partir dos anos 70, e “Magnólia” (1999), uma novidade do ponto de vista da narrativa fragmentada que virou moda em filmes como “Crash” (2004) e uma marca registrada nos trabalhos do diretor Alejandro Gonzalez Iñarritu, realizador de “21 gramas” (2003) e Babel (2006). Mas é com “Sangue Negro” que Paul Thomas Anderson atinge, no entanto, um novo patamar. O mesmo em que se encontram Kubrick, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Alfred Hitchcock, entre outros. O Oscar tem tudo para finalmente consagrá-lo e só depende dele para se manter no topo.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Um ano que promete

Este ano de 2008 promete. Que falta me faz um cartão corporativo como o que os servidores da República têm. Eu, como muitos brasileiros, merecia um, pois trabalhamos mais do que eles. Mas este texto não é político. O que me faz sentenciar que o ano promete é a atribulada agenda de shows que vai sendo confirmada a cada semana. Falta dinheiro, sobra emoção.

Depois da abertura dos trabalhos feita pelo ótimo show dos Paralamas com os Titãs, 2008 ainda reserva o enésimo retorno do Deep Purple ao Brasil. Tudo bem que Ian Gillan não é mais o mesmo. De longe, aliás, é o que mais sentiu o peso da idade e as seis décadas de rock and roll. Mick Jagger o deixa no chinelo. Por outro lado, ouvir clássicos como “Perfect Strangers” e “Smoke on the water” é sempre emocionante.

Isso é já agora em fevereiro. Mal o Deep Purple deixa o Brasil e no seu encalço vem o Dream Theather, também na sua enésima vinda ao país. Metal melódico de qualidade, digno das bandas tops que já tocaram por estas bandas.

Não pare agora, pois no dia seguinte ao espetáculo do Teatro dos Sonhos no Citibank Hall, vem a realização de outro sonho na Arena Multiuso no longínquo e ermo bairro de Jacarepaguá: mestre Bob Dylan.

Poeta, revolucionário, músico espetacular, letrista de mão cheia... Você pode e poderá ver isso facilmente em dois filmes. “No Direction Home”, de outro mestre, Martin Scorsese, de 2005, e “I´m not there”, que ainda não estreou no país e tem seis atores interpretando diferentes fases do cantor, entre eles o falecido Heath Ledger e Cate Blanchett, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante pelo papel.

Contenha o fôlego e espere mais um mês para o retorno do Senhor das Trevas ao Brasil. Ozzy Osbourne, o comedor de morcego, fundador de uma das maiores bandas de metal da história, o Black Sabbath, desembarca também na Arena Multiuso em abril para tocar todos os clássicos possível e imaginários do Sabbath e de sua carreira solo.

O roqueiro mais sequelado da história vem para executar canções como “Iron Man”, “Paranoid” e “War Pigs”, do Sabbath, e “Crazy Train”, “No more tears” e “Perry Mason” de seu trabalho solo. Só clássico de Ozzy que neste ano lançou um álbum novo, “Black Rain”.

E nem quero imaginar o que me espera pelo resto do ano. A lamentar apenas a ausência do Iron Maiden no Rio de Janeiro. A banda tocará apenas em São Paulo, Porto Alegre e Curitiba. Infelizmente. Mas como eu disse, é um ano que promete. Só falta o dinheiro. Ah, se eu tivesse um cartão corporativo...

Ozzy em dois momentos com seu Black Sabbath, tocando "Paranoid" em 1970 e no ano passado tocando "Iron Man" no Ozzfest:





domingo, 17 de fevereiro de 2008

A new sunshine

Dando prosseguimento às análises dos trabalhos candidatos ao Oscar de melhor filme, neste sábado é a vez de “Juno”, o penúltimo filme analisado. Semana que vem, véspera da cerimônia de premiação em Hollywood, comentarei “Sangue Negro”. Nas últimas três semanas, já foram analisados “Conduta de Risco”, “Desejo e Reparação” e “Onde os fracos não têm vez”. Vamos lá:

O único lugar onde há vida inteligente hoje para as comédias no cinema parece ser no segmento chamado de independente. Depois da sensação “Pequena Miss Sunshine” (2006), no ano passado, o filme que confirma essa aparente regra é “Juno” de Jason Reitman. Assim como o filme anterior, “Juno” também foi indicado ao Oscar de melhor filme e teve a sua atriz principal, Ellen Page, que faz o papel-título indicada para concorrer ao prêmio de melhor atiz (além de outras duas indicações).

