sábado, 2 de fevereiro de 2019

Van Gogh merecia um pouco mais

Defoe até convence como Van Gogh
Nietzsche certa vez disse que há homens que nascem póstumos. Contemporâneo do filósofo alemão, embora não se saiba se em algum momento o tivesse lido, o pintor holandês Vincent Van Gogh talvez tivesse o mesmo sentimento. Um dos momentos mais interessantes de “No portal da eternidade” (At Eternity´s gate, no original), é a conversa de um Van Gogh (Willem Defoe) internado no sanatório e o padre vivido por Madds Mikkelsen. Em meio a reflexões sobre os papéis de Deus e Jesus Cristo, Van Gogh afirma que talvez tenha nascido na época errada e acabará pintando quadros para indivíduos que virão. 

De fato, hoje o holandês que teve uma vida cercada de problemas médicos, chegou a mutilar-se e só conheceu a miséria que não foi absoluta graças à ajuda do irmão Theo (Rupert Friend), só viria a ser mais fortemente reconhecido após a sua morte. Hoje, é um pintor celebrado por sua técnica e a maneira vigorosa, exagerada e intensa com que pintou seus quadros. 

Muito do que vemos em “No portal da eternidade” é a busca de Van Gogh por um elemento quase divino para a sua pintura. “Eu pinto a luz do sol”, ele diz. É de fato, a luminosidade do sul da França é o que o ajuda a alavancar a sua técnica. O filme de Julian Schnabel se envolve muito nessa busca pela luminosidade. São muitas as formas e lugares de onde Van Gogh olha para o céu para buscar a luz perfeita e pintar de uma forma nunca antes vista. 

E quanto mais mergulha nessa luz, curiosamente Van Gogh cai nas trevas da sua própria mente confusa e irrequieta. Nem o irmão, nem o amigo Paul Gauguin (Oscar Isaac) conseguem tirá-lo desse estado, que acaba por ser natural. 

O período em que Gauguin, aliás, vai para Arles gera outra das cenas boas do filme, que é justamente o debate entre os dois sobre pintar o que se vê da forma que se quer ver, como Van Gogh, e pintar criativamente a partir do que se está na cabeça, que é o que defende Gauguin. Obviamente não há conclusão. São apenas pontos de vista interessantes. 

Infelizmente, “No portal da eternidade” repete-se demais no ciclo pintura, loucura de Van Gogh e não revela novas camadas ou reflexões sobre o pintor. Da mesma forma não trás novas interpretações sobre a sua misteriosa morte, algo mais bem trabalhado na excelente animação “Loving Vincent”

A participação de Defoe no papel principal até justifica sua indicação ao Oscar. O ator convence no papel de um Van Gogh que não está em nenhum momento no seu lugar e que vive desesperadamente para pintar, o seu único talento, aquele que lhe foi concedido por Deus. 

Mas se “No Portal da eternidade” nos dá algumas belas cenas pela luz do sol, deixa a desejar com a sua narrativa baseada numa cinebiografia convencional  e naqueles insights de sempre de gênios. Sofrimento, prazer, queda, redenção, morte.... Van Gogh merecia mais do que apenas isso. 

Cotação da Corneta: nota 6,5

Indicações ao Oscar: melhor ator (Willem Defoe).

Nenhum comentário: