segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

“Babilônia” e a decadência do cinema mudo

Tratar de transição do cinema mudo para o falado não é exatamente uma novidade no cinema recente. “O Artista” já falava sobre isso em 2011. Ao contrário do filme de Michel Hazanavicius, no entanto, o diretor Damien Chazelle, tirou o olhar de um único protagonista para pintar o cenário de decadência, depressão e transformação que aconteceu no cinema no final dos anos 20 do século passado.

“Babilônia” (“Babylon, no original) tem a intensidade asfixiante de “Whiplash” (2014) e o carinho e devoção ao cinema de “La La Land” (2016) dois dos trabalhos que fizeram a fama de Chazelle.

No centro de “Babilônia” está o caos dos anos 20 em meio a um cenário de decadência da velha Hollywood que para o espectador do cinema era muda, mas que lá dentro da indústria era esporrenta, exagerada, incendiária, um vulcão em constante ebulição.

Já em seus primeiros 30 minutos, Chazelle pinta o cenário daquele momento a partir de uma enorme festa regada a free jazz, elefante, drogas, sexo, nudez e toda a forma possível de libertinagem. Neste cenário de hedonismo radical conhecemos os personagens que iremos acompanhar na jornada lisérgica e, por vezes, cansativa, de mais de 3h de filme: Jack Conrad (Brad Pitt), uma das maiores estrelas do cinema até então; Nellie LaRoy (Margot Robbie), desconhecida candidata à estrela do cinema mudo e penetra da festa; Elinor St. John (Jean Smart), colunista de fofocas de Hollywood; Manny Torres (Diego Calva), jovem mexicano faz-tudo cujo sonho é trabalhar com cinema; e Sidney Palmer (Jovan Adepo), músico negro que começa a ganhar espaço nos filmes.

Chazelle trabalha seu filme a partir da evolução e entrecruzamento de olhares destes cinco personagens. Usando suas vidas a partir da metáfora de uma roda-gigante, os quatro se alternam entre faixas de bonança e miséria em suas carreiras. Todos sabem que uma transformação está por vir. E a era do som vai sacudir uma indústria que se esvai em uma série de escândalos.

“Babilônia” não tem a mesma força narrativa de “Whiplash” e, por vezes, confunde o espectador no equilíbrio entre expor as feridas daquele tempo e fazer uma grande homenagem ao cinema, mas algumas cenas do filme podem ser enquadradaa em algumas das melhores que o Chazelle fez.

Ressalto três delas. A primeira e a segunda são a dobradinha que Chazelle usa para pontuar passado e futuro e suas gritantes diferenças. Uma cena é a produção em escala industrial do cinema mudo. O diretor passa a sua câmera por uma série de filmes completamente diferentes sendo produzidos ao mesmo tempo e num espaço de menos de um metro de diferença culminando com uma grande e insana produção de guerra em que tudo acontece ao mesmo tempo, pessoas invadem o set no meio da gravação, câmeras são destruídas e tudo precisa ser construído numa velocidade absurda e em níveis de decibéis irreais para aproveitar a única coisa que importa: a luz natural. Sem luz natural, não há filme para ser feito.

Quando sai a explosão do cinema falado, todos aqueles profissionais acostumados a extravasar as emoções enlouquecidamente precisam se adaptar ao silêncio absoluto, marcações por causa do posicionamento de microfones, cenários isolados e construídos milimetricamente para fazer uma única cena. É o que vemos minutos depois no filme. Aqui Chazelle enfatiza a longa repetição e a necessidade de sair tudo perfeitamente para que o filme fique bem gravado. Um mínimo erro, uma quebra no silêncio, faz com que seja necessário gravar tudo de novo.

Nesta dobradinha, Chazelle aproveita para pontuar a crueldade do tempo passando para uma estrela como Nellie LaRoy. Excelente atriz de filmes mudos por sua facilidade de trazer expressões corporais e comunicar muito bem as emoções com o seu rosto, além de muito carismática, LaRoy agora precisa se adaptar à falta de liberdade para se mover no set, ao calor de um estúdio sem ar condicionado, pois este faz muito barulho, e â necessidade de decorar um texto e falar.

Se antes as recomendações da diretora eram genéricas para que o ator busque uma inspiração e desenvolva a partir disso, agora tudo é marcado, tudo é ensaiado.

E como é difícil para uma atriz de cinema mudo falar. Sem impostação de voz, sem nem necessariamente ser preciso ter uma voz bonita, agora os atores precisam se confrontar com os seus timbres nem sempre agradáveis e seu modo de atuar excessivamente expressivos que são ridicularizados pelo espectador do filme falado.

“Babilônia” é uma jornada de decadência de estrelas como Jack Conrad, que coprotagoniza a outra grande cena do filme em que a jornalista Elinor dá um duro discurso sobre o fim de Conrad como uma estrela do cinema. Os tempos estão mudando e Conrad não serve mais para os novos tempos. Ele está morto, e, por extensão, todos as estrelas do cinema mudo também estão mortas. Paradoxalmente, Elinor garante que Conrad está eternizado não história. No futuro, ele será reverenciado. No presente, ele não é nada além de um peso morto cujos tempos de glória já passaram.

Curiosamente, depois de espetar e girar a faca sob toda uma era do cinema, Chazelle usa o terço final do filme para uma grande homenagem a era muda e ao cinema ao longo das eras. É bastante tocante ver o Manny entrando no cinema ao mesmo tempo em que vão passando trechos de filmes antigos e na sequência ver a câmera viajando pelas décadas até chegar a “Matrix” (1999) e “Avatar” (2009). Tudo para, no fim, a câmera voltar para o espectador, a razão de ser do filme, e, por fim, para Manny, o elo condutor de toda aquela jornada, agora com mais de 50 anos e longe daquela indústria instável, desorganizado, louca e fascinante.

“Babilônia” pode parecer brega para muitos, histriônico para outros, mas eu vejo uma certa beleza no filme do Chazelle. Ele não revoluciona e nem inventa nada, mas me dá uma certa diversão ao longo de sua jornada.

Nota 7,5.