segunda-feira, 23 de março de 2009

Sofrendo de felicidade com o Radiohead

Todos os que lêem este blog com alguma freqüência sabem da minha campanha contra o lead, esta medida reducionista do jornalismo contra a boa arte. Mas desta vez e pela primeira vez, subvertendo as leis do blog, darei o lead do que foi o show do Radiohead na sexta-feira na Apoteose. Para isso, tomarei emprestado uma frase dita em bom português pelo guitarrista Ed’Obrien e direi que “foi bom para caralho”.

Dito isto, vamos ao texto.

Com 17 anos de existência e sete álbuns de estúdio lançados, o Radiohead pisou pela primeira vez no Rio de Janeiro na sexta-feira para a turnê de lançamento de seu mais recente disco, “In Rainbows”. A longa espera se refletia na ansiedade do público presente, nos rostos de felicidade, na sensação de que se estaria diante de algo histórico – uma garota ao meu lado chegou a dizer “Cara, está todo mundo aqui”. Todo mundo, leia-se, são os amigos dela de faculdade (a PUC) – e na preocupação com o que estaria presente no set list.

“Fake Plastic Tree” tem que entrar. “There There” também. Será que eles vão tocar “Creep”? Eles não vêm tocando essa música na turnê, mas disseram que por ser a primeira vez no Brasil, poderia ser incluída. Tomara”, revelou um ansioso rapaz, que acredito que tenha saído satisfeito com o desvendar do set durante as 2h15m de espetáculo.

Esse era o clima da agradável noite de sexta-feira. Entre copos de cerveja e insossos cachorros-quente e hambúrgueres, cujo sabor de isopor faria inveja aos melhores cozinheiros do McDonald’s, os mais de 20 mil espectadores da Apoteose aguardavam olhando no relógio, fazendo contagem regressiva para a entrada do Radiohead no palco.

Mas havia duas atrações no meio do caminho. No meio do caminho havia duas atrações para esquentar a galera enquanto o headliner não entrava no palco. Headliner apenas pela ordem dos shows, pois para muita gente, importante mesmo era o Los Hermanos, que voltavam após um hiato de dois anos em que Marcelo Camelo lançou o elogiado disco “Sou” e Rodrigo Amarante criou o Little Joy com o batera do Strokes, Fabrizio Moretti, ou os homens-robôs alemães do Kraftwerk, que pelo que notei tinham até torcida organizada. Vi várias camisas do grupo.

“Gostei mais do show do Kraftwerk”, disse-me um. “O show do Kraftwerk foi bom demais”, contou-me outro no ônibus de volta a Niterói.

Dois exemplos de que gosto não se discute (para muitos até, se lamenta). Entendo a importância do Kraftwerk para a música, como já escreveram alguns dos críticos que considero os mais importantes, mas, porém, contudo, todavia, aquilo é muito chato. Gosto de música e não consigo ver quatro caras parados em frente a computadores ou seja lá o que estava na mesa deles no palco, fazendo barulhinhos e repetindo palavras em inglês, alemão ou francês enquanto apareciam diversas imagens no telão.

Podem-me chamar de preconceituoso, mas isso para mim não é música. Música tem que ter instrumentos, gente cantando, tocando, interação com o público (e não apenas um “thank you” e “good night”). Me senti numa boate, numa rave, em qualquer lugar menos num show de rock.

Enfim, o Kraftwerk serviu apenas para treinar o ouvido para futuras provas de alemão. Aliás, se minha professora estiver lendo isso, aprendi que Kraftwerk é usina de energia elétrica. Tanta energia e meu deu um sono danado ver aquilo. Serviu apenas de trilha sonora para o lanche de qualidade já descrita.

Mas antes dos alemães, havia os Hermanos. Foi comovente ver muita gente em transe, outros tantos que ainda entravam na Apoteose correndo aos primeiros acordes de “Todo carnaval tem seu fim”. Vi mulheres se acabarem de dançar, marmanjos cantando todas as letras. Acho emocionante ver fãs tão devotados a sua banda. Eu também sou um fã e sei como é isso.

Por causa de tudo isso, acho que o público merecia um tratamento melhor dispensado pela banda. Salvo uns “vocês são do caralho” de Camelo, e uma brincadeirinha de Amarante enquanto afinava sua guitarra, os Hermanos foram frios, distantes, quase como se estivessem ali por obrigação. Sabe banda contratada para festa de empresa? Mais ou menos por aí. Aliás, o resumo da ópera foi Camelo dizendo que “acho que já deu o tempo”, em referência a 1h15m que eles tinham para tocar.

E quem diz não sou só eu, alguém que não trata os Hermanos como religião, mas que gosta da banda. Meu amigo Fábio, presente no espetáculo e fã da banda, disse o mesmo. Outro crítico que respeito e também amigo, Luiz Felipe Reis, escreveu sobre algo semelhante no seu blog, o “Radar Pop”. Foi, portanto, uma volta esquisita. Talvez fosse melhor ter ficado em casa.

Mas estes foram apenas aperitivos para o que haveria de mais importante na noite. O Radiohead entra no palco com a discrição que passeou no Rio de Janeiro nos dias de folga pré-show. A diferença é a ovação do público que foi saudado com “15 Step”, do disco “In Rainbows”.

Dali para frente seriam mais 24 passos e todas as fases da banda repassadas no palco. Não houve disco que não estivesse representado na noite. De “Pablo Honey” (1993), passando por “The Bends” (1995), o clássico “OK Computer” (1997), os complexos “Kid A” (2000) e “Amnesiac” (2001) até “Hail to the Thief” (2003).

