quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A Copa é nossa. E daí?

Numa paráfrase do velho conceito de Marx, já se disse no Brasil que o futebol é o ópio do povo. Assim sendo, organizar a Copa do Mundo deve ser uma overdose. Ou, numa alusão a frase original – “A religião é o ópio do povo” – a Copa seria como receber a visita do Papa durante um mês. Tá certo, a Copa do Mundo de 2014 é do Brasil e todos os políticos já esfregam as mãos para fazer de seus currais eleitorais uma das sedes do Mundial. Afinal, todos sabem que a escolha das sedes será puramente política e não meritória. Mas a escolha da Fifa foi merecida? Numa resposta curta e grossa: Não.

Sou da opinião que um país deve estar pronto para se candidatar a receber um evento esportivo como uma Copa do Mundo e não prometer se aprontar para organizá-lo. O país terá sete anos para cumprir tudo o que estava escrito no caderno de encargos da Fifa, mas tenho certeza que não o fará.

O Rio também prometeu uma série de coisas para o Pan, como metrô até a Barra e a despoluição da Lagoa e da Baía de Guanabara. O metrô ainda nem chegou em Ipanema e os dois cartões postais da cidade continuam poluídos.

Assim é o Brasil. O que esperar de um país em que políticos discutem maneiras e períodos para melhor tungar o povo. A discussão já deixada bem explícita pelo ministro da Fazenda Guido Mantega é a seguinte: ou a CPMF é prorrogada ou haverá aumento de impostos. Ou seja, nós devemos pagar por algo que supostamente deveria ir integralmente para a Saúde e não vai. Mas se a oposição continuar rejeitando a proposta, novos impostos serão criados ou velhas tungadas serão mais fortes.

Calma ministro, vamos sentar para conversar, diz a oposição. O governo aceita negociar? Claro. Para que servem cargos públicos e emendas no orçamento? O povo é um detalhe. E eu nem citei o acordão que está sendo costurado para livrar Renan Calheiros da cassação. Aliás, negociatas é o que mais se viu no caso dos mensaleiros e sanguessugas.

No Brasil não se questiona se haverá ou não corrupção daqui até a Copa, mas o quanto de corrupção haverá. Isso é mais certo do que apontar que a final da Copa será no Maracanã.

Mas isso não importa. Deve-se bater no peito e ter orgulho de ser brasileiro como disse o técnico da seleção, Dunga, indignado, vejam só, com uma pergunta de uma repórter canadense da AP sobre a violência no país. Como pode? Que absurdo! Logo no Brasil onde quase não há vítimas de violência. Onde não se vê helicópteros mandando bala em favelas. Essa repórter do Canadá é muito mal educada realmente.

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, tinha mesmo que ficar indignado e responder feito criança na coletiva da Fifa em Zurique bem ao estilo você também é feio, bobo e chato. Ninguém avisou a Teixeira que se falava dos problemas do Brasil e não dos países de primeiro mundo, que obviamente existem, mas são infinitamente menores do que os nossos.

A violência assustadora não é o único problema do país. O serviço de transportes é péssimo. Convivemos há meses com um apagão aéreo cuja solução não vejo no horizonte. Há ameaça de apagão energético como o ocorrido no governo FH. Nós somos também o país em que hospitais públicos abrem crânios de pacientes com serras.

Sem falar na corrupção. Se o orçamento do Pan já havia estourado em níveis estratosféricos, pode-se imaginar o que acontecerá daqui até 2014. A julgar pelo trem da alegria que foi a Zurique, muita água vai rolar debaixo dessa ponte. Sempre com a conivência da imprensa amiga e acobertamentos naturais.

Alguns podem argumentar que a África do Sul também tem problemas sérios e vai organizar a Copa de 2010. Sim, é outro erro da Fifa, que em nome da pior política implantou um mordaz e agora extinto esquema de rodízio de continentes para sediar o Mundial.

E não adianta virem com o bobo argumento tipicamente pseudo-esquerdista que eu desejo uma Copa elitista com apenas os países da Europa, da América do Norte e alguns da Ásia organizando o torneio. A questão não é política, mas de capacidade.

O Brasil pode muito bem organizar um mundial assim que resolver os seus problemas e se organizar decentemente como nação. Enquanto houver pessoas analfabetas e morrendo de fome neste país, enquanto houver a corrupção deslavada que há, não vejo um motivo para o Brasil merecer organizar a Copa.


Politicamente, a Fifa decidiu a favor do Brasil, mas ainda dá tempo de corrigir o erro e dar o Mundial para quem merece realmente organizar um torneio desse porte, independente de tradição política ou esportiva.

2 comentários:

Luisa Belchior disse...

Não é que o Brasil mereça, mas pode ter seus lados positivos pro país a Copa ser aqui. Como foi o Pan. Gastou-se um absurdo, e talvez na balança o saldo tenha sido negativo, mas teve lados positivos.
Sei lá. Vamos esperar pra ver. E, pô, vai dizer que vc não vai querer ir ao Maraca?

Anônimo disse...

Só se a Holanda ou a França chegarem na decisão.
Mas de qualquer forma, Luisa, não vi beneficio nenhum do Pan ao Rio. Além de tudo ter sido superfaturado e ninguém foi preso por isso, foi construído um estádio com dinheiro público que depois foi dado ao Botafogo (aluguel de R$ 36 mil não é aluguel quando se trata de um estádio daquele porte). Não houve melhorias significativas na área de segurança e, bem, até pedaço de túnel já desabou.
Entendo seu ponto de vista, mas neste caso estou do lado oposto. Acho que primeiro o Brasil deve criar essa "positividade" para em seguida se candidatar a sediar Copa, Olimpíada, etc...