domingo, 20 de abril de 2008

A tal da camisa

Um dos chavões favoritos de todos os especialistas em futebol é dizer que “a camisa pesa numa partida decisiva”. Na hora de palpitar sobre um favorito a qualquer coisa e para não ficar em cima do muro ou desagradar um torcedor mais fanático do time que não é contemplado, eles lançam mão desse artifício. Quando “a camisa pesa” não há argumentos contrários. O torcedor leniente aceita, reconhece, mas promete dar tudo de si para virar este favoritismo secular. Afinal, tabu é para ser quebrado.

Devia ser difícil para os críticos do início do século XX apontarem favoritos. Imagino uma mesa redonda pré-histórica num rádio pré-histórico em que o mediador pergunta a um dos comentaristas qual seria o favorito para o campeonato daquele ano de, sei lá, 1910. O comentarista coça a cabeça, pensa, fica em cima do muro e não consegue opinar porque naqueles tempos Barcelona, Real Madrid, Bambala e Arimatéia eram a mesma coisa.

Lá pelo meio do século já dava para apontar algumas tendências e o trabalho do comentarista esportivo deve ter ficado mais fácil. Aí ele enche os pulmões e diz: “Nesses casos, a camisa pesa, não é John?”.

A teoria da camisa será mais uma vez posta à prova a partir da próxima terça-feira. É inegável que as semifinais da Liga dos Campeões colocam frente a frente três gigantes e um time médio que vem chegando às decisões graças aos petrodólares injetados por um bilionário. Barcelona, Manchester United e Liverpool são times de camisa. O Chelsea era um patinho feio de uma Londres cujos times mais tradicionais são Arsenal e Tottenham antes da chegada do russo Roman Abramovich ao clube.

Barcelona e Manchester fazem um duelo de bicampeões. Os espanhóis venceram em 1992 e 2006 e os ingleses em 1968 e 1999, numa decisão espetacular contra o Bayern de Munique. É um duelo de iguais na tradição e na tal da camisa, mas dentro de campo os espanhóis vivem uma crise num momento em que Ronaldinho se tornou mais um peso do que um jogador de peso enquanto os Red Devils têm o melhor jogador do mundo em atividade no momento, Cristiano Ronaldo, e praticam o futebol mais vistoso da atualidade. São argumentos que os fazem ter um ligeiro favoritismo mesmo com a primeira partida sendo disputada no Nou Camp.

Em Anfield Road, o pêndulo da vestimenta está indiscutivelmente do lado dos Reds. Pentacampeão da Liga (1977, 1978, 1981, 1984 e 2005), duas vezes finalista nos últimos três anos, o Liverpool tem a camisa “mais pesada” destas finais enquanto o Chelsea, que nunca conquistou um título europeu, ainda busca fazer a sua história.

Se a teoria da camisa fosse batata, eu me arriscaria a dizer que o Liverpool já está na final. Mas como o futebol é uma caixinha de surpresas, outro chavão irresistível, e há um tabu neste clássico – e como já disse, tabus são para serem quebrados – tudo pode acontecer.

O fato é que o Liverpool já eliminou o Chelsea em duas semifinais nos últimos três anos. Ambos os jogos foram truncados e decididos pelo placar de 1 a 0 na segunda partida. Não é um jogo fácil de se ver e testa o coração do torcedor. O meu provou que está em dia nestes confrontos, apesar de muito sofrimento. Por causa dessas eliminações atravessadas na garganta, os Blues vêm com vontade de dar o troco tornando a partida de difícil prognóstico.

No final das contas serão quatro grandes jogos em que os que vencerem farão uma grande decisão em maio, em Moscou, cidade escolhida para este ano acolher a disputa do título da Champions League. Como gosto do bom futebol e não preciso ficar em cima do muro, torço para que ela seja entre o Liverpool, que tem o melhor ataque da competição, e o Manchester United. Seria um jogo de estremecer o planeta.

Nenhum comentário: