domingo, 25 de outubro de 2009

Alegoria sobre a intolerância

Diante da vasta produção cinematográfica na área da ficção científica, parecia quase impossível surpreender neste gênero onde Star Wars virou referência pop e “2001 - Uma Odisséia no Espaço” (1968) e “Blade Runner” (1982) são até hoje cultuados. Coube, no entanto, a um diretor estreante, o sul-africano Neill Blomkamp, dar uma renovada no gênero e mostrar quem nem tudo foi feito ainda ou, como certa vez já disse o cantor Lenny Kravitz sobre o rock and roll, “tudo já foi inventado e só nós restam fazer combinações diferentes das mesmas notas musicais”.

Alegoria do preconceito calcada na terra batida, sujeira e podridão de uma favela de sua Johannesburgo natal, “Distrito 9” utiliza a metáfora de uma civilização alienígena que é obrigada a viver por décadas entre nós devido a um problema em sua nave para mostrar como o medo e a intolerância com relação ao diferente são inerentes ao ser humano.

Tudo começa quando os “camarões”, maneira pejorativa como os aliens são chamados, são obrigados a viver numa área isolada dos humanos, que se sentem incomodados com a maneira de como eles consomem o lixo e com aquela nave gigantesca sob suas cabeças. O desconhecido traz o pavor e o confronto só cresce, trazendo de tudo um pouco - violência, corrupção, prostituição - numa área que vai se degradando. Tudo isso faz com que a Multi-Nacional Unida (MNU, na sigla em inglês, espécie de ONU fictícia do filme), organize uma nova área menor do que o Distrito 9 e incomodamente parecida com um campo de concentração para levar os aliens.

A maneira para levá-los não poderia ser mais impositiva. Fazê-los assinar – ou cuspir ou rasgar – um documento que os levará para a nova área, o Distrito 10. O responsável pela árdua e perigosa missão é Wikus Van De Merwe (Sharlto Copley), funcionário fracote e loser da MNU que ganhou a missão por ser marido do chefão do órgão.

É através dele que Blomkamp abordará os temas a que se dispõe neste seu trabalho. Mais do que física, a transformação de Van De Merwe é moral. De típico colonizador que poderia ter estado na linha de frente do apartheid sul-africano, ele passa a sentir na própria pele as conseqüências do que ajudou a criar na sua cegueira fundamentalista.

É aqui que se abre um cenário perfeito para muitos trilharem o fácil caminho da redenção e do filme que passa “uma mensagem” com direito a trilha sonora operística. Blomkamp prefere, contudo, enveredar por outras estradas menos edulcoradas, pois ele sabe muito bem, principalmente por vir da África do Sul, que o problema é muito mais complexo do que o desfecho água com açúcar mais esperança poderiam dar.

Filmado em tom de (falso) documentário e com um profundo realismo que fazem os alienígenas quase críveis, “Distrito 9” é ficção científica com pitadas de drama e enredo de filme de ação. A opção de Blomkamp por filmar com atores desconhecidos trouxe ainda mais veracidade à história, pois o impede de desviar o olhar para uma estrela que aqui não há a não ser a alegórica denúncia da intolerância humana. Nunca houve uma ficção científica tão palpável.

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