quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O valor da história

Qual é o valor que um vaso ou um quadro podem ter para diferentes gerações? A pergunta faria surgir milhares de respostas a partir da vida e da experiência de cada indivíduo de cada geração. Para Héléne (Edith Scob), a resposta é cristalina em sua mente.

Aos 75 anos, ela sabe que não lhe restam mais muitos anos de vida e tem a certeza que a casa e todos os objetos valiosos – sentimental ou financeiramente falando – ali contidos morrerão junto com ela. Com três filhos vivendo em diferentes culturas, ela tem a exata noção de que cada verão pode ser o último daquela família naquele lugar.

Dirigido pelo francês Olivier Assayas, “Horas de Verão” é um filme sobre o peso que cada indivíduo dá às coisas. Se a morte é inevitável mesmo para uma mulher aparentemente saudável como Héléne, que vem a falecer subitamente após uma semana de muita felicidade, o restante, a sua história, só morre quando aqueles que ficam a desprezam.

A pressão econômica e o destino que os afastam da antiga vida da infância, fazem a designer Adrienne (Juliette Binoche), que vive em Nova York e namora um americano com quem pretende se casar, e o administrador Jérémie (Jérémie Renier), que inicia uma nova vida comandando uma fábrica de tênis na China, serem práticos e objetivos na hora de decidir vender a casa e tudo o que de valor está ali dentro. Afinal, eles não aproveitarão mais aquele espaço. E Héléne sabia que eles ainda voltavam apenas por causa dela. As memórias da infância já haviam ficado para trás como a valiosa escultura aparentemente destruída pelas então crianças num tempo em que havia espaço para o lúdico.

Ao economista Frédéric (Charles Berling), único que vive na França e ainda tem a mesma relação sentimental com aquele espaço, resta a dor de aceitar vender a casa que ele esperava repassar para os filhos dele e dos irmãos, que o repassariam para os netos e assim sucessivamente, mantendo viva a história da família. Algo que não empolgava muito os seus filhos, que diante dos belos e valiosíssimos quadros pendurados na parede não reagem com muita emoção. “É de uma outra época”, diz um deles secamente.

Seus filhos valorizam a cultura americana, com suas músicas dançantes, o hip-hop e o seu modo de vestir. “Todo mundo gosta”, sentencia Jérémie, afirmando a decadência da cultura francesa. Há até espaço para o basquete, esporte que não é o número 1 da França, apaixonada pelo futebol.

Sutilezas que Assayas vai pingando no filme para também mostrar, na sua visão, uma diferença cultural. Uma França que valoriza a sua história contra os Estados Unidos destruidores de gravuras que só visam
o lucro e vão vender os desenhos do pintor Paul Berthier, tio dos três irmãos, separadamente na Christie’s por só pensarem no dinheiro, e uma China desbravadora do mundo a custo de muita poluição e mão de obra barata. Estereótipos ou verdades cristalinas? Fica a cargo do espectador. Assim como a própria interpretação da película.

Além de versar sobre o valor que diferentes culturas dão para si mesmo, Assayas coloca em confronto o peso que a história tem sobre cada um. Para Frédéric, a casa é a manutenção da vida enquanto para Jérémie, ela é a lembrança amarga de uma suspeita de adultério pela mãe sob o olhar de um filho que amava o pai e o via desprezado, sufocado, abandonado. Já Adrienne acredita que tudo aquilo é muito distante e surreal, a infância que não volta e que não vale a pena ficar remoendo, uma vez que se deve olhar para frente, inclusive no aspecto da tecnologia e da modernidade.

Mas no fim a história sempre lhe bate a porta. É quando a filha de Frédéric percebe que não poderá levar a sua filha para contar histórias embaixo da árvore da mesma forma que a sua avó fazia com ela. A tristeza que atinge o seu coração é a de quem percebe que não soube valorizar os prazeres que aqueles momentos lhe causaram. A outra época também era sua e lhe foi tirada por uma decisão que não foi sua e que só lhe resta lamentar, pois agora será preciso escrever uma nova história em outro lugar.

Nenhum comentário: