segunda-feira, 18 de abril de 2011

Finalmente, um show do U2

O U2 cantando "Where the streets have no name"
Gabriela tem nos olhos o brilho de uma criança de 12 anos que está indo ao seu primeiro show de rock. Vestida de preto como a ocasião pede, faixa na cabeça em alusão à banda e à turnê que em poucas horas vai se tornar a mais lucrativa da história, ela abre o sorriso de quem jamais se cansaria mesmo se a viagem até o estádio do Morumbi, em São Paulo, levasse horas e horas para assistir aos seus ídolos.

No sábado, dia 9 de abril, todos os caminhos levavam a um destino. Gabriela veio de Piracicaba com os pais veteranos de guerra do rock and roll que citam datas e momentos inesquecíveis para eles da história dos shows no Brasil. Momentos estes que se confundem com a história de suas próprias vidas.

“No show do U2 de 1998 eu não fui porque preferi ir nos Rolling Stones que tocariam pouco tempo depois. Priorizei a antiguidade da banda. Vai que eles não tocavam mais aqui? O U2 ainda estava em forma. Mas ele, que era meu namorado, preferiu ir no U2”, diz a mãe com todo o sotaque carregado no “r” do interiorrrr de São Paulo e fascinada com aquela garra fincada no gramado do Morumbi que mostraria ser um dos palcos mais espetaculares que já passou pelo Brasil.

A mãe de Gabriela pensou de forma pragmática, mas acabou se dando bem por outros motivos. Ao contrário do que ela imaginava, os Rolling Stones voltariam mais duas vezes ao Brasil, mas a escolha dela foi mais sensata porque 1998 não era um bom momento para o U2. Sua turnê, a “Pop Mart” era grandiosa como a atual “360 graus”, mas o disco “Pop” (1997) era um dos mais fracos da história da banda, que resultou num show que não condizia com o que representa o U2.

Eu tinha 16 anos, estava no Autódromo do Rio e tinha um sorriso semelhante ao que Gabriela estampava ali na arquibancada do Morumbi. O da primeira vez num show de rock. Vi tudo aquilo com o mesmo encantamento que ela testemunharia em poucas horas.

Sem conseguir ficar parada, Gabriela levantava e sentava freneticamente. Ajeitava o cabelo castanho enquanto as argolas gigantes na orelha quase do tamanho do seu rosto balançavam. Educada, pedia autorização da mãe para gritar. Diante do sim de quem tem muita história para contar, liberava todas as cordas vocais. Faria qualquer cantor de death metal cair para trás.

“É o primeiro show de rock dela. Por isso está tão empolgada”, contava a mãe, interrompida por uma pergunta de supetão da menina.

“O que está escrito na sua camisa?”, questionou ela olhando para o meu modelo preto-clássico estampando a capa de um dos grandes discos ao vivo da história do rock, o “Rattle and Hum” (1988), quando o U2 mergulha nas raízes do blues numa turnê pelos Estados Unidos e faz um disco que todo fã tem em diferentes versões e tecnologias.

“A gente tem esse mãe?”

“Temos em vinil, CD e DVD. Esse é muito bom, né?”

“Excelente. Mas não espero algo desse nível aqui hoje. Isso é para os livros de história”.

Atrás da família de Piracicaba, Rodnei vivia emoções distintas. Ele saiu de Belo Horizonte com a família para acompanhar o U2 no Morumbi, mas não estava plenamente feliz. Naquela mesma noite, Ozzy Osbourne, ou “Ôzzy”, como eu descobri que os mineiros chamam o Senhor das Trevas, também tocaria na capital mineira, o que o deixou contrariado.

“Belo Horizonte nunca tem nada. Aí marcam um show do Ôzzy hoje. Mas eu já tinha comprado o meu ingresso do U2. Preferi vir”, lamentou o mineiro, mas sem deixar de levar o Black Sabbath na camisa para ver o U2.