Comédia de texto ágil e inteligente escrito pela ex-stripper Diablo Cody, “Juno” é outro achado num segmento que confesso não ser muito fã, principalmente porque nove em cada dez filmes do gênero beiram a escatologia com piadas que exaltam o preconceito e as diferenças sem qualquer fio de narrativa. É o caso de “Todo mundo em Pânico” ou os filmes da série “American Pie”.

Assim como “Pequena Miss Sunshine”, e não é a toa que a comparação tem sido freqüentemente feita, o filme de Reitman parte de uma premissa simples para criar uma série de situações engraçadas, divertidas e humanas, mas sem qualquer moralismo ou pieguice para que Page, mais conhecida como a Kitty Pride do filme dos X-Men, brilhe intensamente. Assim, “Juno” é uma comédia gostosa de apreciar.

Contracenando com Page, um time de atores pouco conhecidos, mas com o timing exato para que o filme se propõe, ou seja, divertir a platéia com uma história humana e com algum cérebro. É o caso de J.K. Simmons, o editor J.J. Jameson do Clarin Diário nos filmes do Homem-Aranha, que faz o pai de Juno, ou Allison Jenney, que faz sua madrasta, e Michael Cera, o namorado de Juno, Bleeker.

Mas é quando Page entra em cena como a petulante, com uma pitada de idealismo e independente Juno que acaba ficando grávida na primeira transa com o melhor amigo que o filme ganha muitos pontos.

Como já adiantei, o filme conta a história dessa garota de 16 anos que se mete numa verdadeira enrascada. Porém, adotando uma postura extremamente racional – e até fria – uma vez que não se considera pronta para ser mãe, ela resolve abortar. Mas ao chegar na clínica, não tem coragem e resolve ter o filho para em seguida repassá-lo a um casal selecionado por ela e sua melhor amiga, Leah (Olívia Thirlby) através de anúncios de jornal.

Vivido por Jennifer Garner e Jason Bateman, Vanessa e Mark Loring são aparentemente normais, mas têm uma série de problemas, entre eles a falta de amor por parte de Mark e a obsessão de Vanessa por ter um filho. Nada que impeça Juno, no entanto, de manter sua promessa.

Tudo no filme de Reitman é incomum e inesperado. Da reação dos pais de Juno ao saberem que a filha está grávida à sua decisão final. São tiros certeiros no roteiro de Diablo, que resolve não usar o trajeto da obviedade e manter o bom humor como marca registrada do seu texto.

Extremamente madura para sua idade, Juno acaba administrando várias situações que não deviam fazer parte de sua realidade com muita habilidade e cabeça erguida até o desfecho diferente e curioso do filme, uma ótima pedida para todos os que apreciam uma boa comédia.

Particularmente, achei “Juno” até melhor do que “Pequena Miss Sunshine”. Mas deve ser porque ela goste de rock e seja fã de Iggy Pop and the Stooges. Independentemente disso é um belo filme em que não seria surpresa, principalmente num ano sem qualquer barbada, se levasse o prêmio principal do Oscar.

Uma homenagem a Juno. Iggy Pop arrebentando tudo em Nova York no ano passado cantando "I wanna be your dog" e "No Fun" ao estilo do que fez aqui no Brasil em 2005:




domingo, 10 de fevereiro de 2008

Novos tempos

Depois de "Conduta de Risco" e "Desejo e Reparação", hoje é a vez de analisar o terceiro dos cinco trabalhos candidatos ao Oscar de melhor filme. Abaixo, a crítica de "Onde os fracos não têm vez":

Se existisse uma maneira de o cinema contar em ordem cronológica a história do mundo, e dos Estados Unidos em particular, “Onde os fracos não têm vez” seria, provavelmente, um elo perdido entre a América do século XIX, com seus cowboys e bandidos, aquela de “O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford” (2007) e a América do século XXI, com seus “jovens de cabelo verde e prego na boca”, como diz o xerife de El Paso vivido Rodger Boyce em um trecho do filme.

