sábado, 20 de dezembro de 2008

Só faltou um final épico

O que esperar de um boxeador de 46 anos, endividado, que volta da aposentadoria para enfrentar um adversário que é campeão do mundo, 11 anos mais jovem, 25cm maior e muito, mas muito mais forte? Se o enredo é de cinema, uma vitória épica como as melhores de Rocky Balboa (Sylvester Stallone). Se é a vida real, um massacre de conseqüências provavelmente irreversíveis. Pois neste sábado, ao contrário do que normalmente acontece, a vida quase imitou a arte.

Há muito tempo não ficava de pé e ansioso pelo desfecho de uma luta de boxe. Nem me lembro qual foi a última vez. Talvez alguma vitória do George Foreman num passado distante, uma vez que as do Mike Tyson eram sempre massacres de muita porrada e pouca técnica. Nesses tempos todos, até discuti se boxe era verdadeiramente um esporte. Como pode ser se em nada ele valoriza a vida e seu aspecto saudável. É um homem querendo matar o outro sem piedade.

Mesmo com todas as minhas dúvidas, estava curioso para assistir à luta entre o americano Evander Holyfield, que pressionado pela pensão que deve pagar para os nove filhos gerados com seis mulheres, resolveu desafiar o gigante russo e campeão pela Associação Mundial de Boxe, Nikolay Valuev. Independentemente do resultado, a luta já valeria ao ex-tricampeão mundial US$ 750 mil. Dinheiro que aliviaria o bolso estourado de Holyfield.

Acontece que o americano não entrou no ringue apenas pelos dólares, mas para ganhar do russo. Tal qual um enredo hollywoodiano, Holyfield lutou como um verdadeiro gigante, um verdadeiro campeão.

Com uma tática parecida com a usada por Muhammad Ali na histórica luta contra George Foreman em 30 de outubro de 1974, no Zaire - excelentemente bem reproduzida, aliás, no ótimo filme "Ali" (2001), estrelado por Will Smith - Holyfield, que sempre foi mais conhecido por ser um boxeador agressivo, usou toda um técnica de "dançar" pelo ringue enquanto deixava Valuev no meio tentando socar um adversário menor e mais ágil do que ele.

A única diferença em relação ao que Ali usou contra Foreman, é que Ali também se deixou bater muito, mas nunca em pontos fracos do seu corpo que pudessem comprometer sua performance. Isso foi fundamental para cansar Foreman e fazer com que ele vencesse a luta. Holyfield não podia, no entanto, usar artifício semelhante. Do contrário sairia da Suíça num caixão. A luta do Zaire, aliás, pode ser encontrada inteira no Youtube. Basta digitar "Ali vs Foreman". Vale a pena. É um dos maiores momentos da história de todos os esportes. (Embaixo eu coloco apenas o desfecho do combate, a título de comparação com a luta de hoje).

É interessante mesmo a semelhança entre as duas lutas. Assim como Holyfield vs Valuev, o confronto Ali vs Foreman também reunia uma diferença considerável de idade (no caso, sete anos, pois Ali tinha 32 e Foreman, 25) e o boxeador mais velho era considerado acabado para o esporte. Ali acabou dando a volta por cima justamente neste confronto.

Mas como eu dizia era impressionante o preparo físico de Holyfield. Correu pelo ringue durante os 12 rounds, bateu mais e melhor do que Valuev, deixando o russo atônito. Ele certamente não esperava enfrentar um adversário tão bem preparado como o americano que surpreendeu a todos e conquistou imediatamente a simpatia da torcida.

Já que eu entrei na seara dos filmes, a trajetória de Holyfield e a luta em si é tão hollywoodiana que você podia ver ali no ringue o lutador quebrado financeiramente que tem que voltar literalmente à luta de "Rocky 3" (1982), o confronto épico-patriótico contra uma máquina russa de matar então vivida por Dolph Lundgren em "Rocky 4" (1985) - com exceção que no filme o confronto é na Rússia e na vida real, foi na Suíça -, a torcida que se volta completamente para o mais fraco, como em todos os filmes de Rocky Balboa - e você pode ver a galera torcendo pelo Holyfield no vídeo abaixo.

