quinta-feira, 13 de março de 2008

Uma noite com o poeta

Aprendi a gostar de Bob Dylan antes de conhecer Bob Dylan. Apenas através das regravações de outros artistas. Antes de ouvir Jimi Hendrix e U2 (“All along the watchtower”), Guns’n’Roses e Eric Clapton (“Kcnokin’ on heaven’s door”) e os Rolling Stones (“Like a rolling stone”), Dylan era apenas um nome nos créditos de cada canção destes e outros artistas que eu admirava e aparentemente alguém muito admirado por eles.

Com o passar do tempo fui conhecendo aquele que é um dos músicos mais importantes da história e que eu achava que fosse apenas um baixinho fanho que cantava folk, um dos afluentes que desbancam no oceano chamado rock and roll. Não sabia o quão revolucionário ele tinha sido ao empunhar uma guitarra num tempo em que ela era defenestrada pelos seus fãs. Nem que sua canção antibelicista, “Masters of war”, seria tão atual embora tenha sido composta há mais de 40 anos.

Dylan representa a pré-história do rock, embora tenha começando tocando um de seus afluentes, como já disse, e seja posterior a nomes como Jerry Lee Lewis, Chucky Berry, Elvis Presley ou Bill Haley. Mas é antes de Beatles e Stones, da revolução cultural e sexual, que marcou uma guinada diferente no movimento. Meu pai uma vez me disse que quando ele começou a ouvir música com mais atenção, Dylan já era dado como ultrapassado. Acontece. É culpa de uma fase pouco criativa nos anos 70 aliada a um momento histórico em que os três acordes dos Sex Pistols falavam mais alto do que a poesia dele.

Dylan é a pré-história e o início de uma parte importante da história. Ajudou a formar a música contemporânea e a moldá-la. Não é a toa que é influência de muita gente boa que já foi, como Hendrix, ou ainda toca por aí. Não é a toa que os Stones o admiram e que os Beatles conheceram a maconha através dele (isso certamente levou a alguma coisa). Duas das maiores bandas da história beberam diretamente na sua fonte.

A primeira vez que ouvi verdadeiramente Dylan tocando foi num clip da MTV no tempo que ela fazia jus ao nome. Lembro que a canção era “Subterranean homesick blues”. Era um vídeo simples com o cantor deixando cair uns cartazes de cartolina com trechos da canção que tem um ritmo acelerado e é de difícil entendimento mesmo para quem é Ph.D em inglês, o que não é o meu caso. Em seguida, numa rádio, no tempo em que elas existiam, escutei “Mr. Tambourine Man”. Praticamente o oposto de “Subterranean homesick blues”, mas com aquele jeito meio enrolado dele de cantar, comendo as palavras e com um ritmo e sotaque sulistas – Dylan, porém, é de Minnesota -, de um blueseiro, ou coisa parecida. Aprendi a gostar através dos outros, mas já identificava melhor sua genialidade.

Curiosamente, apesar de com o passar do tempo eu ter me aprofundado nos estudos de Dylan, só fui saber que “Blowin’ in the wind” era “A Canção”, o “Satisfaction” dele, quando vi o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pagando o mico de cantá-la na tribuna do Senado. É uma bela música, mas prefiro “Like a rolling stone” e outras já citadas acima.

Sábado passado foi o dia em que estive mais perto daquele que é comumente chamado de poeta. E foi uma honra. O show é hermético como disseram? Sim. Entendê-lo cantar e saber quais letras ele está cantando é um desafio digno para qualquer fã que ostente a discografia completa do cantor composta por mais de 40 álbuns. “Masters of war”, por exemplo, só reconheci lá pelo meio. “Spirits in the water” foi mais fácil. No entanto, Dylan é mestre em mudar as canções. “Blowin’n in the wind” fechou o show, mas só descobri nos últimos acordes. O mesmo aconteceu com “Rainy day women 12 & 35”. “It ain’t me baby” deu para descobrir no refrão.

Seu show não é fácil e não é para agradar a todo mundo. Ele não decora o tradicional “obrigado” e não faz questão de falar com seus fãs. Li muitas reclamações acerca disso sobre o show de São Paulo. Contudo, o cidadão não vai a uma apresentação para bater papo com o artista, ora bolas. O que importa é a música. De qualquer maneira, acho que os cariocas foram mais felizes. Talvez emocionado com tantas manifestações positivas que culminaram com o público abandonando as cadeiras e invadindo a frente do palco num gargarejo improvisado, Dylan, no único momento em que se dirigiu à platéia, disse: “thank you, friends”. Em seguida apresentou a banda.

Dylan pode até ser descrito como frio – prefiro acreditar que ele é mais reservado e sem cerimônias -, mas sua música não. E quem pagou (caro, aliás) para vê-lo saiu satisfeito por ver ainda mais cinco músicos de primeira linha que o acompanham. Com uma banda espetacular formada pelos guitarristas Donnie Herron, Stu Kimball e Denny Freeman, que faz jus ao seu sobrenome, pelo baixista Tomy Garnier e pelo baterista George Receli, tocando num cenário simples, com pouca iluminação, sem telões e num clima de pub, o músico desfilou seus sucessos quase incompreensíveis e suas músicas mais recentes com a maestria que se esperava dele.

Claro que qualquer tentativa de cantar junto esbarrava na interpretação peculiar do cantor. Muitos tentaram em “Like a rolling stone”, a canção que mais empolgou a platéia, mas prevalecia no público a interpretação compassada de Mick Jagger, que fez mais sucesso no Brasil, bem diferente das travas e acelerações que Dylan impunha à sua letra. Sem dúvida foi engraçado.

Com 66 anos, Dylan certamente não tem o mesmo pique do passado. E quem estava presente na Rio Arena, ótima opção de shows pela acústica e péssima pela localização e falta de opções para comer, compreendia perfeitamente isso. Mesmo assim, o cantor americano fez um show de duas horas, incluído o bis, que estava dentro do que qualquer fã esperava. Tanto é que ninguém reclamou quando ele largou a guitarra na terceira música e foi para um teclado que passou a tocar, dizem, por causa de dores nas costas.

Todos ainda acompanhavam com reverência as músicas mais lentas do repertório, mesmo tendo ficado claro que a empolgação vinha mais com suas canções mais roqueiras. Apesar disso, todo o repertório escolhido era excelente, de uma qualidade ímpar, como não se faz mais hoje em dia.

O clima foi o melhor possível e Dylan aparentemente também saiu satisfeito. Ponto mais uma vez para o Rio, a melhor platéia para qualquer artista, que ainda desbancou o esquema frio e burocrático das cadeiras.

Quem estava atrás de simpatia e duas músicas, como muitos que não entendem de Dylan gostariam, devia ter ficado em casa vendo vídeos no Youtube. A passagem de Dylan pelo Rio foi marcante. Não posso dizer se foi melhor ou pior do que os outros três shows em 1990, 1994 e 1998, pois não estava presente neles, mas acredito que foi igualmente marcante para os quase cinco mil presentes. Foi inesquecível ver o poeta tão de perto.

Alguns momentos inesquecíveis, “Like a rolling Stone”, “Rainy day women #12&35” e “Blowin’ in the wind”.






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