Foi uma sábia escolha. Ozzy fez um show emocionante no Rio, mas seu melhor momento foi em 2008. A música favorita de Rodnei, “Changes”, não é tocada. Assim como “No more tears”, apesar dos apelos do público. Já o U2, bem... o U2 poderia reservar alguma surpresa especial para compensar o mineiro e os muitos que passaram até duas noites na fila para conseguir ficar no melhor lugar possível para ver Bono Vox (vocal), The Edge (guitarra), Adam Clayton (baixo) e Larry Mullen Jr. (bateria), o quarteto que se mantém unido há 30 anos nessa máquina irlandesa de fazer música.

Bono numa plataformas cantando "Miss Sarajevo"
O sofrimento desse povo não foi em vão. Primeiro houve um competente e  lamentavelmente curto show do Muse, abertura de luxo de um trio de Devon, Inglaterra, formado por Matthew Bellamy (guitarra e voz), Christopher Wolstenholme (baixo) e Dominic Howard (bateria) que seria saudado mais tarde por Bono como um power trio como o Cream e o Jimi Hendrix Experience. Menos, Bono, menos. Mas no palco os caras são realmente muito bons e por vezes me fizeram lembrar alguns bons momentos de shows de Radiohead e Franz Ferdinand.

Quando um relógio no telão fazia a contagem regressiva para a entrada do quarteto de Dublin no palco, a chuva que desabara no show do Muse parou. O despedaçar do relógio foi sucedido por “Space Oddity”, de David Bowie, a senha final para o início do espetáculo.

Saudado por 70 mil pessoas, o U2 não entra no palco quebrando tudo ou com um arrasa-quarteirão como muitas bandas normalmente fazem. Caminha lentamente, acena para os fãs do alto da montanha do rock e começa o espetáculo com “Even better than the real thing” num tom quase desleixado.

A canção do “Achtung Baby” (1991) significa pouco mais de três minutos e quarenta segundos de aquecimento. Na letra, Bono pede mais uma chance, garantindo que vai satisfazê-lo. Com duas chances, não haverá como se arrepender. “Me dê uma última chance e eu farei você cantar” / “Você pode me levar mais alto/você vai me levar mais alto”. A letra me faz lembrar de 1998, Pop Mart e um show que merecia ser esquecido.

Mas era preciso dar uma nova chance ao U2 e quando o “hino informal do Twitter” surge da guitarra de The Edge, o Morumbi vem abaixo e as arquibancadas balançam. É “I will follow” que faz jovens como Gabriela, quem nem era nascida quando a banda lançou o álbum “Boy” (1980), e mais velhos como Rodnei, que viram a gestação do disco, vibrarem com a mesma intensidade.

De uma ponta a outra do set list, o U2 passeia por 30 anos de história em que os sucessos são muito maiores do que os fracassos. Se o novo disco, “No line on the horizon” (2009), que é o que justifica a atual turnê, está longe de clássicos como “War” (1983) e “The Joshua Tree” (1987), isso não significa que seja um álbum descartável como mostram algumas canções tiradas para o show.

É o caso da mais dançante “Get on your boots”, que segue a linha de “Beutiful day” e “Vertigo” dos discos anteriores “All that you can leave behind” (2000) e “How to dismantle an anatomic bomb” (2004), embora sem a mesma qualidade destas, com refrão fácil de gravar na cabeça e as marcas de The Edge e Larry Mullen Jr nas guitarras e na bateria, e da belíssima “Magnificent”, substituta que deveria ser natural no set list de uma já saturada “With or without you” com sua letra dizendo “eu nasci para estar com você/neste espaço e tempo” e “só o amor pode deixar tal marca/só o amor cura tal cicatriz”.

Pena que a banda pareceu meio de freio de mão puxado quando tocou esta, ao contrário da intensidade que a canção mostra no álbum. Da mesma forma, “Beutiful day” me pareceu mais declamada do que cantada. Ao contrário de “Vertigo” com seu empolgante início com Bono gritando “uno, dos, três, catorce” e o riff de The Edge.

