A beleza do trabalho dos diretores de Van Gogh |
Depois de mais de um século de indústria cinematográfica, é muito
difícil encontrar algum filme que traga algo de original e diferente do que já
tenha sido feito. Mas parece-me que os diretores Dorota Kobiela e Hugh Welchman
conseguiram esse feito em pleno 2017. Boa parte da beleza de “A paixão de Van
Gogh” (Loving Vincent, no original) está na ousadia de sua execução.
Foram cinco anos trabalhando numa cinebiografia diferente de qualquer
outra coisa que já tenha sido feita sobre outro artista. “A paixão de Van Gogh”
é uma animação toda feita com pintura a óleo e tinta no estilo que consagrou o
pintor holandês (infelizmente só) após a sua morte, em 1890, aos 37 anos. Um total de 120
artistas pintaram 65 mil fotogramas utilizando a mesma técnica de Van Gogh para
dar vida a esse filme que é de uma beleza ímpar e um deleite para os fãs do pintor.
O objetivo da diretora polonesa e do seu colega inglês era fazer com
que as obras de Van Gogh falassem por si, ganhassem vida na tela. Em uma hora e
meia, vemos muitas telas e muitas referências aos trabalhos do artista. Vemos
personagens reais retratados por ele nos seus quadros ganharem vida e um papel
ainda mais relevante do que meros rostos em telas pós-impressionistas.
Mas tratando-se de Van Gogh, o filme não ficaria apenas na ousadia do
formato. “A paixão de Van Gogh” também foge do tema tradicional das
cinebiografias, que costumam contar a história do artista da infância até a morte. O filme
prefere criar uma narrativa detetivesca procurando investigar como o pintor teria
falecido.
Oficialmente, Van Gogh, cometeu suicídio ao atirar em si mesmo no dia
27 de julho de 1890. Mas há teorias de que ele poderia ter sido assassinado,
por acidente ou não, por René Secretan, um jovem que vivia implicando com o pintor
na cidade francesa de Auvers-sur-Oise. O filme resolve explorar isso e as
declarações contraditórias de personagens que conviveram com o artista em seus
momentos finais na França.
Com isso, a ação se passa justamente um ano depois de sua morte. Na ocasião,
uma carta nunca enviada para o seu irmão, Theo Van Gogh, surge nas mãos do
jovem Armand Roulin (Douglas Booth), que, antes de enviá-la para a agora viúva
de Theo, irmão mais novo de Van Gogh e que morreu seis meses depois do pintor.
Roulin traça a linha de investigação conversando com todas as pessoas
que de alguma forma conviveram com Van Gogh em Auvers-sur-Oise. Entre elas,
personagens pintados pelo artista, como Marguerite Gache (Saoirse Ronan) e o
doutor Gachet (Jerome Flynn, o Bronn de “Game of Thrones”).
Os diretores consideram que surgiram várias declarações contraditórias
sobre a morte de Van Gogh, que permaneceria hoje, mais de 100 anos depois,
cercada de mistério. A tese do assassinato já havia sido defendida em 2011
pelos biógrafos do escritor Steven Naifeh e Gregory White Smith. E o próprio
reconhecimento de René Secretan no fim da vida dizendo que havia atormentado
demais o pintor, conhecido por suas psicoses e depressões reforçaram, para os
diretores, a tese do potencial assassinato.
Mas a película não toma uma posição. Apresenta os argumentos e deixa em
aberto para o espectador pensar sobre qual poderia ter sido o final deste
artista genial. O que não deixa de ser uma boa postura.
Embora “A paixão de Van Gogh” tenha sido um filme trabalhoso e que
demorou um longo tempo para ser feito, os diretores não pretendem abandonar o
estilo de animação pintada que fizeram com este trabalho. Pelo menos por mais
um filme. O próximo objetivo de Dorota e Hugh é uma película de terror todo
pintado baseado nos trabalhos que Goya fez no fim de sua vida. Desde já estou
ansioso pelo resultado dessa nova jornada.
Enquanto ele não
chega, “A paixão de Van Gogh” ganhará uma nota 8.
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