domingo, 3 de fevereiro de 2019

A volta do velho Clint

Esse é o Clint que queremos
Em seus últimos trabalhos, Clint Eastwood vinha se dedicando a heróis improváveis e traçando um quase memorial de um jeito de ser que o americano se vende para o mundo. Aquela figura que nos momentos mais improváveis salvará a pátria e revelar-se-á um grande nome para a história, ainda que apresente seus problemas. “Sully” (2016) é de certa forma desse jeito. Da mesma forma, “15h17: trem para Paris” (2018). E mesmo o “Sniper Americano” (2014) apelava para essa narrativa. 

Por acaso ou não, estes estão entre alguns de seus trabalhos mais fracos. Narrativas óbvias, poucos conflitos e até a ausência de uma história que realmente merecesse um filme a contá-la. "Sully" tinha conteúdo para, no máximo, um curta metragem.

“A mula” (The Mule, no original), no entanto, é um retorno de Clint aos seus bons tempos. A história real de um senhor nonagenário que vira uma mula do tráfico de Sinaloa, no México, transportando drogas desapercebidamente pelas estradas americanas é um prato cheio para o trabalho de Eastwood não apenas como diretor, mas também como ator. 

Earl Stone é aquele anti-herói que costuma render bons filmes. Péssimo pai, péssimo marido, péssimo avó, Earl dedicou toda a sua vida às flores. Sem perceber, porém, deixou de dar atenção as três mulheres da sua vida e foi perdendo uma a uma. A filha, a esposa, e quase a neta, que acaba se transformando na chance de redenção para ele quando percebe que dedicou toda a sua vida ao trabalho dirigindo pelas estradas do país, mas nunca deu a atenção merecida à família. 

É justamente quando vê a sua vida e seu negócio desmoronarem pela chegada da internet que Earl acaba caindo nas mãos do tráfico. O objetivo do cartel é fazer mulas circularem pelos Estados Unidos carregando drogas sem serem parados por policiais. É Earl é um talento exemplar. Em toda a sua vida, nunca levou uma multa. 

Quando inicia sua jornada pelo submundo do crime, Earl também saboreia um pouco da vida que tanto deixou para trás. Conforme vai ganhando dinheiro, vai recuperando um pouco da sua história perdida por uma série de fatores: a casa de onde fora despejado, o clube de veteranos da guerra na Coreia, as datas importantes da sua família, ainda que sofra muitas resistências. 

Earl só quer recuperar o tempo. Justamente aquilo que ele nunca mais poderá ter ou comprar, pois encontra-se no fim da vida. 

É quase impossível torcer contra Earl, mesmo sabendo que ele está fazendo algo errado. Clint Eastwood constrói uma aura de simpatia por aquele senhor frágil que se arrisca nas estradas enquanto busca um sentido para a vida, mas mais do que isso, redenção. Earl quer a família de volta, algo que lhe dói profundamente, a ponto de aconselhar justamente ao seu algoz, o policial Colin Bates (Bradley Cooper) a lembrar que as datas especiais, os aniversários e a família são importantes. 

“A mula” pode não ser o filme mais brilhante de Eastwood, mas é um trabalho que merece ser apreciado pela jornada traçada por seu personagem. Ele não traz grandes reflexões, mas é possível encontrar beleza na busca por redenção de Earl. 

Cotação da Corneta: nota 7,5.

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