No total, o U2 cantou 23 músicas em 2h10m. Neste período Bono encarnou todos os personagens que viveu nas últimas três décadas. É o astro do rock com consciência política que canta “Sunday Bloody Sunday” e “Miss Sarajevo” (incluindo aqui a parte do Pavarotti!) para protestar contra a guerra, a morte de inocentes, etc. É o cara que passou a ter um discurso quase messiânico (e para muitos virou um mala) para lutar contra a pobreza, a preservação do meio ambiente e que exalta a libertação da líder birmanesa e prêmio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi, e homenageia as crianças mortas no massacre da escola Tasso da Silveira em Realengo. O seu lado, digamos, messias fez até uma fã no fim do show exagerar ao comentar a coincidência de só ter chovido antes do show, durante a apresentação do Muse, e cinco minutos após o término do espetáculo.

“Gente, mas esse homem é iluminado mesmo. Choveu na abertura, não choveu no show e voltou a chover depois”. Menos, galera, menos.

Bono pendurado no microfone em "Hold me..."
Mas Bono também faz o tipo roqueiro metido da turnê do “Achtung Baby” (1991) e nos anos subseqüentes daquela década, que teve a sua melhor representação na interpretação de “Hold me, thrill me, kiss me, kill me”, e o romântico de baladas como “With or without you” e “One” e que também chama uma jovem ao palco para abraçar e beijar, além de fazê-la declamar um trecho de “Carinhoso” de Pixinguinha.

Tudo isso num palco que é o quinto integrante da banda irlandesa. Além do telão fenomenal que se desdobra e envolve a banda, o conceito da turnê 360 graus funciona perfeitamente. Com uma arena que deixa o U2 girando e plataformas que o aproxima dos seus fãs, a banda dá a um maior número de pessoas a chance de estar no “gargarejo” circulando pelos vários pontos, dando atenção a um público maior. Até o baterista teve o seu momento de encontro com a galera.

“Quando ninguém acha que é possível inovar, eles vêm com essa”, diz a mãe de Gabriela, absolutamente encantanda com o palco do U2 e boquiaberta como muitos em volta.

Esse foi o estado geral até o fim da apresentação, quando a banda, como é de praxe (e eu não consigo entender) encerrou com uma música lenta. A escolhida da vez para ocupar o lugar que já foi de “40”, “One” e “All I want is you” é “Moment of surrrender”.

O telão que abre e envolve a banda no palco
“Valeu a pena né mãe?”. Isso foi só o que a encantada Gabriela conseguiu dizer quando Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Jr. se despediram dos primeiros 70 mil fãs daquela primeira noite. Haveria ainda mais duas de casa lotada e novas emoções. Mas naquele dia, o U2 provou que cada centavo do ingresso foi bem investido.

Abaixo o set list e alguns momentos do espetáculo na primeira noite no Morumbi.

Even better than the real thing
I will follow
Get on your boots
Mysterious ways
Elevation
Until the end of the world
I still haven’t found what I’m looking for
Stuck in a moment
Beautiful Day
In a little while
Miss Sarajevo
City of blinding lights
Vertigo
I’ll go crazy if I don’t go crazy tonight
Sunday Bloody Sunday
Scarlet
Walk On
One
Where the streets have no name
Hold m, thrill me, kiss me, kill me
With or without you

Moment of Surrender












domingo, 17 de abril de 2011

Os últimos caldos de Ozzy

Ozzy: 62 anos de muito rock and roll
Vivo repetindo isso aqui. Expectativa representa uma parcela importante de qualquer show ou filme que a gente vá ver. Há três anos despenquei para o HSBC Arena com os dois pés atrás, mas aquela vontade de enriquecer o meu currículo roqueiro preenchendo uma lacuna vazia chamada Ozzy Osbourne.

