domingo, 4 de outubro de 2009

Por que não tenho motivos para sorrir? - II

Há quem argumente que o Pan-Americano de 2007 deu o know-how ao Brasil para sediar uma Olimpíada porque o Pan de 2007 deu certo. Deu certo para quem, cara pálida? O Pan custou ao erário cerca de R$ 3,5 bilhões contra uma previsão inicial de R$ 800 milhões. Ou seja, se gastou mais de 400% além do que foi previsto.

O relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) é estarrecedor (quem quiser ler o arquivo em PDF pode clicar aqui). Ele aponta a “existência de superfaturamento – efetivo ou potencial – em 17 dos 22 itens selecionados por amostragem”. Só o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, custou cerca de R$ 100 milhões a mais do que o previsto. A prefeitura do Rio gastou R$ 400 milhões para depois entregá-lo ao Botafogo que paga R$ 400 mil mensais. Para a Olimpíada, o estádio, que tem capacidade para 45 mil pessoas precisará ser ampliado para 60 mil pessoas, o mínimo exigido pelo COI para poder receber as provas de atletismo.

O Rio que se candidatou às Olimpíadas de 2004 e 2012, sabia que receberia o Pan de 2007 e continuava sonhando com uma Olimpíada não se planejou para recebê-la. Por isso, o hoje subutilizado Parque Aquático Maria Lenk não serve para as competições de natação. E ainda sofrerá reformas para abrigar as competições de pólo aquático e saltos ornamentais. A cidade terá que construir um novo espaço para a natação com espaço para 18 mil pessoas.

A Arena Multiuso, hoje HSBC Arena, espaço que abriga shows, também não serve para o que foi planejada no Pan, as competições de basquete. Um outro espaço será construído na área do autódromo, que, por sinal, concentrará boa parte das competições, todas com equipamentos novinhos em folha. O automobilismo carioca? Já era. Existe a promessa de construção de um novo autódromo em Deodoro. Alguém acredita que isso aconteça? Eu só acredito vendo.

Na cidade, as promessas feitas para 2007 foram renovadas para 2016. Despoluição da Baía de Guanabara, saneamento das Lagoas Rodrigo de Freitas, da Barra e de Jacarepaguá, corredores de ônibus e linhas de metrô. A estas surgiram novas promessas como a revitalização da zona portuária.

Como acreditar que agora tudo será feito se os que cuidam do Rio-2016 foram os mesmos do Pan-2007? O que poderia me fazer acreditar que agora será diferente, que haverá transparência e lisura com os gastos públicos para evitar que haja superfaturamento em mão de obra e até na compra de furadeiras, como apontou o TCU?

A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse logo após a vitória carioca que uma comissão especial será criada dentro da Controladoria Geral da União (CGU) para acompanhar a aplicação dos recursos e dar transparência aos gastos com as Olimpíadas. Na avaliação dela, o Brasil “aprendeu muito” com o Pan e, portanto, fará uma prestação de contas “mais transparente” durante as Olimpíadas.

É um bom sinal, mas há dois problemas. A ministra não tem uma eleição garantida no ano que vem, portanto seria necessário o comprometimento de outros postulantes a vaga do presidente Lula neste sentido. Além disso, como acreditar num governo que vem frequentemente criticando o trabalho de investigação do TCU por sugerir a paralisação de obras do PAC com suspeitas de irregularidades? Seria preciso um sinal mais claro do que uma declaração das boas intenções da ministra de que fará uma Olimpíada realmente transparente.

Agora o prefeito Eduardo Paes diz em entrevista ao Globo que vai criar um portal chamado “Transparência Olímpica” já a partir de quinta-feira que promete lançar na internet tudo o que for gasto público referente à Olimpíada. O prefeito também diz que fará as Olimpíadas de maneira adequada, impedindo que as contas estourem como no Pan. É um outro bom sinal que espero sinceramente que seja colocado em prática pelo prefeito e que o portal seja constantemente atualizado.

A transparência total foi cobrada pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) em entrevista à ESPN Brasil no dia da vitória da candidatura carioca. Eu também penso que esta é uma medida que deveria ser adotada a partir do primeiro prego comprado com a verba olímpica.

Miro, por sua vez, tenta criar uma CPI Mista para investigar gastos no esporte brasileiro. Ele chegou a conseguir as assinaturas necessárias para a criação da comissão, mas alguns deputados e senadores consideraram que ela seria um problema para a candidatura brasileira aos Jogos Olímpicos e retiraram as assinaturas, enterrando, pelo menos temporariamente, a investigação. Um sinal que transparência e lisura ainda é uma medalha longe de ser conquistada pelo Brasil.

Se por um lado as declarações do prefeito e da ministra apontam para a necessidade de se dar um (novo) voto de confiança, a história faz com que seja necessário inverter a lógica. Este blogueiro precisa ser convencido com atos e não mais com palavras daqui até 2016. Se realmente o Rio se transformar para melhor, mas sem que seja a qualquer custo, terei o maior prazer em dizer que estava errado, até porque eu vivo e trabalho nesta cidade. Porém entre o sonho de Barcelona e o pesadelo de Atenas, tendo a acreditar, por conhecer o Brasil, que o Rio está mais perto da Grécia do que da Espanha. É por isso que eu ainda não tenho motivos para sorrir com a vitória olímpica.

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