sábado, 14 de junho de 2008

A natureza dá o troco

Os leitores que ainda acompanham esse blog (Cabe até um censo. Serão ainda sete?), sabem o quanto eu sou fã do cineasta indiano M. Night Shyamalan. Já o chamei aqui neste espaço de gênio, de homem que subverte as leis do suspense, de arauto da renovação deste gênero e um seguidor de Alfred Hitchcock (embora eu nunca o tenha escutado dizer isso). Seus roteiros criativos e sempre surpreendentes me deixam fascinados desde o desconhecido “Wide Awake” (1998) até “A dama na água” (2006), passando pelo melhor dos seus filmes, seu masterpiece, “O Sexto Sentido” (1999). Sou, portanto, um incondicional apaixonado pelo seu trabalho.

É exatamente por ser do time que o ama que me sinto a vontade para dizer que em “Fim dos Tempos”, seu mais novo filme, Shyamalan errou a mão. Não que o filme estrelado por Mark Wahlberg seja ruim. É, para criar um neologismo, “assistível”. Apenas, porém, não é o padrão Shyamalan no qual estamos acostumados.

Acredito ser uma questão do roteiro escrito pelo indiano, com passagens pouco inspiradoras, por vezes infantis, e em outros momentos com situações constrangedoras (não dá para agüentar Wahlberg conversando com uma planta de plástico). Mas é impossível acertar sempre. Não cabe crucificá-lo e taxá-lo de acabado porque um trabalho razoável dele, como é “Fim dos Tempos”, é ainda superior a muita coisa que vejo por aí.

Neste filme que eu vou rotular como um terror ecológico, a natureza resolve contra-atacar. Depois de milênios de destruição, os humanos recebem o mesmo tratamento genocida que eles dão aos outros seres vivos. Assim, de repente e sem qualquer motivo, eles passam a cometer suicídios. Digamos que a natureza resolveu fazer uma limpeza étnica sem muito critério. A explicação está lá em toxinas e outras “cositas mas” que não me cabem descrever, pois estaria contando a história (algo mortal em filmes de Shyamalan). Mas posso adiantar que os ambientalistas radicais vão adorar a película.

Dentro dessa história surreal em que desta vez não há reviravoltas, ainda podemos encontrar todos os elementos estilísticos que fizeram de Shyamalan um sucesso. Detalhes como a "incômoda" trilha sonora acompanhada pela câmera em tom pausado sempre a descobrir um novo e surpreendente enquadramento (e diante do background dos filmes anteriores, sempre se espera algo dela), os sustos (ah os sustos!), a relação fé-ciência/razão, e a presença de Shyamalan escondido em algum lugar bem ao estilo Hitchcock. Mas dessa vez, ele foi bem mais comedido do que em “A dama na água”, quando assumiu um protagonismo que incomodou muita gente. Eu, por exemplo, pela primeira vez não desvendei sua presença no filme. Só pesquisando depois.

Tudo isso suscita uma questão que eu já adianto não ter resposta. Pois, se como diz Umberto Eco, “a obra é aberta”, a interpretação é multifacetada e sem verdades absolutas.

E o que coloco em questão aqui em “Memórias da Alcova” é o seguinte: Teria Shyamalan se tornado refém do seu estilo?

Muitas das suas marcas registradas listadas acima (com exceção para o truque de câmera), parecem ter sido colocadas como se fossem para mostrar que aquele era um filme de Shyamalan. E por isso parecem um tanto quanto artificiais. Além disso, não embasam o roteiro ou são auxílio à história. É como se o diretor estivesse dizendo à sua platéia: como vocês podem perceber, este é um filme meu.

Claramente percebemos isso numa cena dos já famosos sustos que ele gosta de promover (eu pelo menos pulei da cadeira). Era necessária aquela cena? O que ele quis dizer com aquilo? Não sei informar e não passa pela minha cabeça qualquer tipo de especulação. Mas foi a partir deste ponto que me encontrei diante dessa questão. Aguardemos o seu próximo trabalho para saber se terei uma resposta ou se “Fim dos Tempos” foi apenas um momento natural de queda numa elogiável filmografia.

Apesar de tudo vale a pena ver “Fim dos Tempos”. Sem querer ser contraditório, Shyamalan tem uma marca e é sempre bom ver diretores que sejam o mais próximo de serem considerados autorais. Espero que ele continue lapidando daquela cabeça louca roteiros ainda mais criativos e surpreendentes, mesmo que por vezes tenha que pisar na bola, pois isso acontece até com os gênios.

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