E nesta ponte entre os dois mundos, o xerife Ed Tom Bell (um soberbo Tommy Lee Jones) seria ao mesmo tempo consciência crítica, um vetor que indica as mudanças e um canal de lamentações, nostálgico mesmo, pelo passado que não volta jamais.

Mais do que a consciência crítica do filme ou de um período histórico perdido no passado, porém, Ed Tom Bell é a visão crítica da América atual. Por trás de seu olhar triste e conformado de um xerife que já se encontra em idade avançada e, vendo que não faz mais parte desse mundo, decide se aposentar, e dos inteligentes diálogos (e monólogos) escritos pelos irmãos Coen, Ed lamenta a banalização da violência neste semi-western que pode finalmente render aos diretores um Oscar de melhor filme, uma vez que eles já ganharam uma estatueta de roteiro por Fargo (1996).

Além desta categoria, eles ainda concorrem ao prêmio de direção, roteiro adaptado e somam mais cinco outras indicações, um recorde deste ano ao lado de “Sangue Negro”, de Paul Thomas Anderson, que estréia na próxima sexta-feira.

Da caneta dos Coen e da atuação de Tommy Lee Jones, o que há de melhor num filme cheio de predicados, é mostrado o quanto ficamos tolerantes demais com a violência e o quanto ela é comum na nossa vida. Não é a toa que eles dizem que está não é uma terra para velhos homens – “No country for old men”, no título original do filme – uma vez que o tempo em que os xerifes eram a lei mesmo sem ter armas passou. Não há mais espaço para velhos hábitos e costumes e os próprios xerifes estão com os dias contados. Seu espaço se resume a tradicionais pedaços do país como o Texas.

Os tempos modernos são estranhos para Tom Bell que não entende porque as pessoas riem de crimes sanguinários ou bárbaros cometidos por motivos banais.

Se Tom Bell é a consciência crítica, Anton Chigurh (Javier Bardem em outra marcante interpretação) é o vetor dessa “nova” maldade. A pura violência, o sadismo, o resultado dos tempos em que matar é tão comum e banal quanto tomar o café da manhã. Ele é uma máquina exterminadora de vidas que terminará o serviço que lhe foi incumbido custe o que custar, mesmo que seus problemas estejam resolvidos.

Num momento em que as coisas dão errado numa negociação, Chigurh é apenas movido pela necessidade de eliminar aqueles que o incomodaram e recuperar uma mala com US$ 2 milhões.

É nesse ponto que entra em cena Llewelyn Moss (Josh Brolin). Veterano da guerra do Vietnã e exímio atirador, ele está aposentado e não tem muito mais o que fazer na sua vida ao lado da esposa Carla Jean Moss (Kelly MacDonald). É quando vê na mala de dinheiro a chance de mudar de vida.

Acontece que ele estava no lugar errado, na hora errada e toma decisões erradas. São elas que o fazem ser perseguido não apenas pelo frio e doentio assassino Chigurh, mas pelos mexicanos que fariam a transação trocando aquele dinheiro por pacotes de drogas. Perseguido pelos traficantes e Chigurh, Moss terá que lutar para sobreviver no meio desse novo caos em que “tudo hoje em dia são dinheiro e drogas”, lamentam mais uma vez Tom Bell e o xerife de El Paso.

Realmente o Texas não é mais o mesmo e a América e o mundo não são mais o mesmo. E o resultado da jornada de Llewelyn não é a esperada por todos. O mundo é um pouco diferente do cinema, talvez os diretores queiram dizer, e nada é comum nos filmes dos irmãos Coen.