Quem ainda não tinha escutado o novo álbum, saiu conhecendo o disco inteiro. Sim, enquanto soltava pílulas do passado, o Radiohead executou todas as dez faixas de “In Rainbows”. Todo o álbum é bom, mas gostei mais de “15 Step”, “All I Need”, “Reckoned” e “Weird Fishes/Arpeggi”.

Thom Yorke (voz), Jonny Greenwood (guitarra), Colin Greenwood (baixo), Ed O’Brien (guitarra) e Phil Selway (bateria) são ainda melhores ao vivo do que nos discos. Se nos álbuns, ouve-se a voz melancólica de Yorke de quem está sofrendo de morte, no palco, ela é amplificada, mas ganha as cores, a textura de um vocalista que se mexe quase como um showman. Nem parecia o frontman de uma banda marcada por suas composições tristes.

Os demais membros, porém, fazem jus à postura até certo ponto blasé da banda e são econômicos nos movimentos deixando apenas que a potência do seu som fale por si. E precisa mais do que isso? O repertório do Radiohead é impecável, ainda que a galera tenha começado a se empolgar apenas a partir da quinta música, “Karma Police”.

Mas isso é natural. O Radiohead não é uma banda de refrões grudentos nem de letras fáceis de assimilar. Das canções apresentadas, talvez só “Karma Police” e “Creep” tenham frases que a galera consegue levar.

Não é, portanto, uma banda para a galera fazer coro, mas para apreciar como um grande concerto. Embora em diversos momentos, o povo tenha conseguido suplantar estas “dificuldades”. Um dos momentos mais emocionantes, por exemplo, foi no coro de “Paranoid Android” (cujo vídeo você pode ver abaixo), que até fez Yorke e O’Brien sorrirem. É o tipo de emoção que só a platéia brasileira, principalmente a carioca, consegue passar. Cantam a plenos pulmões e apaixonadamente. Até um casal estrangeiro do meu lado ficou boquiaberto.

E não tinha sido a primeira vez na noite que a banda reagira bem a uma manifestação da platéia. Em “Karma Police”, o refrão a mais cantado por Yorke já no final foi certamente uma reverência ao público.

Do “Ok Computer”, o Radiohead ainda cantou a ótima “No Surprises” e “Airbag”. Foi o segundo disco em número de músicas do set junto com “Kid A”, que veio com “National Anthem”, “Idioteque”, “How to disappear completely” e “Everything in its right place”.

Cada música, aliás, tinha um jogo de luzes específico num palco que contava ainda com um telão que se dividia em quatro mostrando nuances da banda. Detalhes da interpretação de Yorke, os acordes de Jonny e O’Brien, a maneira como Selway toca. Era tanta informação que ficava difícil escolher para onde olhar. A performance da banda como um todo ou os detalhes que os músicos e apaixonados por música gostam de ver? Dúvidas cruéis numa apresentação absolutamente rica e com direito a dois bis.

Foi durante o primeiro bis que O’Brien soltou a frase que eu reproduzi lá em cima. Eles pareciam realmente felizes com o retorno da platéia carioca. Talvez seja por isso – ou já tendo esperado isso – que resolveram incluir no set a mais clássica de suas músicas. “Creep” foi a única canção do “Pablo Honey” na noite, mas era aguardadíssima.

“Toca Creep”, gritou um maluco atrás de mim que quase me deixou surdo. “Eles não vão tocar Creep”, disse outro, resignado, embora feliz com o show, ao ver que a apresentação já caminhava para o fim.

Realmente “Reckoner” parecia ter sido a última canção da noite. Yorke largou a guitarra, fez os agradecimentos. Mas logo depois, Jonny Greenwood puxou os acordes que fizeram o Radiohead mundialmente conhecido. Um presente da banda para o público que a emocionou. Assim, a platéia pôde deixar a Apoteose de alma lavada. E da mesma maneira que entrou no palco, o Radiohead saiu. Discretamente e intensamente aplaudido por um público que acabara de ver um senhor show de rock.

Abaixo o set list completo e mais embaixo, alguns dos melhores momentos do show colhidos no YouTube:

15 Step (In Rainbows)
Airbag – (OK Computer)
There There – (Hail to the Thief)
All I Need – (In Rainbows)
Karma police - (OK Computer)
Nude - (In Rainbows)
Weird Fishes/Arpeggi -(In Rainbows)
National Anthem - Kid A
The Gloaming - (Hail to the Thief)
Faust Arp - (In Rainbows)
No Surprises - (OK Computer)
Jigsaw Falling Into Place - (In Rainbows)
Idioteque – (Kid A)
I might be wrong – (Amnesiac)
Street Spirit – (The Bends)
Bodysnatchers - (In Rainbows)
How to disappear completely – (Kid A)
Videotape - (In Rainbows)
Paranoid Android - (OK Computer)
House of Cards - (In Rainbows)
Just - (The Bends)
Everything In Its Right Place – (Kid A)
You and whose army – (Amnesiac)
Reckoner – (In Rainbows)
Creep – (Pablo Honey)

"Creep"

"Paranoid Android"

"Karma Police"

"Reckoner"

"All I Need"

"No Surprises"

3 comentários:

Luiz Felipe Reis disse...

Fiel defensor do fim do lead (como você), dou total apoio ao emprego deste aqui. Realmente ele tem o que dizer. Faz parte da arte, do momento, da espera pelo que vem adiante. Obrigado pela citação e pelo ótimo texto! Hermanos foram, sim, burocráticos. Radiohead, marcante.

Abs!

Anônimo disse...

Para uma banda tão incomum no seu som, eu precisava subverter as regras para me aproximar deste nível.
abs

Anônimo disse...

Nice