domingo, 30 de março de 2008

Um libelo pela liberdade

Uma vez ao reclamar de quanto tediosa estava a vida, uma amiga, em tom de bronca fraternal, disse que eu reclamava que precisava de coisas novas, mas não fazia o esforço para criá-las. Afinal, ela dizia, as oportunidades somos nós mesmos que devemos criar com muito esforço, a enorme criatividade que temos e o que o dinheiro nos permite fazer.

Ao assistir a “Na natureza selvagem”, com todas as suas belas paisagens dos Estados Unidos, o espírito aventureiro e inconformista, aliado ao desapego das coisas mundanas, de um jovem como Chris McCandless (Emile Hirsch), e a linda trilha sonora composta por um ídolo meu, Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam, senti o baque da minha mediocridade. Lamentei meus horários, minhas rotinas e até a previsibilidade dos meus prazeres. E diante da prisão que eu achava que não vivia e da dificuldade de conseguir ao menos um indulto sabático chorei por dentro.

Novo e talvez o melhor filme do diretor e roteirista Sean Penn, já consagrado como ator por diversos trabalhos, entre eles “Sobre meninos e lobos” (2003), de Clint Eastwood, e “21 gramas” (2003), de Alejandro González Iñarritu, “Na natureza selvagem” é um libelo pela liberdade e um chamamento a uma felicidade que está além do dinheiro, além dos bens materiais e daquilo que a sociedade espera que você seja. É uma aventura de um jovem que busca pura e simplesmente viver longe da hipocrisia de seus pais, com suas vidas de fachada, e encontrar a essência de algo tão caro e difícil de chegar e sentir plenamente: a felicidade.

Para personificar esse espírito verdadeiramente livre, Hirsch, que já apareceu em filmes elogiados como “Os reis de Dogtown” (2005) e “Alpha Dog” (2006), vive com competência o grande personagem de sua carreira. Comandado por Penn, ele encontra o tom certo neste “On the road” (1957) ou “Easy Rider” (1969) moderno em que McCandless, sob a identidade de Alexander Supertramp, faz da sua vida a poesia libertária que ele encontra nos seus livros. Tanto o livro de Jack Kerouc, aliás, que trata de dois jovens viajando pelos Estados Unidos com a mochila nas costas, quanto o filme clássico de Dennis Hopper, que ainda contava com Peter Fonda e Jack Nicholson, e trata de dois aventureiros andando de moto pela América sem nenhum destino e que também tinha uma trilha sonora marcante, “Born to be wild”, da banda Steppenwolf, guardam interessantes semelhanças com a obra de Penn.

E é nos livros que Chris/Alex buscará a inspiração eterna para vencer os desafios e romper barreiras burocráticas e atingir o limite final de sua missão. Chegar ao Alasca é o coração de sua trajetória, o ponto literalmente final da sua mágica aventura.

É no Alasca que McCandless encontrará o que procura e dar-se-á por satisfeito e pronto para, revigorado, retomar a sua vida. Não a antiga, feita de mentiras e concessões, mas uma nova existência enriquecida pelas experiências de trabalhos diversos, amizades diversificadas e um espírito revigorado pela troca cultural que sua trajetória o proporcionou.

É uma pena que a sua inexperiência, no entanto, algo tão inversamente proporcionou ao espírito juvenil, tenha lhe sido fatal. O desconhecimento do quão “wild” pode ser a natureza e de que todos têm um limite a atingir acabou por interromper a vida de alguém tão necessário pelo que podia nos ensinar.

Ficaram apenas, o que já é mais do que muitos já contribuíram, o belo filme que retrata uma trajetória tão fugaz e ao mesmo tempo tão intensa. E a lição de que, como descreve o próprio McCandless, “não existe felicidade que não seja compartilhada”. Uma mensagem que, quando deixada diante da certeza da morte, tem um poder, no mínimo, de causar um incômodo interno. Resta agora encontrar uma saída.

Algumas inspirações. Eddie Vedder cantando “Guaranteed”, que venceu o Globo de Ouro de melhor canção, “Society” e “Hard Sun”, todas do filme:






Nenhum comentário: