domingo, 4 de maio de 2008

As dores do amor

Não é difícil reconhecer em si algumas das dores de amor descritas em “My bluberry nights”. Da traição ao amor paterno não plenamente correspondido, ou simplesmente o fim do sentimento, o novo filme de Wong Kar Wai, sua primeira incursão no mercado norte-americano, é um mosaico de corações partidos e um tortuoso caminho para encontrar a cura de uma dor dilacerante que é a da alma.

Se em “2046 – segredos do amor” havia uma tentativa de busca das memórias perdidas, uma tentativa de viver ou reviver emoções supostamente perdidas, “My blueberry nights” há uma busca de Elizabeth (a cantora Norah Jones) de curar uma ferida profunda aberta por um namorado que a desprezou e a traiu.

Sozinha, ela acaba desenvolvendo uma amizade com Jeremy (Jude Law, em bela atuação), inglês de Manchester que tinha sonhos ao chegar a Nova York com Katya, sua namorada russa, mas teve que aceitar que, por vezes, o sentimento desaparece.

Embalados por uma torta de mirtilo (a tradução de blueberry) tão desprezada quanto eles foram, criam uma relação de confidência e intimidade. Mas para avançar, Elizabeth precisava mudar. E para isso, resolve ir o mais longe possível da cidade que lhe causou tanta dor.

De Menphis a Las Vegas, conhece outras pessoas com problemas aparentemente piores do que o seu e sem a mesma força para tentar superá-los. Do policial Arnie Copeland (um perfeito David Strathairn) à jogadora Leslie (Natalie Portman, vivendo grande fase), passando por Sue Lynne (Rachel Weisz), todos têm em comum o fato de terem sucumbido de certa forma às suas fraquezas.

De certa forma, a viagem de Elizabeth a resgata do fundo do poço. Pronta a recomeçar, ela faz a trajetória inversa. Da fuga para um lugar distante, ela tenta buscar a esperança de um recomeço no ground zero de sua tragédia pessoal.

Embalado por uma bela e delicada trilha sonora que parece ter sido cuidadosamente escolhida, “My blueberry nights” tem apenas um problema: seu infeliz título em português. Baseado apenas num cartaz e numa cena, o título “Um beijo roubado” é tão infeliz que, se fosse possível, deveria ser abolido quando o filme chegasse às locadoras. Se não quisessem chegar ao pé da letra de colocar “Minhas noites de mirtillo” que ao menos mantivessem o título original. Muito mais representativo da essência do filme do que o escolhido.

De resto é um bom filme defendido com garra por Norah, que encarou um papel de protagonista no seu primeiro trabalho no cinema e conseguiu se sair a contento. Se seus defeitos aparecem em cena, é mais pelo time com quem contracena do que por um desempenho abaixo da média. Para um primeiro trabalho, ela mostra que tem talento.

Já Wong Kar Wai colocou na tela um filme que faz jus à sua filmografia chinesa. Sua primeira incursão no mercado norte-americano é uma deliciosa torta de esperança pronta para ser saboreada por corações incrédulos.

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