Um dos melhores trabalho dos irmãos diretores, “Onde os fracos não têm vez” não aponta apenas para o lado banal da violência, mas também para a maneira anestésica, burocrática e passiva com a qual lidamos com ela hoje. Não que os irmãos Coen sejam defensores dos tempos do Velho Oeste, quando tudo se resolvia na base do olho por olho, dente por dente. Esse, aliás, é o filme, digamos, mais sanguinário deles. Apenas usam a história como ferramenta de contraponto.

É difícil prever se “Onde os fracos não têm vez” ganhará o Oscar. No entanto, a cada vez que Tommy Lee Jones entra em cena interpretando um texto impecável, o filme parece mais perto da estatueta.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Fantasmas da Espanha

O cineasta tcheco Milos Forman gosta de retratar tipos polêmicos ou controversos. Sua filmografia contém três cinebiografias de personalidades que causaram algum incômodo na história da humanidade, claro que guardadas as devidas proporções. É o caso do comediante Andy Kaufmann (Jim Carrey) no filme “Man on the Moon” (1999) e do músico Wolfgang Amadeus Mozart em “Amadeus” (1984), que faturou oito Oscars. Além de Larry Flynt, criador da revista masculina Hustler, cuja vida foi retratada em “O povo contra Larry Flynt” (1996).

Filmar a vida de personagens reais parece ser uma temática que atrai o diretor. Em “Sombras de Goya” ele volta a utilizar um personagem histórico, no caso o pintor espanhol Francisco de Goya, vivido pelo ator sueco Stellan Skarsgard. Mas ao contrário das obras citadas, o filme não é sobre o pintor.

Goya aparece como pano de fundo de importantes mudanças históricas entre o final do século XVIII e início do XIX. Ele é um gênio que usa o seu pincel para testemunhar mudanças dramáticas na Espanha, sempre uma vítima da Igreja, dos franceses pós-revolução de 1789 e finalmente dos ingleses, com suas pinturas críticas ao mesmo tempo em que bajulava a corte fazendo quadros em sua homenagem por encomenda.

E em meio a esse turbilhão de acontecimentos, o diretor, que também escreveu o roteiro ao lado de Jean-Claude Carrière, cria uma história de obsessão do pintor por sua retratada Inés (Natalie Portman, uma atriz madura e perfeita para o papel), uma paixão de graves conseqüências também para o padre Lorenzo (o onipresente Javier Bardem nestes últimos meses nas salas de cinema do Brasil).

Capturada pela Inquisição apenas por não gostar de carne de porco – para a Igreja Católica um ato de judeus – Inés sofre com a tortura do que os padres chamavam de “interrogatório” (qualquer semelhança com o extremismo religioso de Bush pode não ser mera coincidência), é afastada de sua família e acaba violentada por Lorenzo, com quem terá uma filha. As conseqüências de diversas rupturas internas e da sociedade serão, porém, trágicas para Inés, que jamais irá se recuperar da tortura física e psíquica causada pela Igreja.

E nesta história, Goya não passa de um personagem inserido numa obra de ficção. Não se sabe se realmente ele teve uma modelo por quem se apaixonou. O pintor é mais um espectador privilegiado que registra todos os momentos conturbados pelos quais a Espanha está passando.

Apesar do filme de Milos Forman levar o seu nome, Goya na obra é um coadjuvante num enredo muito mais focado em Inés e Lorenzo. O filme conta menos sobre o pintor e critica mais os métodos e a tortura da Igreja. Uma polêmica, no entanto, que não provocou muito reboliço.

Desta vez não espere mais uma cinebiografia assinada por Forman. Mas nem por isso, “Sombras de Goya” deixa de ser uma bela película calcada no talento de seus três atores principais.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

A culpa eterna

Seguindo a série de análises sobre os filmes candidatos à principal categoria do Oscar no próximo dia 24, hoje é a vez de “Desejo e Reparação”:

Briony é uma jovem de talento singular para escrever, mas que pouco sabe da vida. Sua imaturidade e grande imaginação acabariam sendo responsáveis por fazê-la viver um pesadelo até o fim de sua vida, por mais que ele tenha sido parcialmente exorcizado naquela que seria a sua última obra antes que uma doença no cérebro a consumisse.

