sábado, 8 de março de 2008

Promessas e escolhas

O lado ruim de escrever sobre cinema depois de todo mundo é sofrer para encontrar algo diferente do que as pessoas que você admira já escreveram. No caso de “Senhores do Crime”, um dos melhores filmes deste ano, como fugir da argumentação da minha crítica de cinema favorita e com quem eu sempre tento aprender algo, Isabela Boscov?

Na “Veja” do dia 16 de fevereiro, ao ressaltar o excelente trabalho de Viggo Mortensen, merecidamente indicado ao Oscar de melhor ator, que acabou ficando, também com muita justiça, com Daniel Day-Lewis, ela comparou as duas vigorosas interpretações (ela chama de arrebatadora, mas eu não posso copiar tudo, pois seria plágio) neste filme e no seu trabalho anterior, também uma parceria com o diretor David Cronenberg, “Marcas da Violência” (2005).

Em síntese, a crítica disse que o motorista Nikolai e o comerciante Tom Stall são opostos, mas representam uma retomada da temática da violência sobre um ângulo diametralmente oposto, com o perdão da redundância. Ou seja, Nikolai é um homem bom vivendo num mundo mal. No caso, a cruel máfia russa em Londres. Já Stall é um homem mal tentando se adaptar a uma vida normal no interior dos Estados Unidos, para, talvez, conseguir esquecer o passado, eu acrescento.

E não dá para não traçar um paralelo como o que ela fez, visto que as semelhanças não estão apenas nos nomes nos créditos, mas na temática crua da violência que chega ao seu ápice, se é que é possível dizer isso, na cena em que Mortensen, completamente nu, luta com dois membros da máfia rival numa sauna em “Senhores do Crime”.

“Senhores do Crime” mostra que Nikolai quer fazer mais do que ser um assassino. “Marcas da Violência” tenta seguir um homem que vê o passado lhe bater à porta com a gelada expressão de Ed Harris que causaria medo em qualquer um. Neste novo trabalho de Cronenberg, o medo vem da calma e frieza de Semyon (Armin Mueller-Stahl) que é capaz de ordenar um assassinato com a tranquilidade de quem prepara os enfeites de um bolo de aniversário e dá sempre a impressão que suas perguntas, suas palavras são prólogos da morte da parteira Anna Ivanovna (Naomi Watts), que, motivada por uma chaga passada, resolve se meter onde não devia e acaba tocada pela maldição da Vory V Zakone, a máfia russa.

Nas palavras de Isabela Boscov, “o cineasta e o ator desdobram agora o tema do seu primeiro trabalho”. O tema, interpreto, é a violência e como verdadeiros outsiders, os personagens vividos por Mortensen tentam sobreviver imerso nelas.

Além de retomar a temática, Cronenberg faz de “Senhores do Crime” quase um inventário da máfia russa, talvez uma das mais cruéis do mundo. Para provar isso, ele usa clichês naturais em filmes desse tipo como os diálogos tomados de entrelinhas, os olhares firmes e estudados ou atitudes como cigarros sendo apagados com a língua e métodos cruéis de assassinato e maneiras de se livrar de um corpo.

Nada diferente do que já foi registrado, mas que não significa que não seja bem usado. Em mais de cem anos de cinema, esperar originalidade seria puro pedantismo e levar a vida de uma maneira carrancuda que nem eu me arrisco nos meus piores dias.

O que faz de “Senhores do Crime” ser imperdível, portanto, não é qualquer característica de originalidade, mas seu conjunto de elogiáveis interpretações capitaneada pela magnética atuação de Mortensen e a câmera de Cronenberg, um cineasta diferenciado que pode até usar uma receita pronta para contar uma história, mas sabe fazer isso, aí sim, com seu traço marcante.

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