Há ainda o outro lado, o adversário mais jovem, mas com uma carreira que sofre com a desconfiança. Até lutar contra Holyfield, Valuev não havia enfrentando nenhum adversário de respeito. Muito porque o boxe hoje não é o mesmo esporte nobre, ou, vá lá, romântico de outrora quando contava com lutadores do naipe e também carisma de Foreman, Tyson, Joe Frazier, Joe Louis, Sugar Ray Robinson, Sonny Liston ou Floyd Patterson. Um enredo muito parecido com o mais recente filme de Stallone, "Rocky Balboa" (2006).

Ao ver Holyfield quase que lutando para se reerguer do fundo do poço, como não lembrar de James Braddock, que não teve uma carreira tão brilhante, mas uma história de vida que rendeu um filme "A Luta pela Esperança" (Cinderella Man - 2005, no original, um dos apelidos de Braddock), estrelado por Russel Crowe. No filme, quando tentava se recuperar em meio a Grande Depressão americana do final da década de 20 e início dos anos 30, Braddock chega a dizer uma frase emblemática: "Agora eu sei pelo que estou lutando. Eu luto por leite", explicando que ele precisa levar comida para casa. Holyfield não chegou tão ao fundo do poço quanto Braddock, que passou fome, mas dizem que sua situação não é das mais tranqüilas.

Todos esses filmes podiam ser vistos ao vivo no ringue de Zurique. E no final eu já estava de pé torcendo por um nocaute de Holyfield, pois temia que os juízes dessem a vitória ao russo, repetindo, assim, o que acontece em "Rocky Balboa", que perde a luta por pontos. E que anticlímax ao ver a decisão dos juízes. Mesmo com o mundo inteiro tendo assistido claramente que Holyfield lutou melhor e merecia conquistar pela quarta vez o título mundial - e se tornar o mais velho boxeador a conseguir tal feito, ultrapassando Foreman, campeão com 45 anos - os juízes da luta deram a vitória a Valuev.

No final, vaias e protestos dos que lotavam o ginásio e merecidos aplausos para Holyfield, que desafiou o tempo para protagonizar uma das maiores lutas - e injustiças - da história do boxe. Foi quando veio a minha mente o outro lado do esporte que sempre detestei. O estilo Don King. Aquele cheiro de marmelada que sempre permeou o boxe (principalmente a categoria pesado) nas últimas quatro décadas pelo menos.

A luta deste sábado foi uma aula de boxe de Holyfield. Uma pena que ela não tenha tido o mesmo final feliz da de Ali no Zaire. Neste enredo cinematográfico faltou apenas o desfecho épico e glorioso para que pudesse ser filmado pelos estúdios. Uma pena que a decisão dos juízes tenha sido tão conservadora diante do óbvio que foi visto nos 12 rounds de Zurique. Após o combate, Holyfield, muito contrariado com o resultado, disse que não sabe ainda o que fará daqui para frente. Aos 46 anos, ele não tem mais muito futuro na carreira. Se decidir se retirar definitivamente dos ringues, espero que o dinheiro tenha servido para que ele consiga se livrar de suas dívidas e curta uma merecida e tranqüila aposentadoria. Afinal, depois deste sábado ele escreveu definitivamente seu nome na história dos verdadeiros gigantes do boxe.
Abaixo, o oitavo e o décimo-segundo rounds da luta entre Holyfield e Valuev e o final do combate histórico entre Ali e Foreman.





5 comentários:

Fernando disse...

O russo não fez nada durante a luta, a não ser apanhar. Estou revoltado.

Fernando disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Eu também Fernando. Holyfield foi claramente melhor na luta. Foi lamentável a decisão dos juízes. Abraço e volte sempre.
Marcelo

fábio balassiano disse...

todo final é triste, meu caro. mas o evander pode lançar um grill e tá tudo certo...

abs, fábio

Anônimo disse...

Poderia ser um slogan do tipo: "Pare de comer cartilagem de orelha, cozinhe sua carne no Holyfield grill"
abs,
marcelo