“Desejo e Reparação” (Atonement, no original, que tem sete indicações ao Oscar) é um filme sobre como Briony, vivida na juventude por Saoirse Ronan, na idade adulta por Romola Garai e na velhice por Vanessa Redgrave, lidará com a culpa de ter destruído duas vidas, uma delas a de sua irmã, Cecília Tallis (Keira Knightley), por ter imaginado demais e tomado conclusões precipitadas antes de uma apuração mais acurada dos fatos.

É em busca da reparação que ela larga o que seria uma brilhante carreira acadêmica nas melhores universidades inglesas para se embrenhar nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial como enfermeira de um hospital. Vê sangue e salva vidas o bastante para aparentemente compensar seu pecado. Mas nada disso é suficiente diante da dor de sua irmã e do grande amor dela, Robbie Turner (James McAvoy).

Com um título brasileiro bastante infeliz – não sei onde o tradutor viu o desejo numa obra que é apenas de reparação – “Desejo e Reparação” é tão perfeito na transposição de um livro para a tela que mesmo quem não leu o romance original de Ian McEwan (como foi o meu caso) que se chama apenas, assim como o título original do filme, “Reparação”, sente como se estivesse lendo/vendo um grande romance.

Essa história de amor interrompida por uma criança imatura que vê demais e não compreende a pureza do sentimento do apaixonado casal Cecília e Robbie trespassa a guerra e faz do conflito uma tentativa de Briony de se curar do mal que causou.

Da busca de Briony por redenção, Joe Wright conduz um filme lírico de fotografia impecável – não é a toa que esta é uma das indicações - e com um desfecho surpreendente e de tocar o coração. O diretor comanda a história com tamanha delicadeza e procura dar vivacidade a cada trecho da obra de McEwan que cada passagem, cada diálogo, cada imagem parece simetricamente construída para que seu filme fosse o romance falado/visto/filmado.

Trazer livros para a tela grande, assim, vai se tornando uma especialidade de Wright, que em 2005 comandou uma ainda desconhecida Keira Knightley em “Orgulho e Preconceito”, filme baseado num romance da água com açúcar Jane Austen. Lá como aqui, seu cuidado com a história era visível e o talento de Keira já despontava.

Resta a ela agora, que não foi indicada pelo seu bom trabalho, assim como McAvoy, pegar papéis com igual destaque, mas mais diversificados. A moça apaixonada destes dois filmes e a heroína rebelde dos três “Piratas no Caribe” e da bomba de mau gosto “Rei Arthur” (2004), quando viveu uma, digamos, diferente Guinevere, ela já provou que sabe fazer. É preciso agora levar o seu belo sotaque britânico além. Por enquanto, ficamos com o belo “Desejo e Reparação”.

“Desejo e Reparação”, “Orgulho e Preconceito”. Diretores iguais. A mesmo atriz principal. Obras baseadas em livros. Será que os tradutores brasileiros acharam que era uma continuação e não atentaram que um é McEwan e outro é Austen? Que título desagradável.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Para ficar na memória

Duas das mais lendárias bandas do rock nacional, os Titãs e os Paralamas do Sucesso já fizeram shows épicos e insossos nas mais de duas décadas que vem tocando pelos palcos do país. Com tanto tempo de estrada, alguns dramas também fazem parte da história de cada um.

No caso dos Titãs, a visível ausência em seus shows do guitarrista Marcelo Frommer, morto há seis anos, além de Arnaldo Antunes e Nando Reis, que deixaram a banda com apenas cinco integrantes. Igualmente visível nos Paralamas é a cadeira de rodas que deixou Herbert Vianna imobilizado da cintura para baixo depois de um acidente de ultraleve que acabou matando sua esposa. Nada que o atrapalhe a tocar guitarra e cantar, no entanto.

Com as marcas do tempo ali expostas em plena Marina da Glória, Titãs e Paralamas voltaram a se encontrar para um concerto histórico em comemoração aos seus 25 anos de carreira.

