domingo, 27 de setembro de 2009

Um olhar impressionista sobre o amor

Um dos principais nomes da Nouvelle Vague, Jean-Luc Godard é um cineasta ainda em plena atividade 40 anos depois do lançamento do seu primeiro e um dos mais conhecidos filmes, “Acossado” (1959). Aos 78 anos, ele está finalizando “Socialism”, drama estrelado pela cantora Patti Smith que tem previsão de lançamento em 2010.

Enquanto aguardamos seu novo trabalho na expectativa que entre em circuito no país – o que não aconteceu com seus últimos filmes “Une catastrophe” (2008), “Vrai faux passeport” (2006) e “Notre Musique” (2004) – recebemos de presente do Festival do Rio deste ano a exibição de “Elogio ao Amor” (Éloge de l’amour, no original), filme de 2001, que esteve entre os concorrentes à Palma de Ouro do Festival de Cannes daquele ano.

Uma reflexão ora árida, ora impressionista sobre o amor em suas diferentes vicissitudes, passando, inclusive, pela dor – com o perdão da rima famélica – causado por ele, “Elogio ao Amor” é um joia lapidada por Godard há oito anos que terá apenas mais uma exibição na terça-feira, às 18h, no Instituto Moreira Salles.

Mais do que lapidada, esta joia de Godard é um convite a participar também da reflexão. Um chamamento a trabalhar nesta joia nos momentos em que o diretor francês lhe proporciona espaços, seja nas transições de cena, seja nos longos planos-sequência propositalmente, pois esta é uma característica dele, construídos em 1h37m de película.

A montagem descontínua e a valorização do contraditório em cenas que por vezes som e imagem não se coadunam pode causar desconforto e até expulsar o espectador menos afeito a experimentações de linguagem. Mas quando se vence essa barreira imposta pelo mainstream da produção audiovisual, “Elogio ao Amor” se torna um delicioso quebra-cabeças a ser montado com várias peças que se encaixam de diferentes maneiras. Afinal, como já disse o diretor certa vez, “um filme tem um começo, um meio e um fim, mas não necessariamente nesta ordem”.

No filme, o amor é traçado nas suas causas e conseqüências. Não há espaço para o ínterim, que é trabalhado na mente de quem o assiste e a partir das atuações dos atores presentes na tela. E quando a opacidade do preto e branco dá lugar a um forte colorido digno de uma tela de Claude Monet, com suas cores que suplantam o próprio formato das coisas e acabam impondo o limite dos objetos e da paisagem, é o Estado que entra na discussão.

Neste ponto, Godard, ainda que não esteja saindo do seu tema principal, abre espaço para uma forte crítica aos Estados Unidos quando afirma através de uma de suas personagens que o país não têm história nem mesmo uma identidade. Poderiam ser qualquer um, pois o México e o Brasil também são Estados unidos da América, ou ninguém. No centro da questão, a negociação da história de um casal que fez parte da Resistência contra os nazistas durante a II Guerra Mundial que está sendo comprada por um americano cheio de imposições para virar uma grande produção hollywoodiana.

Abre-se um leque a partir daí para criticar a produção cinematográfica norte-americana pautada em nomes de peso, roteiro facilmente assimilável e a tradicional apelação-chamariz: explosões e nudez, pois “em todo filme os artistas tem que ficar nus”, lamenta sua personagem-porta-voz.

Enquanto a “Orquestra Vermelha” toca - nada mais nada menos do que o barulho do mar ao por-do-sol - abrimos mais uma dobra nessa questão. A única motivação do casal para aceitar todas as imposições é o desejo de manter vivo justamente a sua história pelo hotel “Tristão e Isolda”, que existe há décadas. Décadas que formam decadência com o sufixo que faz a história pesar sobre a França e, pelo visto, vem sendo debatida nos últimos tempos, posto que este é um tema presente em “Horas de Verão” (2008), filme de Olivier Assayas que vimos neste ano no circuito. Ou foi apenas uma coincidência.

Estes desdobramentos vão acontecendo intercalados por mensagens inversas – Do Amor, Qualquer Coisa; Qualquer Coisa, do Amor -, cuja ordem dos fatores altera o produto e sibila a cena seguinte.

Por causa de sua nuances e riquezas, “Elogio ao Amor” é um filme daqueles para guardar com carinho e rever de quando em quando, pois sempre haverá um novo olhar a lançar sobre a película. E é impossível esgotá-lo num breve, embora ambicioso, post.


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