O Senhor das Trevas tinha 59 anos de muitos excessos, drogas e rock and roll que fariam qualquer ser humano normal estar nesse momento a sete palmos de terra. Mas Ozzy tinha sobrevivido. E como diria o Ronaldinho, “Ozzy é Ozzy”. O cara surpreendeu fazendo um showzaço daqueles para ficar guardado na memória e nas retinas das 12 mil pessoas presentes.

O cara mostrou que o indivíduo sequelado e mero serviçal da mulher Sharon que todos viam no reality show “The Osbournes” na TV era um monstro que transformava aquela forma decadente num deus do heavy metal. Com um alcance vocal surpreendente, Ozzy pulou, ficou andando freneticamente de um lado para o outro batendo palminhas feito uma foca atormentada e comandou o espetáculo com maestria. Tudo isso acompanhado do seu fenomenal guitarrista Zakk Wylde, que não devia nada ao seu antecessor Randy Rhodes, morto em 1982. Tinha cara de última vez, última chance, mas essa primeira vez/despedida que eu vi do Ozzy fora recompensadora e inesquecível.

Mas Ozzy tem pacto com os deuses do rock para se manter conservado até o fim dos tempos, lança bons discos – o mais recente é “Scream” (2010) – e três anos depois daquele show reaparece vivo no Citibank Hall para mais um espetáculo.

Expectativa, muita expectativa. Será que o show vai superar ou ao menos igualar o de 2008? A resposta é não. Isso significa que foi ruim? A resposta é mais uma vez não.

Agora com 62 anos, Ozzy mostra que finalmente (e lamentavelmente) a idade está pesando. Mesmo com o pacto com os deuses do metal que eu citei acima, ele tem que dar uma segurada quando uma música exige um pouco mais das cordas vocais. O refrão de “Bark at the moon”, que abre os trabalhos, e, principalmente, de “Crazy Train”, já no final da peleja, vai todo para o gogó da galera com a devida anuência e regência do tio Ozzy que continua se movimentando de um lado para o outro e exigindo palmas e balançar de braços de um lado para o outro para os seus súditos.

O cantor joga bastante para a galera enquanto começa perguntando: “Are you ready to go crazy?”. Constantemente provoca: “I can hear you” e ao mesmo tempo curte ser adulado a cada grito de Ozzy! Ozzy! da plateia.

Só que como eu disse antes, isso não significa que o show tenha sido fraco. Ozzy é hoje aquele jogador de futebol experiente que busca os atalhos do campo e mostra o caminho necessário para seguir brilhando, pois o palco é o seu habitat natural. Fora dele, é apenas um sequelado que fica em casa limpando cocô de cachorro, como comentou numa coletiva em São Paulo.

De “Bark at the moon” até “Paranoid”, do Black Sabbath, o cara mostra muita competência levantando a galera com os seus clássicos sempre apoiado por uma boa banda. Tommy Clufetos é um animal socando a bateria enquanto o baixista Blasko empolga o povo com seus giros constantes em torno do seu próprio eixo. A banda conta ainda com o tecladista Adam Wakeman, filho do tecladista do Yes, Rick Wakeman.


Ozzy ao lado de Gus G: mandando bem no palco
Já o guitarrista Gus G é competente, sem dúvida, mas é sempre difícil entrar numa posição originalmente ocupada por Tony Iommi e que em seguida passou a ser ocupada por Rhodes e Wylde. E é neste último que ele parece se inspirar em demasia imitando-o demais ao invés de impor o seu próprio estilo. O grego me parece só se sentir plenamente à vontade mesmo na única música do disco novo, do qual ele participou, que Ozzy toca, “Let m hear you scream”.

De resto, ele faz o feijão com arroz sem comprometer a engrenagem do Senhor das Trevas que das 15 músicas do set levou, para delírio da galera, quatro do Black Sabbath, incluindo a instrumental “Rat Salad” no que pareceu uma parada providencial para Ozzy recuperar o fôlego depois de jogar muita água e espuma nele e na plateia em “Mr. Crowley” e balançar muito a cabeça com “Fairies wear boots”, “Suicide Solution” e “War Pigs”, que teve uma execução muito semelhante à do show de 2008.