Dezesseis anos depois do primeiro encontro no Hollywood Rock (eles já tocaram juntos duas vezes), as duas bandas fazem um espetáculo que não merece adjetivo menor do que antológico. Da abertura feita pela guitarra de Tony Bellotto para introduzir “Diversão” ao último verso de “A novidade”, num “polimento para o DVD”, como disse Herbert Vianna, o que se vê é um amálgama de clássicos, sucessos e de uma banda tão entrosada e visivelmente se divertindo no palco que mais parecia uma só. “Os Titãs do Sucesso”, como brincou o próprio Herbert.

Quem foi à Marina da Glória e encarou a chuva que teimava em cair em diversos momentos não se arrependeu. Como se não bastasse o entrosamento quase perfeito entre os dois grupos, o show ainda contou com a participação especialíssima do guitarrista do Sepultura, Andreas Kisser, e de Arnaldo Antunes, membro fundador que levou a galera ao delírio nas apresentações oficiais que vão bonitinhas para o DVD de “Comida” e “Lugar Nenhum”, e na improvisada e inebriante “Pulso”, pedida, insistida, clamada pela platéia, que contou com as guitarras de Herbert e Bellotto apoiando Arnaldo e Branco Mello, que se revezavam nos versos doentios.

A apresentação ainda contou com o cantor e guitarrista do Skank, Samuel Rosa, numa passagem mais apagada e menos vigorosa para cantar duas músicas com as estrelas da noite: “Lourinha Bombril” e "O Beco".

O pulso da galera pulsou do primeiro ao último minuto. A cada instante um clássico de cada banda era revisitado na voz da outra. De “A novidade" cantada por Sérgio Britto em dueto com Herbert Vianna, a “Flores”, levada por Herbert Vianna, passando por “O Calibre”, conduzida por Miklos ou “Selvagem", novamente cantada por Britto e Herbert. O vocalista do Paralamas ainda devolve a gentileza cantando “Sonífera ilha” com Branco Mello e cia.

Em “Uma brasileira” um backing vocal excepcional de Britto, Branco e Paulo Miklos juntos. Em “Meu Erro” e, principalmente, “Óculos”, titãs e paralamas se revezam nos verso, e Miklos e a platéia se emocionam quando Herbert muda a letra para dizer que “por cima dessas rodas também bate um coração”. Eles trocam idéias e o cantor diz que “saiu sem querer”.

Titãs e Paralmas se completam. Em raros momentos o show esfria, pois eles se revezam com extrema competência na arte de entreter a platéia. Embora o concerto seja em conjunto, há espaço nas quase duas horas em que tocaram (e quase 30 músicas!!) para sets isolados de cada um. É quando o Paralmas toca canções mais lentas e melódicas como “Ela disse Adeus” e “Lanterna dos Afogados” e os Titãs despejam todo o seu peso com “Cabeça Dinossauro” e “Bichos Escrotos”.

Não que quando estão juntos eles deixam de ter “pegada”. Algo impossível com as duas baterias de João Barone e Charles Gavin tocando juntas e Kisser auxiliando Bellotto numa para lá de raivosa versão de “Polícia”.

Definitivamente foi um show especial que ficará gravado na mente de cada um que lá esteve por muitos anos mesmo que não fosse lançado o registro em DVD, provavelmente em março. Difícil imaginar qual música do repertório dos dois faltou. Particularmente e a título de gosto pessoal senti falta apenas de “Vossa Excelência” e de “Que país é esse?”, música da Legião Urbana que os Paralmas sempre tocam. Ficariam ótimas, aliás, cantadas em seqüência.

A lamentar apenas a dispensável “necessidade” de regravar três músicas para que ficassem mais “perfeitas”, talvez, no registro oficial. Uma bobagem que me fez sentir num showzinho de axé de quinta categoria no Maracanã. Estava tudo perfeito. Mesmo com seus pequenos erros, mas isso faz parte de uma banda que tem alma. Não precisava mudar nada. Infelizmente isso só me fez perceber que nem o DVD será melhor do que o que foi visto in loco. As pormenoridades provavelmente serão retocadas num “photoshop” ilusório.

Um registro extra – e histórico - que provavelmente não vai para o DVD, pois não estava no script. Arnaldo Antunes com alguns Titãs e Herbert Vianna cantando um improvisado “O Pulso”.