domingo, 27 de abril de 2008

As muitas faces de um artista

Costuma-se dizer que Bob Dylan teve muitas vidas. Logo, para fazer um filme sobre ele seria necessário um ator de uma versatilidade incomum ou vários atores para viverem diferentes fases de sua carreira/vida pessoal. Todd Haynes acabou optando por um caminho ainda mais ousado ao fazer uma biografia calcada mais na obra de Dylan do que na vida em si do artista.

Ao assumir os riscos de ter seis atores interpretando o músico, poeta, gênio e mais quantos adjetivos você pode imaginar, Haynes estava ciente que “I’m not there”, ou “Não estou lá”, poderia sofrer de uma certa inconstância e que seu filme correria o risco de fazer água por causa disso.

E o diretor ainda foi mais longe ao fazer das músicas de Dylan o ponto de partida de toda a história. É exatamente por isso que se pode dizer que “Não estou lá” tem algo de ficção, embora todas as principais passagens da vida de Dylan estejam bem documentadas na película. Estão lá a “infância” artística, quando o jovem Marcus Carl Franklin interpreta Woody Guthrie (o nome Bob Dylan jamais aparece no filme), que na verdade era um ídolo do cantor, o momento mais tenso quando uma surpreendente Cate Blanchett na pele de Jude Quinn levanta a guitarra e é espinafrada pelos próprios fãs e a fase menos prolífica de sua carreira, com Christian Bale, na pele de Jack Rollins, vivendo um Dylan que havia se convertido ao Cristianismo.

Além destes, Richard Gere (Billy the Kid), Ben Whishaw (Arthur Rimbaud) e o finado Heath Ledger (Robbie Clark) vivem vidas, fases e personalidades diferentes deste cantor que por causa de tantas vidas é tão singular.

Foi um risco calculado de Haynes e certamente o filme tem seus altos e baixos, – sendo os altos a presença de Cate e os baixos a de Gere – mas no cômputo geral, “Não estou lá” é digno à carreira e principalmente à obra de Dylan.

É uma pena, porém, que não seja um filme para leigos sobre o cantor. Pois é impossível para eles entender o que representava Woodie Guthrie para o compositor, entender quando a mulher que o acolhe em sua casa pede que ele cante o seu tempo. Ou então, a questão do afastamento de Robbie Clark e Jack Rollins do ativismo, combinados à entrevista de uma tal de Alice Fabian (na verdade a cantora Joan Baez), vivida pela atriz Julianne Moore. Aliás, quando Juliane aparece naquelas cenas de “entrevista”, o filme mais parece um “No direction home” (2005), trabalho de Martin Scorsese com e sobre Dylan.

E é aí que eu recorro novamente neste blog ao filme de Scorsese. Em alguns momentos, “Não estou lá” mais parece “No direction home” romanceado. Seria o filme de Haynes baseado no excelente documentário de Scorsese. Não que isso seja ruim, pois as duas películas são elogiáveis e, mais do que isso, complementares.

A questão está apenas em um ponto. Quem não conhece Bob Dylan pode ficar boiando durante “Não estou lá”, pois não há brecha para explicações, significados, nada. Agora, quem conhece ou viu “No direction home” delicia-se com cada parte de “Não estou lá”, mesmo a insossa passagem de Richard Gere na tela. O aproveitamento é muito melhor.

Mas talvez a idéia de Todd Haynes fosse também despertar a curiosidade do espectador a procurar saber um pouco mais sobre Dylan. Nunca se sabe o que se pode passar na cabeça de um diretor. Fato é que apesar destas ressalvas, “Não estou lá” é um ótimo filme. Principalmente para os fãs de Dylan.


Abaixo, Bob Dylan em performance catártica de Like a Rolling Stone em Newcastle, Inglaterra, em 1966:


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