Com “Iron Man”, “I don’t want to chance the world” e “Crazy Train”, Ozzy faz mais uma parada estratégica para em seguida encerrar a noite com “Mama, I’m coming home” e “Paranoid”, que dessa vez o público carioca pôde ver ser tocada inteira. Afinal, quem não lembra da batalha que Zakk Wylde teve que travar com o público para recuperar sua guitarra jogada por ele mesmo para a galera na inocência de que ela seria recuperada? Voltou puto com um cotoco num fim de show que frustrou os fãs.

Frustração semelhante teve a nova plateia diante da recusa de Ozzy em tocar “No more tears” apesar dos incensados pedidos da galera. Lembremos que em 2008, a música também não estava no repertório, mas Ozzy atendeu a galera. Me pareceu até que ele desejava fazer o mesmo agora, mas senti a banda dando uma amarelada. Talvez Gus G não tivesse ensaiado direito essa. Ficou para a próxima.

Mas dá para dizer que o Senhor das Trevas ainda sabe o que fazer no palco. Melhor para os seus fãs. Tomara que ainda dê tempo de ele voltar ao Rio para mais um show.

Abaixo o set list do Ozzy e alguns momentos emocionantes do show no Citibank Hall:

Bark at the moon
Let me hear you scream
Mr. Crowley
I don’t know
Fairies wear boots
Suicide Solution
Road to nowhere
War Pigs
Shot in the dark
Rat Salad
Iron Man
I don’t want to change the world
Crazy Train
Mama, I’m coming home
Paranoid










terça-feira, 5 de abril de 2011

A crueldade em dois tempos

Num pobre país africano, o médico Anton (Mikael Persbrandt) tem que lidar com toda a forma de violência e crueldade possível de líderes tribais locais para salvar vidas. Numa Dinamarca que não gosta de suecos como ele e sua família, seu filho Elias (Markus Rygaard) é alvo de bullying na escola enquanto Anton tem que lidar com os seus próprios erros que acarretaram no pedido de separação de sua esposa Marianne (Trine Dyrholm).

A violência e a capacidade humana de ser tão cruel em um conflito com a ética e a necessidade de ser justo e, mais do que isso, humano, são o tema central de “Em um mundo melhor”, filme da diretora dinamarquesa Susanne Bier que venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro, mas merecia muito mais. Merecia pelo menos ter concorrido aos principais prêmios da festa americana e não ficar segregado a um quinteto que não ganhou lugar na festa principal hollywoodiana.

Numa Dinamarca fria, soturna, um tanto quanto fosca, Anton vive da culpa de ter traído a confiança da esposa, mas mantém uma relação próxima com o filho Elias. O mesmo Elias que sofre com a violência dos colegas de escola.

É com a amizade de Christian (William Johnk Nielsen) que Elias começará a dar o troco. O perturbado garoto que tem uma relação distante com o pai e sofre com a morte da mãe em consequência de um câncer é puro napalm ao fazer da vingança o alimento e a sua única razão de viver. Se não existe a justiça divina, se as instituições nada fazem, ele resolve fazer justiça com as próprias mãos ao espancar o valentão da escola com uma bomba de bicicleta e planejar um plano explosivo para vingar o pai de Elias que fora agredido bobamente por um idiota qualquer após tentar apartar uma briga entre duas crianças.

Ao tentar dar o exemplo de dignidade e ética para o filho, Anton precisa manter a cabeça fria, mas até mesmo ele testa os próprios limites ao atender na África o líder tribal que comete o crime atroz de rasgar a barriga das grávidas apenas por pura diversão num sadismo medieval. Embora tenha a necessidade de cumprir a sua função enquanto médico, Anton acaba ultrapassando a barreira a que se impôs quando provocado e, mesmo que não tenha participado de um massacre, acaba se abstendo de evitar que a violência vire o caminho natural da sede de sangue de um povo que sofrera nas mãos daquele bandido.

