sábado, 26 de fevereiro de 2022

“Belfast” é bem intencionado, mas falha em suas ideias

Pai e filho conversam em meio a tensão em Belfast

Eu tinha grande expectativa por “Belfast”, mas definitivamente elas não foram cumpridas. Escrito e dirigido por Kenneth Branagh, o filme é uma espécie de “Jojo Rabbit” do Oscar de 2022.

Extremante autobiográfico, visto que sua inspiração está na infância de Branagh, “Belfast” tenta se equilibrar entre o olhar lúdico a partir das experiências de Buddy (Jude Hill) e a vivência dramática dos conflitos entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte da virada dos anos 60 para os 70 do século passado.

O problema é que o filme não consegue atingir plenamente os seus objetivos em nenhuma das propostas que parece ter. Onde ele vai melhor é quando coloca a família de classe trabalhadora que está no centro de “Belfast” como o olhar do espectador por dentro do início daqueles conflitos político-religiosos.

Por outro lado, o aspecto político do filme é reduzido a flashes que podem ser pouco ou nada compreendidos pelo espectador comum que não tem o background de conhecimento ou familiaridade histórica/acadêmica/sanguínea com aqueles eventos. Aliado a isso, Branagh acrescenta discursos simplórios como a mensagem de tolerância entre pai (Jamie Dornan) e filho no fim do filme. A frivolidade de determinados trechos do roteiro de fato compromete a própria mensagem.

Ha uma outra discussão que o filme propõe sobre a dificuldade de decidir largar ou não as próprias raizes, que é centrado na indecisão da mãe de Buddy (Caitriona Balfe). Talvez esta seja a camada mais interessante entre as exploradas no caldeirão de ideias jogadas por Branagh que não se converteram num filme com coesão.

Resta ainda a pureza do filme nas relações construídas pela família que está no centro da história. E os melhores momentos são quando Buddy está convivendo e conversando com os avós vividos por Judi Dench e Ciarán Hinds e com o pai. São momentos que tornam o filme fofo. Mas toda a fauna no seu entorno parece um tanto asséptica e artificial.

Fica a sensação que por mais marcantes que tenham sido as lembranças da sua infância, Branagh não tinha necessariamente um grande filme nas mãos. “Belfast” não é exatamente ruim. Mas deixa a desejar em suas propostas políticas e estéticas.

Nota 7.

Indicações ao Oscar: Filme, roteiro, direção, ator coadjuvante (Ciarán Hinds), atriz coadjuvante (Judi Dench), som e canção original (“Down to Joy”)



quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

"Macbeth": a mistura de Shakespeare e Expressionismo de Joel Coen

Denzel Washington e Frances McDormand
William Shakespeare é um autor ao qual volta e meia algum cineasta recorre quando sonha em filmar um texto clássico. Entre filmes mais antigos, as diversas adaptações de Kenneth Branagh e versões mais ou menos fiéis ao texto do bardo inglês, mais de 500 adaptações de suas peças já foram feitas no cinema. Fica, portanto, difícil imaginar que em pleno 2022 alguém possa trazer algo de novo ou que se desvie um pouco do que já foi feito.

Joel Coen, porém, não se intimidou com isso para criar a sua versão para “Macbeth”. E pode-se dizer que o diretor, pela primeira vez sem a companhia do irmão Ethan, trouxe um interessante olhar para esta que é uma das tragédias mais encenadas de Shakespeare.

“The tragedy of Macbeth” é visualmente exuberante. Filmado todo em preto e branco e em cenários construídos, o filme tem uma linda fotografia e uma estética inspirada no Expressionismo alemão que combinou muito bem com o texto de Shakespeare.

Ao contrário da versão mais recente “Macbeth: Ambição e Guerra” (2015), de Justin Kurzel, “The tragedy of Macbeth” valoriza mais o texto de Shakespeare, que pode ser visto como algo rebuscado ou exagerado para ouvidos contemporâneos, mas por trás de um inglês que por vezes soa arcaico há toda a universalidade dia temas tratados pelo escritor. Texto este que Coen dá ainda mais força pelas escolhas e cortes que dá para que a trama caiba em 1h45min.

E neste ponto Denzel Washington tem todo o espaço para fazer do seu Macbeth o vetor do ritmo colérico que o filme tem. Nos momentos mais relevantes da trama, as frases de Shakespeare soam enfurecidas até culminarem com o ápice da tragédia.

E, neste ponto, quem também entendeu bem a proposta de Coen de combinar imagem e fúria foi Kahtryn Hunter. Suas três bruxas são perfeitamente assustadores e arautos do apocalipse vindouro.

Talvez o lado negativo de “The tragedy of Macbeth” seja a Lady Macbeth de Frances McDormand. Ela ficou um pouco reduzida dentro da trama que fala sobre uma profecia e a tomada de poder na Escócia. Na obra de Shakespeare ela é mais relevante dentro da espiral de poder e loucura na qual os Macbeth se enredam. Mas no filme de Coen sua trajetória ficou jogada num canto e dada menor importância.

Mas são visões. A casa versão cinematográfica, sempre se pode recorrer ao belo texto de Shakespeare para um novo ou diferente entendimento da história. O que se pode concluir é que “The tragedy of Macbeth” é uma obra poderosa e ao mesmo tempo respeitosa com o texto do dramaturgo. A despeito dos necessários cortes para caber no tamanho pretendido do filme, Coen mexeu muito pouco no texto original. Sua proposta era apenas ditar o tom de fúria e casar o texto com uma estética certeira e bela.

Nota 8,5.