segunda-feira, 7 de abril de 2008

Épico sobre amizade e reparação

Há vantagens e desvantagens de se ver um filme baseado numa obra literária sem tê-la lido. A desvantagem principal é, obviamente, ter um espírito crítico bem mais condescendente, uma vez que é impossível comparar o texto com a imagem criada pelo diretor. Outro lado ruim é guardar para sempre a imagem do filme quando for ler o livro, o que o impede de criar na sua cabeça seus próprios personagens baseado na descrição feita pelo autor. A imaginação é a que mais sofre nessas situações.

A vantagem é saber que cada cena é inédita para quem não leu a obra. Certamente “O Código Da Vinci” (2006) – filme bem fraco, aliás – foi melhor para mim do que para quem leu o livro de Dan Brown e conhecia as surpresas do final. Reviravolta semelhante tem “O caçador de pipas”, mais recente trabalho do diretor suíço Marc Forster, baseado na obra do escritor afegão Khaled Hosseini, que virou best-seller no Brasil.

Se mais uma vez não consegui ler uma obra antes de vê-la transposta para a sétima arte, ao menos pude ser surpreendido com esta bela história de uma amizade eterna que atravessa momentos de clivagem no Afeganistão como a invasão soviética e a ascensão do Talibã ao poder.

Neste filme, Marc Forster dá prosseguimento à sua incrível capacidade de me fazer chorar. Não copiosamente como “Em busca da terra do nunca” (2004), mas é impressionante como ele escolhe as cenas certas e a trilha sonora perfeita para que lágrimas escorram do canto do olho. Apesar das cenas extremamente parecidas nos finais de seus dois últimos filmes. Aquela coisa de pai adotivo e filho desolado e sofrendo.

Evidentemente que esta não é a maior qualidade de Forster, que agora se aventura dirigindo um filme do 007 com previsão de estréia para novembro, mas sim a sua habilidade de transformar em imagem o que há de mais lúdico no trabalho literário. Falar do bailar das pipas seria o óbvio, além de ser algo que já foi explorado. Ainda mais porque esse aspecto é encontrado na bela relação de amizade entre Amir e Hassan, que pertencem a duas etnias diferentes, os pashtur e os haraza, mas constroem um elo de amizade que não é quebrado nem na fraqueza de Amir (Zekeria Ebrahimi), que resulta numa tragédia para Hassan.

Hassan entende perfeitamente que os dois se completam no que tem de melhor e pior. Se Amir é covarde, Hassan é corajoso. Mas Amir tem talento e desenvoltura para a escrita. Hassan, vivido por um achado chamado Ahmad Khan Mahmidzada, é analfabeto. E eles ainda são de etnias diferentes, em muitos casos rivais.

A amizade só é abalada não pelo episódio violento e chocante vivido por Hassan, mas pela admissão da covardia de Amir, que não conseguia mais ver o amigo sem sentir vergonha de si mesmo a ponto de armar um golpe para que eles se separem definitivamente. Muito mais maduro do que ele, e até para uma criança de sua idade, Hassan entende e aceita para si o golpe como nova prova de sua amizade profunda.

Já adulto, Amir (Khalid Abdalla) descobre algo que o fará sentir ainda mais culpa pelos acontecimentos e precisará ir em busca da redenção. Voltar às origens, à sua terra natal e enfrentar os seus medos para crescer como homem definitivamente e enterrar seus fantasmas. Oferecer a Hassan uma prova de amizade que saiu de sua boca, mas não foi cumprida.

É através dessa jornada por um Afeganistão destruído pelos soviéticos e talibãs, que nem de longe lembram a sua terra, cujas únicas batalhas eram infantis campeonatos de pipas, que Amir finalmente encontrará a paz e um novo começo para a sua vida. Por tudo isso, “O caçador de pipas” é uma obra imperdível. Tendo você lido o livro ou não.

Nenhum comentário: