sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

As crianças mimadas da rainha em "A favorita"

Ciúme, inveja e muita sabotagem
É curioso pensar que o filme mais convencional e menos "insano" de Yorgos Lanthimos esteja sendo o mais bem sucedido de sua carreira. De fato, “A favorita” (The favourite, no original), que vem colecionando premiações. Já são um total de 134, com direito a um Globo de Ouro para a atriz Olivia Colman e sete prêmios Bafta, O filme ainda ganhou dez indicações ao Oscar. Mas “A favorita” está longe de ter as complicações, os sadismos e de causar aquele desconforto que tinham os seus trabalhos anteriores, “O sacrifício do cervo sagrado” (The killing of a sacreddeer) e “O lagosta” (The Lobster). Com um filme mais palatável e que não foi escrito por Lanthimos e seu parceiro dos últimos trabalhos, Efthymis Filippou, o diretor grego acabou conseguindo a chance de ganhar mais simpatia dos membros da academia. 

E isto prova que por mais que o Oscar tente ser eventualmente mais simpático a outros tipos de produção com menos cara de Oscar - e a indicação de “Pantera Negra” a melhor filme sinaliza para isso - a academia tem sempre seus limites. Filmes em que você tem que decidir sobre a morte ou não de um membro da família com ecos na mitologia grega como “O sacrifício do cervo sagrado” ou com roteiros um pouco mais intrincados como “O Lagosta” ainda não chegam tão longe. Tudo, no entanto, pode mudar com os ventos.

Mas é claro que “A favorita” não deixa de ser um bom filme por causa disso. Se há uma marca de Lanthimos neste filme é a ironia e o quase desprezo com que seus personagens são tratados. Lanthimos é quase maravilhosamente cruel ao ridicularizar a realeza com uma sutileza e ao mesmo tempo um tom caricatural de um grande chargista. Tudo com direito a algumas tomadas que remetem a um espectador que parece estar apenas a espreita, olhando pelo buraco da fechadura e cenários de um exagero kitsch, um luxo que beira de forma provocadora ao mau gosto.

Nas suas mãos, toda a tradição da monarquia é patética. Da forma como a rainha deve ser tratada (nunca se virar para ela, não olhar para ela sem ser solicitado) a maquiagem ridícula dos homens e até uma pífia corrida de patos e de lagostas. Tudo soa kitsch como se Lanthimos nos dissesse: “Como sustentamos esse teatro ridículo por tantos séculos e ainda hoje?” 

No centro de “A favorita” está uma disputa que envolve ódio, ciúme, inveja entre duas mulheres, Lady Sarah (Rachel Weisz) e Abigail (Emma Stone) pela atenção da rainha Anne (maravilhosamente vivida por Olivia Colman). A briga de é ridícula, infantil. Pior, de crianças ricas e mimadas.

Desde o princípio estabelece-se uma rivalidade entre as duas primas distantes. Uma querendo manter o poder de influência sobre a rainha e, por consequência, sobre o governo, que enfrenta uma batalha militar contra a França. A outra, uma ex-lady que perdeu tudo em algum casamento fracassado querendo recuperar o dinheiro e o status que outrora tivera. Tudo é sobre poder, influência e riqueza.

Para isso, as duas usam todas as armas que tem. Se sabotam, se ironizam, tudo com o olhar perceptivo da rainha, que adora a disputa das duas para seduzir ela. No fundo, a rainha tem uma sagacidade ao mesmo tempo em que Lanthimos expõe as esdrúxulas excentricidades dos monarcas. 

No fundo, a questão da guerra dentro e fora do palácio tem mais a ver com o humor da rainha e os jogos políticos e extra políticos dentro do palácio do que propriamente uma questão prática e objetiva. Mas é assim em qualquer cenário político, poderíamos argumentar? Sim, mas quando se trata da realeza isso ganha ainda mais proporções nas futilidades e excentricidades da corte. 

Lanthimos filmou o ridículo com uma mistura de sátira e veneno e, melhor de tudo, fazendo com que tudo pareça muito sério. Não é o seu filme mais interessante, mas como não se deliciar com a exibição do luxo e do kitsch numa corte de valores fúteis e miseráveis como a construída pelo diretor grego? 

De fato, Lanthimos conseguiu de novo. E sobre isso só podemos aplaudir. 

Cotação da Corneta: nota 8

Indicações ao Oscar: melhor filme, atriz (Olivia Colman), diretor (Yorgos Lanthimos), atriz coadjuvante (Emma Stone e Rachel Weisz), roteiro original, edição, fotografia, figurino e direção de arte.

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