Da África para a Dinamarca, independentemente do desenvolvimento ou diferentes aspectos dos dois povos, só o que move é o sentimento de vingança. Por vezes Anton parece perdido. Tenta educar o filho da maneira correta, ensiná-lo a fazer o que é correto e a se defender com inteligência contra os chamados valentões da escola. Mas a influência prática de Christian se torna mais eficaz para um garoto que já sofreu muito e anseia por dar um troco.

Só que o próprio Christian vai aprender da pior maneira possível ao colocar a vida de Elias em risco que a velha máxima de que para toda ação há uma reação contrária é uma verdade absoluta. Se o problema menor do bullying pode ser resolvido com um troco bem dado, nem todas as questões podem ser tratadas a partir do olho por olho dente por dente.

No final, feridas são curadas, outras permanecem, mas o que fica é que a violência deixa marcas indeléveis na sociedade. São cicatrizes que “Em um mundo melhor” não faz questão de esconder.

sábado, 2 de abril de 2011

Iron Maiden IV

Para os meus seis leitores, o texto abaixo foi o publicado no site do GLOBO sobre o show do Iron Maiden. Não tenho mais o que dizer que não seja o que está nas linhas que se seguem. Foi um showzaço, cuja ideia vocês podem ter nos exemplos em vídeo no final do post.

O público aparentava ser ligeiramente inferior ao da noite de domingo, quando a quebra de uma grade na frente do palco frustrou mais de 12 mil fãs e causou o adiamento do show. Mas quem pôde voltar no dia seguinte e sobreviveu aos congestionamentos pela cidade para finalmente assistir à apresentação do Iron Maiden saiu da HSBC Arena de alma lavada. O Iron fez em duas horas na Barra da Tijuca um de seus melhores shows no Rio de Janeiro nesta que é a sua nona passagem pelo Brasil, a quarta só neste século.

A turnê que já passou por São Paulo no sábado agora segue para Brasília, onde a banda toca nesta quarta-feira, além de Belém (dia 1º), Recife (dia 3) e Curitiba (dia 5) antes de ir para Argentina e Chile.

O episódio da grade quebrada na véspera não passou despercebido pelo cantor Bruce Dickinson, que deu uma ironizada com a situação.

- Como vocês podem ver, nós temos aqui uma nova cerca. É uma liiiiiiinda cerca. E custou caro, mas vocês não tiveram que pagar. E melhor ainda, nós também não - disse Bruce, na primeira vez em que parou para conversar com o público após a quarta música, "The Talisman".

Em seguida, o vocalista agradeceu aos que tiveram condições de voltar à Arena para ver o show. Foi o suficiente para a horda de fãs vestindo camisas pretas (Havia também muitos com camisas do West Ham, o time de coração do baixista Steve Harris), ovacionarem o cantor. Seria apenas uma das muitas vezes em que o Iron seria homenageado.

Bruce ainda voltaria a mencionar a questão antes de "Blood Brothers", quando comparou os problemas que a banda teve no Rio com os que teve no Japão, onde o Iron não conseguiu tocar por causa do terremoto e do tsunami que causaram estragos no país. Como vem fazendo em todos os shows, ele aproveitou para dedicar a música aos japoneses e a todos os fãs do Iron independentemente de raça ou religião, citando países que passam por problemas de conflitos como Líbia e Egito.

Entre os fãs havia uma expectativa por uma espécie de compensação pelos problemas de domingo. Um set list um pouco maior com alguns clássicos que não estão na nova turnê do disco "The Final Frontier" como "Aces High" e "Run to the hills". E essa expectativa só aumentou quando o Iron terminou o show, mas as luzes demoraram um pouco mais a se acender enquanto o público clamava por "Run to the hills". Mas ficou para a próxima. Por outro lado, a banda pareceu ter suado ainda mais a camisa para agradar ao seu público que voltou à Arena.

