domingo, 1 de março de 2009

Reflexões sobre o Oscar

Se o Oscar de melhor filme pode servir de parâmetro da qualidade da produção cinematográfica – não que eu ache que seja, mas vou usar este critério apenas para este meu exercício retórico – acho que posso dizer que a qualidade dos filmes vem caindo gradativamente nos últimos anos.

Neste ano, pela primeira vez em muito tempo não vejo um filme excelente entre os que concorreram ao Oscar de melhor filme. Minha esperança é “Frost/Nixon”, que deve estrear por aqui neste mês. Os outros quatro trabalhos são ruins? Não, longe disse. Todos eles são bons filmes. O problema é que... são bons filmes e nada mais.

Até gostei bastante de “O Leitor” e “O Curioso Caso de Benjamin Button”, como já escrevi aqui, mas as duas películas não são aquelas que você compraria um DVD para guardar ou colocaria na sua lista de 500 melhores filmes de todos os tempos. São filmes 7,5 como é “Quem quer ser um milionário?”.

O trabalho de Danny Boyle não tem nada de genial, revolucionário ou qualquer coisa que o faça ser tão incensado pela mídia e pela própria Academia que lhe concedeu oito estatuetas. Isso significa que não merecia os prêmios? Claro que não. Mas se eles tivessem ido para outro filme (com exceção do prêmio de canção, que inegavelmente “Quem quer ser um milionário?” é melhor) também não teria sido injusto. Eu se tivesse poder de voto, teria dado para “O Leitor” (por enquanto, diga-se de passagem).

O filme de Boyle é uma fábula simpática sobre um jovem morador de uma favela de Bombaim que consegue 20 milhões de rúpias num programa de perguntas e respostas. Por ser um “slumdog”, um garoto da favela, alguns o consideram uma fraude, inclusive a polícia, que resolve aplicar o melhor método Capitão Nascimento nele para “arrancar a verdade”.

Não consegue. Jamal é extremamente sincero e consegue provar que as respostas para todas as perguntas do programa poderiam ser encontradas na sua vida sofrida, no que resume muito bem, aliás, porque o filme ganhou o Oscar de montagem e de roteiro adaptado.

A única motivação de Jamal é finalmente encontrar o seu grande amor de infância, Latika (Freida Pinto), e, novidade, viver feliz para sempre. Nada diferente de uma história de amor convencional. O que é peculiar é apenas o cenário: uma das favelas mais miseráveis do mundo, na Índia.

“Quem quer ser um milionário?” foi comparado em alguns momentos a “Cidade de Deus” (2002). Mas, sinceramente, tirando o fato de ele ser passado numa favela, haver traficantes e uma corrida de uma galinha logo no início da película - que pode ser uma citação ao trabalho de Fernando Meirelles – não vejo qualquer tipo de relação com o filme brasileiro. Não dá para ficar comparando todo filme que se passa na favela com “Cidade de Deus”.

O trabalho de Meirelles fala sobre o crescimento do tráfico em uma favela com o passar das décadas e o aumento da violência no Rio de Janeiro. Em “Quem quer ser um milionário?”, essa questão apenas permeia a história principal de encontros e desencontros de Jamal e Latika até o desfecho previsível e tomado de esperança. É brega? Talvez, mas funciona. Duvido que alguém saia do cinema dizendo que o filme é ruim.

Mas como eu ia dizendo, o Oscar vem mostrando a queda de produção dos filmes. Numa rápida comparação de 2005 para cá, podemos notar essa diferença. No Oscar de 2005, conquistado pelo ótimo “Menina de Ouro” (2004), havia outro filme excelente no páreo: “Em busca da Terra do Nunca” (2004), mais dois filmes muito bons, “Ray” (2004) e “O Aviador” (2004) e um quinto que eu não vi, mas foi muito elogiado na época, “Sideways – Entre umas e outras” (2004). Em 2006, o surpreendente e ótimo “Crash – No Limite” (2004) bateu adversários do peso de “Boa Noite, e Boa Sorte” (2005), “Capote” (2005) e “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005), além de “Munique” (2005), bom filme de Spielberg.

Em 2007, dois filmes muito acima da média. “Os Infiltrados” (2006), o vencedor da noite, e “A Rainha” (2006), concorriam com outros dois ótimos filmes, “Pequena Miss Sunshine” (2006) e “Cartas de Iwo Jima” (2006) e um quinto filme apenas médio, “Babel” (2006). E no ano passado, a obra-prima “Sangue Negro” (2007) perdeu o Oscar para “Onde os fracos não têm vez” (2007), ótimo trabalho dos irmãos Coen, numa disputa que teve ainda “Juno” (2007), “Desejo e Reparação” (2007) e “Conduta de Risco” (2007).

Só para ficar na comparação com a premiação do ano passado, nenhum dos quatro filmes que vi até agora é melhor do que os cinco que disputaram a estatueta de 2008.

“Milk”, por exemplo, também já em cartaz, é o pior de todos os trabalhos que vi de um diretor que gosto muito, Gus Van Sant. Citar “Elefante” (2003), “Last Days” (2005) e “Paranoid Park” (2007) seria covardia, pois “Milk” não é superior sequer aos filmes mais convencionais de Van Sant como “Encontrando Forrester” (2000) e “Gênio Indomável” (1997).

Ao reviver a trajetória do político Harvey Milk, o primeiro gay a conquistar um cargo público em São Francisco, Van Sant, que optou por um filme mais linear e talvez por isso concorreu a oito estatuetas no Oscar, acabou fazendo um filme comum. Ele tem suas qualidades, mas não entra como um trabalho obrigatório na filmografia de Van Sant, bem mais rica do que “Milk” pode sugerir.

O trabalho acabou faturando as estatuetas de roteiro original e ator, para Sean Penn, este o grande pecado da noite. Penn é um ótimo ator, mas esta está longe de ser sua melhor atuação. Principalmente se lembrarmos que a sua primeira estatueta foi por “Sobre meninos e lobos” (2004), este sim um trabalho maiúsculo.

Ficou provado mais uma vez que o Oscar é uma premiação política e que concede suas estatuetas para tipos específicos de filmes. Penn, o ator machão que conseguiu fazer uma bichona que beijava muito o namorado Scott Smith (James Franco, este sim uma surpresa positiva no filme), deu a sua dose de sacrifício digna de Oscar, como já fizera Nicole Kidman ao “ficar feia” para viver Virgínia Woolf em “As Horas” (2002). Levou a estatueta. Em que pese a excelente atuação de Mickey Rourke em “O Lutador”. Mas Rourke é um bad boy que maltratou muita gente em Hollywood. E a vingança é um prato que se come frio, já dizia o ditado. É a política, estúpido. Uma pena. Embora Rourke não precise de uma estatueta de Oscar para que seu trabalho seja reconhecido como grande, ele foi um injustiçado na noite.


De resto, diante da concorrência, o Oscar deste ano me deixou a impressão de que “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, que faturou apenas os prêmios de edição de som e ator coadjuvante para o finado Heath Ledger, e não concorreu às principais láureas, merecia melhor sorte. O filme de Christopher Nolan é melhor do que os quatro que vi até agora, mas a Academia preferiu deixá-lo caminhando (e faturando alto) nas trevas.

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