quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Ressurreição

Se no ano passado, parecia impossível tirar o Oscar de melhor ator de Daniel Day-Lewis por sua atuação em “Sangue Negro” (2007), neste ano a barbada para o prêmio tem um nome e a marca da ressurreição: Mickey Rourke.

É assim que sua atuação em “O Lutador” vem sendo classificada entre a crítica em geral. O momento em que Rourke finalmente ressurge das cinzas. Indubitavelmente, este é o papel de maior destaque do ator americano que aprontou muito na vida, largou uma carreira que tinha tudo para atingir o estrelato para virar boxeador, teve que depender da boa vontade de amigos para sobreviver e deu a volta por cima. Por outro lado, Rourke já dava sinais de ressurgimento em outro trabalho marcante e bastante elogiado na época: o do herói Marv, em “Sin City” (2005).

No entanto, é com o anti-herói Randy “The Ram” Robinson que Rourke ressurge das cinzas. The Ram é um lutador de tele catch, a luta livre americana, que após uma de suas batalhas sofre um infarto. A partir daí, ele é obrigado a se aposentar e viver longe da única coisa que sabe fazer.

Enquanto tenta se ajustar a vida normal, longe dos ringues, Randy procura aplacar a solidão que ele começa a sentir quando se vê distante da loucura em que vivia regada a muito álcool, esteróides anabolizantes e musculação. Mas engatar um romance com Cassidy (a maravilhosa Marisa Tomei) e reatar um relacionamento com a filha que ele mal via, Stephanie (Evan Rachel Wood), são tentativas que vão se revelar fracassadas por incompetência própria e uma rejeição natural do mundo.

A solidão é o sentimento terrível só curado pelos ringues e o grito da platéia, que adora, idolatra até, o personagem The Ram e ignora o Randy Robinson. E para o próprio Randy, a vida fora do mundo dos ringues não tem muita graça. Ela oscila entre a humilhação de ser um mero açougueiro, servindo aos outros, ao total desconforto, que é a maneira como ele lida com as pessoas na “vida real”.

Nesse ponto, ele lembra até o personagem Rocky Balboa, de Sylvester Stallone. Mas apenas lembra. O personagem de Rourke é bem mais complexo e, bem, ele é incomparavelmente mais ator do que o velho Sly.

É curioso que o retorno de forma triunfal de Rourke tenha vindo com um papel que ele conheça tão bem por já tê-lo vivido na pele. Durante o seu período de autodestruição, no início dos anos 90, o ator resolvera largar a carreira para se tornar boxeador (de verdade, ressaltemos, não de luta livre tele catch). Sua carreira foi curta – três anos e quatro meses -, mas não se pode dizer que não foi vitoriosa. Em oito lutas, foram seis vitórias, sendo quatro por nocaute, e dois empates. No entanto, o ator e dublê de atleta nunca enfrentou nenhum boxeador de ponta. Como tinha entre 39 e 41 anos, seu empresário dizia que ele era muito velho para lutar contra boxeadores de primeira linha.

Embora tenha permanecido invicto na sua passagem pelo mundo do esporte, as conseqüências podem ser vistas nas marcas deixadas no rosto do ator, considerado um galã, sex symbol e coisas do gênero no tempo em que estrelou “9 e ½ semanas de amor” (1986).

Estas marcas deixadas por sua vida desregrada, contudo, jamais são escondidas no agora cinqüentão Rourke que até sabe usá-las para dar um tom mais dramático da passagem de um “crazy time”.

Não é apenas a Rourke, contudo, que deve ser creditado a “O Lutador” a adjetivação de um dos melhores filmes do ano. O mérito vai também para o diretor Darren Aronofsky, que sabe contar uma história e construiu o seu primeiro longa de forma mais conservadora e linear. Parece que ele teve que baixar a bola depois do fracasso comercial e de crítica de “A Fonte da Vida” (2006), um bom filme, aliás, mas que poucos compreenderam, o que o levou a ser impiedosamente metralhado.

Fora uma queda brutal depois dos elogiados “Pi” (1998), que versava sobre o tal número matemático e era uma verdadeira loucura, e “Réquiem para um sonho” (2000), um trabalho que incomodava e tinha uma atuação visceral de Jennifer Connelly, a melhor de sua carreira, salvo eu tenha cometido algum engano e esquecido algum trabalho marcante.

“O Lutador”, portanto, não marca apenas a ressurreição de Rourke, mas a do próprio Aronofsky como diretor. Ainda bem. Eles só têm a acrescentar num mundo de matéria-prima bastante escassa.


Indicações ao Oscar: Melhor ator para Mickey Rourke e melhor atriz coadjuvante para Marisa Tomei.

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