quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A classe média sem esperança

Sam Mendes é um cineasta que vai se especializando em filmar aquele vazio existencial que não chega a ser filosófico, mas que gera uma tremenda angústia. Em especial da classe média americana e suas frustrações causadas pela vidinha comum e sem graça e suas convenções conservadoras que fazem da vida um estorvo apesar do sorriso público de falsa felicidade.

Em “Beleza Americana” (1999), o diretor já abordava isso ao retratar o casal Lester e Carolyn Burnham (Kevin Spacey e Annete Benning), que vivem sua vidinha perfeita, numa casinha bonitinha e uma vizinhança charmosa. Contudo, por trás do teatro da vida, havia uma realidade de frustrações, desejos contidos - e até censurados - e a necessidade de se rebelar contra toda a infelicidade que transbordava pelos poros do olhar perdido e o sorriso absolutamente neutro de Spacey.

De volta ao tema em “Foi apenas um sonho”, Sam Mendes mergulha na literatura de Richard Yates para voltar a mostrar a vidinha sem graça e cheia “inhos” (a casinha bonitinha, com jardinzinho, a vidinha perfeitinha...) do jovem casal Frank e April Wheeler (Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, retomando uma velha parceria de “Titanic” (1997).

Para a vizinhança, os Wheeler são o exemplo de perfeição. Casal lindo, com dois filhos fofos, uma bela casa branca com um gramado impecável. Frank tem um bom emprego, embora absolutamente sacal. April, atriz fracassada, é uma dona-de-casa exemplar, embora deseje as aventuras que lhe foram prometidas na juventude. Por dentro, portanto, há um vazio que vai corroendo aquele casamento de bela fachada, mas problemas profundos no interior da casa bem arrumada.

É um “vazio sem esperança”, como descreve Frank numa conversa com April e John (Michael Shannon, que rouba todas as cenas que aparece e merecidamente foi indicado ao Oscar de coadjuvante).

Mas April tem um plano de mudar isso. Começar de novo. Retomar o caminho da felicidade interrompido por uma gravidez que, talvez ela não desejasse tanto assim, embora garanta que verdadeiramente ama os filhos.

Paris parece a melhor opção. April trabalharia para sustentar a família enquanto Frank ficaria estudando, procurando a sua verdadeira vocação. Poderia deixar o emprego sem graça, a vida comum. É tentador, ele diz, mas seus olhos, numa das melhores cenas da vida de DiCaprio, sentem o medo do frescor. A brisa que anuncia a novidade é um prazer apreciado por poucos. E Frank trocou o sonho pelo pragmatismo. A vida de aventuras que ele tivera como soldado na II Guerra Mundial, pela tranqüilidade de uma família estabilizada com filhos bonitos e saudáveis e uma esposa bela e jovem.

Frank busca coragem para mudar, mas seu medo é mais forte. Qualquer coisa é desculpa para manter o status quo da infelicidade que traz segurança. Melhor isso do que quebrar a cara no mundo. Algo pequeno para um jovem de 30 anos, pensa April, sonhando em ganhar o mundo a começar pela capital francesa. Quer as viagens, a liberdade. Ser uma família média, de uma classe média num bairro do subúrbio é muito medíocre para ela. Não há nada de revolucionário em viver na Revolutionary Road, nome original do filme e do livro de Yates. E a conseqüência de um vulcão que não se deixa explodir é o dano interno ainda mais grave. A ferida que jamais vai cicatrizar.

“Foi apenas um sonho” merecia mais do que o Oscar lhe deu: uma indicação para ator coadjuvante e outras duas indicações técnicas. Tanto Kate, que só foi indicada como atriz por “O Leitor”, ainda inédito por aqui, quanto DiCaprio mereciam mais atenção neste retrato da frustrada classe média norte-americana. Se foi praticamente ignorado pela Academia, o filme de Mendes, no entanto, entra para a galeria dos bons filmes do gênero, compondo com perfeição a vida fútil e hipócrita da classe média americana.


Indicações ao Oscar: Melhor ator coadjuvante para Michael Shannon, Direção de Arte para Kristi Zea e Debra Schutt e Figurino para Albert Wolsky

Nenhum comentário: