segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Surrealismo fantástico

Júlia era conhecida por ter uma mente fértil. Sonhava com as coisas mais bizarras do mundo e tinha tiques únicos. Costumava dizer que em seus sonhos as pessoas estavam em corpos diferentes do que os que pertenciam a elas. Sem contar os enredos sem pé nem cabeça que eram elaborados pelo seu cérebro. Mas um dia ela percebeu que seu fantástico mundo de Bobby particular era mais real do que imaginava.

“Ai, que vontade de comer uma bala”, disse ela enquanto se arrumava para deixar sua casa no bairro residencial de Icaraí, Niterói.

Mais uma vez naquela noite, Júlia havia sonhado com coisas estranhas. Pouco usuais como gostava de dizer. Mas já estava tão acostumada que não se incomodava mais com sua cabeça que criava histórias tão intrincadas que mais pareciam um filme de David Lynch. Não via mais problema em ver na sua mente javalis rosas ou gatos que tocam bossa nova.

Naquele dia, no entanto, a história era diferente. Ela estava muito bem acordada ao caminhar na estranhamente desértica Rua Moreira César.

“É muito cedo”, ela pensa enquanto caminha pelo meio da rua – tinha também hábitos pouco usuais – o vento no rosto e a sensação de liberdade em seu genuíno, mas enigmático sorriso.

Enquanto pensava nas balas de paçoca da padaria derretendo na sua boca, Júlia canta “Não é proibido” de Marisa Monte. Adorava essa música que fazia sua cabeça ficar ainda mais povoada de balas e doces.

Mas não era o dia de Júlia. A padaria estava fechada naquela manhã que seria sem balas, mas bastante sortida. É com o desapontamento tomando o seu corpo, porém, que ela resolve voltar para casa.

Retornando por uma quase selvagem Moreira César, onde se podia ouvir o deslocar das folhas das árvores pelo vento e o zunir dos pássaros planando pelos galhos, Júlia avista uma bela, estranha e límpida piscina.

Esquecendo-se que vestia uma até então indevassável blusa branca com pesados jeans, Júlia se liberta dos pré-conceitos e, dona de si, pula nas misteriosas águas que ali surgiram sob o concreto e o asfalto de outrora. Águas surgidas de onde jamais estiveram.

Apesar do excesso de roupa para a ocasião, nada com desenvoltura entre estranhos e belos peixes com penas que pareciam papagaios. Estranhíssimas panteras nadavam pela mesma piscina, passando por ela, mergulhando ou até caminhando por sob as águas.

“Isso só pode ser um sonho. Um lindo sonho, porém um sonho. Mas eu me lembro de levantar hoje cedo. Sair, me vestir. Como poderia ser um sonho? – questionava-se em dúvida se vivia algo real ou imaginário, mais uma criação de sua mente ou a personificação da loucura. Ou seria da razão?

Júlia, no entanto, sabe, ou pelo menos acredita que aquilo tudo é real. Um realismo fantástico como se ela tivesse entrado num livro de Gabriel Garcia Márquez ou numa obra de Salvador Dalí.

De repente, ao longe, ela avista uma criança. Parece alguém conhecido. Quem seria?

A menina se aproxima dela e Júlia a encoraja a pular.

“Não tenha medo. A água está uma delícia. Venha brincar”, diz ela, querendo compartilhar com mais pessoas aquele momento único.

A menina toma coragem e pula. Para a surpresa de Júlia, entretanto, ela não sabe nadar. Não demora muito para a jovem garotinha começar a se debater nas águas, tomar caldos da pantera que constantemente passava por perto em alta velocidade e ser vencida pela falta de força dos seus bracinhos.

Desesperada, Júlia nada podia – ou melhor – conseguia fazer. Ela estranhamente como tudo naquela cidade, naquele momento, não tinha forças para chegar até a criança e salvá-la. O fim parecia tragicamente próximo.

Tragada pelas águas agora traiçoeiras, a menina vê a morte começar a tomar seu espírito. Mas antes que o remorso e a dor eterna da responsabilidade pelo fim de uma vida inocente pudesse ocupar o coração de Júlia, um anjo surgia entre as sombras, por detrás das árvores.

Era Josiah quem pulava nas águas da piscina para salvar a jovem criança e entregá-la nos braços de uma aliviada Júlia, feliz pelo desfecho de uma história que ganhava contornos trágicos, que estava prestes a encontrar um ponto terrível num futuro próximo. Observada pela pantera aquática, Júlia envolve a criança em seus braços como se tentasse protegê-la e compensar a culpa que ainda permanecia em sua mente.

O alívio pelo resgate da menina através do desconhecido anjo foi passageiro. Segundos depois do ocorrido, Karen, a irmã da menina, surgia raivosamente para tomar-lhe a menina de seus braços.

Júlia não teve tempo de se explicar. Procurou testemunhas, mas o anjo partira. Panteras e peixes-papagaios obviamente não falavam. O ódio e o ciúme tomavam de assalto o coração da irmã da jovem criança. Karen não entendia nada, mas simplesmente não gostara do que vira.

Sozinha, completamente molhada e sem as balas que tanto desejava, Júlia tenta esquecer o mau entendido e ir para casa. Ainda olha para trás, mas a menina e sua irmã haviam sumido. Para sua surpresa a piscina também havia desaparecido. As roupas molhadas não a deixavam enlouquecer. Nadara numa piscina no meio da Moreira César com certeza. Não podia ter sido uma ilusão.

Duplamente frustrada, Júlia continuou a caminhar. Perto do prédio alvo com arquitetura neocolonial que morava, ela tropeça e cai. Desperta no chão com uma camisa branca e os cabelos desgrenhados. Não lembrava nada além da dor nas costas causada pela queda. Mas quem a trouxera para casa? O anjo? Ou terá sido um sonho? Lá fora, chove torrencialmente. Segundos depois o despertador toca. Esta na hora de ir para o trabalho. Mas o mistério continua.

This story is dedicated to a good friend, whose dreams inspired me.
PS: Na foto, a obra “Galatéa de las esferas” de Salvador Dalí

8 comentários:

Anônimo disse...

parabéns a "julia", por este texto. "ela" deve estar orgulhosa disso. e eu, do seu autor. parabéns, meu chapa.

Anônimo disse...

Valeu pelo elogio. By the way, ela disse que gostou, mas acredito que está com vergonha de comentar.

Anônimo disse...

HAHAHAHAH olha q eu tenho sonhos estranhos , mas esse foi bizarrooo HAHAH
GOSTEI DA NARRATIVA =)

Anônimo disse...

Que bom que gostou, mas quem é você anônimo?

Anônimo disse...

Oi,Marcelo sou eu Taísa,tentei colocar meu nome mas não tava sendo enviado =/

Anônimo disse...

Entendi. que bizarro. Bom, agora o anônimo está identificado. Quando quiser colocar o nome, coloque no campo abaixo indicado como "apelido". É como eu respondo às mensagens, por exemplo. A URL você pode ignorar. A menos que você tenha um blog e queira divulgar.

Anônimo disse...

ótimo texto marcelo!
garanto que a dona do sonho adorou! eu, que fui testemunha do relato deste estranho sonho apreciei a narrativa do começo ao fim!

Anônimo disse...

Obrigado pelo elogio meu caro. Ela me disse realmente que gostou. Pelo visto, só ficou tímida para comentar.