sábado, 27 de dezembro de 2008

Uma estréia promissora

A expectativa é sempre grande quando um dos melhores atores de sua geração resolve vir para o lado de cá das câmeras e comandar seu primeiro filme. Responsável pela maior bilheteria deste ano do cinema nacional com “Meu nome não é Johnny”, Selton Mello, 35 anos, resolveu contar a sua própria história. Escrever o seu próprio conto de Natal.

Longe de ser um filme família, “Feliz Natal” é de uma melancolia e falta de esperança daquelas de cortar os pulsos. É como ouvir Radiohead em depressão. Diferentemente da seara “jingle bell” que polui o cinema e as produções televisivas, seu filme é um longo libelo de culpa, desencontro, traições, infelicidades. Cada personagem expõe a nudez de sua facada na alma. Cada um carrega sua cruz e tenta se livrar dela seja enfrentando os problemas ou tentando se desviar deles.

Com uma trilha sonora intermitente e de impacto sonoro que me fez lembrar o recurso usado em “As Horas” (2002) de Stephen Daldry, ou mesmo – e até mais ainda – “Laranja Mecânica” (1971), de Stanley Kubrick, o filme começa contando a história de Caio (Leonardo Medeiros, em ótima atuação), dono de um ferro-velho, odiado pelo pai, vivido por Lucio Mauro num dos seus raros papéis dramáticos, e amado pela mãe Mércia (Darlene Glória, num retorno ao mainstream de forma triunfal).

Caio vai a festa de Natal do irmão Teo (Paulo Guarnieri) para uma visita onde ficam patentes todos esses sentimentos e mais o interesse/leve flerte de Fabi (Graziella Moretto), que dá uma pista de que no passado Caio era um jovem sedutor, que conquistava facilmente as mulheres com o binômio charme/canalhice.

Mais sossegado, casado, com um pequeno negócio, Caio, porém, vive numa solitária maior do que qualquer prisão que ele tenha passado. Aos poucos descobrimos o que o faz sentir tão culpado.

Contudo, seu sofrimento não é o único fio condutor da desestabilidade do filme. Teo é um infeliz por ter que carregar uma família de fracassados nas costas. Seu pai, por, no fim das contas, sofrer de um vazio existencial não preenchido nem pela garota mais jovem com quem ele transa turbinado por pílulas de viagra. Sua mãe é tomada por uma loucura, causada pela grande quantidade de remédios que toma e a esquizofrênica vida que leva. Cansada dos problemas da família de Teo, Fabi quer se livrar de tudo. Olha-se no espelho e percebe que está perdendo a juventude numa existência fracassada.

É um Natal amargo o de Selton Mello. Nada é fácil. Nenhuma família verdadeiramente é. Com seu roteiro fragmentado, assinado em parceria com Marcelo Vindicato, tomado de improvisos Selton faz o seu filme ser vivo. A impressão que passa é que ele liga a câmera e diz: “Faz aí qualquer coisa, segue mais ou menos o roteiro. Depois a gente tira os melhores momentos”. E assim nasce uma cena maravilhosa como a de Darlene Glória se pintando diante do espelho.

“Feliz Natal” não é certamente um trabalho linear. Tomado de pontas soltas, é um delicioso quebra-cabeça em que as peças podem até ser juntadas de diferentes formas. Um quebra-cabeça flexível. É um filme em que se deve especular sobre os comos e por quês conforme ele vai passando. E aqui eu não posso deixar de citar os trabalhos de David Lynch, tão difíceis de concatenar. Não chega a ser o caso de “Feliz Natal”, mas é possível ver um pouco do diretor de “Veludo Azul” (1986), “Cidade dos Sonhos” (2001) e “Império dos Sonhos” (2006) no seu trabalho.

Lynch, Kubric, não sei sinceramente se são influências do Selton Mello diretor ou mesmo se ele curte os filmes dos dois americanos, mas se é possível buscar paralelos com estes fantásticos cineastas (ou eu sou completamente insano) é um sinal que o ator marcou um golaço na sua estréia na cadeira de diretor. O Natal de Selton pode até não ser tão feliz, mas seu filme é uma promissora estréia.

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