segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Marcas do passado

Diante do mundo, Sofia (Anália Couceyro) e Rímini (Gael García Bernal) formam um casal perfeito. Dentro do apartamento que vivem numa cinzenta Buenos Aires, a realidade é diferente. O divórcio é iminente e a melancolia está marcado no olhar perdido de Rímini da mesma forma que a tristeza é inerente à alma de Sofia.

A decisão de se separar é de comum acordo e Sofia até procura por um novo apartamento para Rímini. Em uma semana ele se muda e em pouco tempo conhece a modelo Vera (Moro Angheleri), mulher fragilizada por uma traição e extremamente ciumenta por isso. É com ela que ele tentará reiniciar a vida de algum ponto perdido no espaço.

Sofia não tem a mesma sorte. Parece ter partido dela a decisão ao mesmo tempo em que não se mostra madura o suficiente para arcar com as conseqüências da separação. Não consegue lidar com os mortos estampados nas fotos de 12 anos de casamento. Pede ajuda a Rímini, que tenta escapar, deixar as coisas no passado.

Lidar com o despedaçamento de uma relação, o momento em que corações estão sensíveis e almas dilaceradas talvez seja o tema principal de “O Passado” ótimo filme de Hector Babenco. Nele, Gael vive um homem a procura de um norte para a vida. Um caminho a seguir e uma maneira de dar novo sentido à sua existência. Mas ele será sempre de alguma forma prejudicado por Sofia.

Ambos não conseguem lidar com a separação. Sofia, sofrendo pela necessidade de separar as fotos do passado, uma metáfora para suas dificuldades em lidar com a morte. Rímini tentando deixar o passado onde deve estar se afastando subitamente de Sofia e refugiando-se no cigarro, na cocaína e, principalmente, em outras mulheres.

Impulsiva e insegura, Vera encerra tragicamente sua história com Rímini após um beijo de Sofia que ele tentou evitar. Mas neste instante, já surgira a paixão por Carmen (Ana Celentano), tradutora como ele, bonita, inteligente e que lhe dará um filho. A mulher perfeita para um homem que ainda sente falta de algo.

As dores, os conflitos internos e a relação mal resolvida causam um bloqueio que o faz esquecer as línguas que traduz. Mas Sofia teima em reaparecer como um fantasma. Mais do que isso, ela se torna um karma que o joga no abismo mais uma vez.

Sofia precisa que Rímini cumpra o que acha ser seu destino. Por isso o destrói a cada vez que ele tenta se reerguer. Na última vez que o tira da sarjeta, Rímini se rende e volta para ela. Só para resolver pendências passadas.

“O Passado” é um drama sobre escolhas e maneiras de seguir em frente após uma dor profunda. Na câmera de Babenco, o olhar, as minúcias da face e o silêncio são valorizados como diálogos do roteiro. E nisso ele tem como aliado o excelente ator que é Gael García Bernal.

O versátil Gael, que já foi um padre que se apaixona e engravida uma jovem em “O Crime do Padre Amaro” (2002), de Carlos Carrera, um homossexual em “A má educação” (2004), de Almodóvar, e o jovem revolucionário Ernesto Che Guevara em “Diários de Motocicleta” (2004), de Walter Salles, dá a Rímini uma alma vazia, perdida em futilidades ao mesmo tempo em que sente a angústia de encontrar uma saída.

Sem dúvida é um de seus melhores trabalhos e “O Passado” é um de seus melhores filmes. Uma película densamente maravilhosa de apreciar graças à confluência de talentos nela mostrada.

Nenhum comentário: