quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A inevitabilidade do fim

A partir de hoje, começo a série de análises sobre as películas candidatas a melhor filme do Oscar. Se tudo der certo, analisarei quatro dos candidatos, uma vez que “Slumdog Millionaire” não está previsto para estrear aqui antes da entrega das estatuetas. O primeiro a receber um olhar mais atencioso de “Memórias da Alcova” é “O curioso caso de Benjamin Button”. Vamos lá então:

É relativamente conhecido o ditado que diz que quando somos jovens temos disposição e tempo, mas não temos dinheiro, quando somos adultos, temos dinheiro e disposição, mas não temos tempo e quando somos velhos temos dinheiro e tempo, mas não temos disposição. Ele até poderia ser verdadeiro se houvesse uma fase na vida em que tenhamos verdadeiramente dinheiro para gastar (principalmente em tempos de crise).

No caso de Benjamin Button (Brad Pitt, numa elogiável atuação), personagem principal do conto de F. Scott Fitzgerald (1896-1940), “O curioso caso de Benjamin Button”, que agora vira filme nas mãos do sempre ótimo diretor David Fincher, ele ganha a chance de juntar essas três “dádivas” por um curto período de vida – e de reboque ainda ganha um amor – o que por si só já causa uma pontinha de inveja a quem assiste ao filme.

Ao adaptar em formato de uma verdadeira saga a fábula de um homem que nasce velho e vai rejuvenescendo com o passar dos anos, Fincher criou em mim esta pontinha de inveja. Como deve ser fascinante ser experiente e tão vivido aos 30 anos (e eu estou chegando tão perto de lá, embora tenha tanto a aprender) ao mesmo tempo em que se tem a disposição de um jovem. Cinqüenta anos de vida com um corpo verdadeiramente de 30 é algo que não há medicina que resolva.

O problema é que não importa o caminho que você tome aquela senhora de capuz preto e foice na mão um dia sempre há de aparecer. A eternidade não é algo que se atingiu ainda. Por outro lado, como já escreveu Freddie Mercury, “who wants to live forever?”. Viver para sempre não causaria apenas o colapso da Previdência, um dos pontos abordados por José Saramago em “As intermitências da morte” (2005), mas também traria a solidão da perda dos entes queridos que também vão passando até que apenas você restaria.

Uma reflexão sobre o tempo é só uma das reações que tive ao assistir ao filme de Fincher. Ao nascer, com todos os problemas que apenas um octogenário ou um septuagenário possui, Benjamin Button foi dado como morto pelo médico de Queenie (Taraji P. Henson, uma grata indicação surpresa ao Oscar de coadjuvante), dona de um asilo que o acolheu depois de ser abandonado pelo pai, Thomas Button (Jason Flemyng), no dia do seu nascimento, exatamente no fim da I Guerra Mundial, quando o mundo ainda respirava aqueles ares sombrios das trincheiras.

Queenie não se dá por vencida e cria este jovem velho com suas parábolas evangélicas e muita fé enquanto, surpreendentemente, Button vai rejuvenescendo com o passar dos anos.

Logo ela percebe que Button é uma “criança” especial e que vai rejuvenescendo com o tempo. No meio desse caminho, ele conhece a jovem Daisy (que na idade adulta é vivida pela linda Cate Blanchett), por quem seu sexagenário olhar, mas jovem coração se apaixona imediatamente.

A impossibilidade desta paixão é uma questão de tempo (ele, sempre presente). Até mesmo duas retas se encontram, nem que seja no infinito. Interpretado com inspiração por Pitt, que soube tão bem dar um ar jovial ao velho Benjamin, mesmo com as dificuldades da idade, e o tom da solene experiência a um jovem de aparentemente 18 anos no seu último encontro com Daisy antes que uma demência que o faz esquecer tudo o vitime quando ele contava, talvez, seis anos "físicos", Benjamin atravessa a história ao mesmo tempo em que a vive.

É curioso que o roteiro de Eric Roth, que por vezes lembra o de “Forrest Gump – O contador de histórias” (1994), também escrito por ele, tenha feito com que o mundo também ganhasse um ar mais jovial na medida em que Benjamin vai "envelhecendo". Enquanto é velho, ele passa pelos momentos mais difíceis do século XX como a II Guerra Mundial, a Guerra Fria. Mas na medida em que vai rejuvenescendo Benjamin também vive aqueles anos de otimismo e felicidade, a era de ouro dos Estados Unidos, os Beatles, o rock, o estilo easy rider com sua moto, a sensação de liberdade, a conquista da Lua.

Até pelo conto ter sido lançado em 1922, Fitzgerald, não passa por essas questões. “O curioso caso de Benjamin Button”, a história, é, portanto, mais uma inspiração para uma adaptação livre do que uma cópia absolutamente fiel do conto do escritor americano.

Todos eventos que perpassam a história de um Benjamin apaixonado pela vida, mas que começa a se preocupar, vejam só, com a sua própria juventude. Já casado e vivendo uma vida feliz com Daisy, uma bailarina que é obrigada a deixar a dança por causa de um atropelamento, ele tem uma filha e sente que será preciso dar a sua companheira um marido de verdade, que envelheça com ela e com a jovem Caroline (Julia Ormond).

É sutil como o peso da idade, no caso a inevitabilidade de se tornar uma criança, o faz refletir e, mesmo a contragosto, deixar tudo o que ama. Igualmente sabendo que a morte se aproxima, Benjamin vai viver a vida. Visita locais inóspitos, conhece paisagens idílicas, mas não se esquece daqueles que ama. E prepara a sua volta. Fica por perto de sua casa, o velho asilo onde a morte e a senilidade foram companheiros constantes, para voltar ao pó da mesma forma daqueles que tanto enriqueceram a sua vida.

“O curioso caso de Benjamin Button” é uma fábula gostosa de assistir. Em que pese as suas quase três horas – mas uma saga sobre a passagem do tempo deveria requerer no mínimo paciência do espectador -, é um filme que só guarda semelhança em um aspecto com os trabalhos anteriores de Fincher: sua qualidade estética e seu roteiro impecável.

É talvez o ponto mais alto dessa sua “parceria” com Brad Pitt, que já rendeu os ótimos “Seven” (1995) e “Clube da Luta” (1999). E vale a pena ir ao cinema para ver esta dupla trabalhando junta de novo.


Indicações ao Oscar: Melhor filme, melhor diretor para David Fincher, melhor ator para Brad Pitt, melhor atriz coadjuvante para Taraji P. Henson, melhor roteiro adaptado para Eric Roth, melhor trilha sonora para Alexandre Desplat, melhor direção de arte para Donald Graham Burt e Victor J. Zolfo, melhor fotografia para Cláudio Miranda, melhor figurino para Jacqueline West, melhor montagem para Kirk Baxter e Angus Wall, melhor maquiagem, melhor som para David Parker, Michael Semanick, Ren Klyce e Mark Weingarten e melhores efeitos visuais para Eric Barba, Steve Preeg, Burt Dalton e Craig Barron.

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