O set list foi o mesmo que o Iron vinha tocando no México, Colômbia, Peru e em São Paulo. Dois anos depois de uma turnê de clássicos ("Somewhere back in time") que passou pela Apoteose e cuja canção mais nova era "Fear of the dark", o clássico dos clássicos e presença obrigatória em todo show do Iron até o fim dos tempos, a banda decidiu priorizar no novo espetáculo sua história recente.

Metade das 16 músicas do show saíram de discos lançados do ano 2000 para cá. Se não havia nada do "A matter of life and death" (2006), tinha duas do "Brave new world" (2000), uma do "Dance of death" (2003) e metade do novo álbum, "Final Frontier", o melhor desde que Bruce Dickinson voltou para a banda em 1999.

E é exatamente "Satellite 15...The Final Frontier" que abre os trabalhos na Arena após umas projeções futuristas no telão com Bruce cantando a primeira parte da música. No palco, o cenário é o de uma nova espacial com um céu estrelado que por vezes contrastava com imagens de diferentes fases do boneco Eddie, o mascote da banda, indicando qual seria a próxima música.

A recepção foi absolutamente calorosa. Provando que o "The Final Frontier" não chegou ao primeiro lugar em vendas em 28 países por acaso, o público cantou junto com Bruce. A empolgação não diminuiu com a música seguinte, "El Dorado", que tem uma poderosa entrada de baixo de Harris. Foi com essa música que o Iron ganhou o seu primeiro Grammy neste ano como melhor performance de metal.

No geral, as músicas novas tiveram boa aceitação. "Coming Home" também foi cantada por muitos em volta. Já "When the wild wind blows", embora muito bonita, deu uma dispersada no público ao longo dos seus quase 11 minutos (é a terceira canção mais longa do Iron, atrás apenas de "Rime of the ancient mariner" e "Sign of the cross").

Mas é claro que não dá para brigar com a história. A Arena explodiu de vez mesmo quando os primeiros acordes de "2 minutes to midnight", a terceira música, começaram a ser tocados. Ali, Bruce já tinha o público na mão e conduzia o espetáculo com a sua conhecida competência e muitos "Scream for me Rio de Janeiro", sua famosa frase para atiçar as multidões, trocando apenas a cidade em que está presente.

O Iron trouxe novidades, mas também não abre mão daqueles momentos que todo fã espera como Bruce balançando a bandeira britânica em frangalhos em "The Trooper" ou a chance de cantar junto toda a letra de "Fear of the dark" de novo. Muitas guitarras imaginárias também foram empunhadas a cada solo dos guitarristas Dave Murray, Adrian Smith e Janick Gears.

Em "The evil that man do", aliás, o Iron contou com um "quarto guitarrista". Como é de praxe, esta é uma das músicas em que o Eddie entra no palco. Para delírio dos presentes, o boneco de três metros pegou uma guitarra e arriscou brincar um pouco com o instrumento. Mas o que impressionou mesmo a plateia foi um Eddie gigante de oito metros que apareceu por trás do palco durante "Iron Maiden", que encerrou a primeira parte do show. Primeiro surgiam as mãos do mascote para em seguida se erguer o rosto e parte do tronco em sua nova versão alienígena do "Final Frontier".

"The number of the beast", "Hallowed be thy name" e "Running Free" encerraram a noite do Iron, que deixou a Arena ao som do "olê, olê, olê, olê, Maiden, Maiden!" cantado pelos seus fãs.


"The Final Frontier"


"El Dorado"


"2 minutos to midnight"


"The Talisman"


"Coming Home"


"Dance of death"


"The Trooper"


"The Wicker man"


"The evil that man do"


"Fear of the dark"


"Iron Maiden"