domingo, 21 de março de 2010

Um thriller de Scorsese

Nos últimos oito anos, Martin Scorsese tem se alternado entre filmes com a música como tema – “No direction home” (2005), sobre Bob Dylan, e “Shine a light” (2008), sobre os Rolling Stones – e películas com Leonardo Di Caprio como protagonista, casos de “Gangues de Nova York” (2002), “O Aviador” (2004) e “Os Infiltrados” (2006). Nos próximos anos, Scorsese voltará a música para um trabalho sobre o ex-beatle George Harrison e a cinebiografia de Frank Sinatra, que se especula que será estrelada pelo próprio Di Caprio. Mas antes disso, ele lançou o ótimo “Ilha do Medo”, ora em cartaz.

Quarta parceria entre o diretor e o ator, o filme é um thriller psicológico com um quê de Alfred Hitchcock aqui e outro de Stanley Kubrick ali e que te prende na cadeira do primeiro ao último segundo. O que é algo raro de acontecer no cinema.

Neste thriller de Scorsese, real e imaginário se confundem em interseções de conjuntos disformes em que o limite é o alcance do raciocínio lógico/literário de Teddy Daniels (Leonardo Di Caprio em mais uma ótima atuação). Ele é a chave que leva a desvendar um suposto crime ocorrido naquela ilha sinistra do título. É Daniels quem dá o norte num labirinto freudiano em que traumas passados e lembranças sangrentas da guerra se embaralham numa faraônica teia de mistérios.

Daniels é também vetor de um jogo de poder entre duas correntes de pensamento que tentam prevalecer nos trabalhos naquela ilha assustadora. É ele quem dará a medida de futuras ações. Ele é o ponto de partida e chegada de tudo o que se faz na ilha e sua importância é notada a partir do desenrolar de uma história muito bem escrita pela roteirista Laeta Kalogridis.

Anteriormente conhecida por ter sido uma das escritoras do tenebroso “Alexandre” (2004), Laeta agora acerta a mão e consegue prender a atenção do espectador com uma história em que nada é o que realmente parece e muitas das imagens são ilusões num jogo de espelhos que formam e deformam a partir do olhar de quem contempla a imagem projetada, mas acaba por não se concentrar nos detalhes decisivos da película. Detalhes estes muito bem escondidos na tela, embora perceptíveis para observadores mais atentos.

Ao fim, no entanto, ela se faz entender e o espectador percebe que algumas cenas ou determinadas imagens tinham um contexto diferente do que ele pensara e o jogo de associações é inevitável.

Claro que a história construída por Laeta a partir do livro de Dennis Lehane não obteria sucesso se não encontrasse eco na câmera de Scorsese e na atuação dos seus atores.

O primeiro conduz o filme com a habitual habilidade de uma forma em que o trabalho é um desvelar dramático de uma pesada cortina que se abre sobre a paisagem. O ritmo é ditado por sua bela trilha sonora, uma especialidade de Scorsese, e os movimentos lembram um pouco Brian de Palma em “Dublê de corpo” (1984) e o próprio Scorsese na abertura dos “Infiltrados” com aquela fantástica trilha sonora de “Gimme Shelter” dos Rolling Stones.

Em frente a sua câmera, um Di Caprio inspirado e entregue de corpo e alma ao personagem que trava bons duelos com Ben Kingsley, o doutor Cawley, e Max von Sydow, o doutor Naehring, psiquiatra alemão que diverge quanto aos métodos de trabalho de Cawley. E ainda tem Mark Ruffalo envolto num personagem complexo e fundamental para a trama.

Por todos estes ingredientes, “Ilha do Medo” é um filme imperdível do diretor americano. Num hipotético ranking da dupla Scorsese-Di Caprio, só pode ser considerado inferior a “Os Infiltrados”, um trabalho realmente muito acima de muita coisa feita na história do cinema.

Neste seu novo filme, Scorsese prova que sabe fazer não apenas grandes trabalhos no terreno dos gangsters e mafiosos, mas também um belo thriller que surpreende por suas reviravoltas. Afinal, nem tudo o que se vê através do portão daquela instituição para criminosos perigosos é absolutamente verdadeiro.

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