domingo, 10 de fevereiro de 2008

Novos tempos

Depois de "Conduta de Risco" e "Desejo e Reparação", hoje é a vez de analisar o terceiro dos cinco trabalhos candidatos ao Oscar de melhor filme. Abaixo, a crítica de "Onde os fracos não têm vez":

Se existisse uma maneira de o cinema contar em ordem cronológica a história do mundo, e dos Estados Unidos em particular, “Onde os fracos não têm vez” seria, provavelmente, um elo perdido entre a América do século XIX, com seus cowboys e bandidos, aquela de “O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford” (2007) e a América do século XXI, com seus “jovens de cabelo verde e prego na boca”, como diz o xerife de El Paso vivido Rodger Boyce em um trecho do filme.

E nesta ponte entre os dois mundos, o xerife Ed Tom Bell (um soberbo Tommy Lee Jones) seria ao mesmo tempo consciência crítica, um vetor que indica as mudanças e um canal de lamentações, nostálgico mesmo, pelo passado que não volta jamais.

Mais do que a consciência crítica do filme ou de um período histórico perdido no passado, porém, Ed Tom Bell é a visão crítica da América atual. Por trás de seu olhar triste e conformado de um xerife que já se encontra em idade avançada e, vendo que não faz mais parte desse mundo, decide se aposentar, e dos inteligentes diálogos (e monólogos) escritos pelos irmãos Coen, Ed lamenta a banalização da violência neste semi-western que pode finalmente render aos diretores um Oscar de melhor filme, uma vez que eles já ganharam uma estatueta de roteiro por Fargo (1996).

Além desta categoria, eles ainda concorrem ao prêmio de direção, roteiro adaptado e somam mais cinco outras indicações, um recorde deste ano ao lado de “Sangue Negro”, de Paul Thomas Anderson, que estréia na próxima sexta-feira.

Da caneta dos Coen e da atuação de Tommy Lee Jones, o que há de melhor num filme cheio de predicados, é mostrado o quanto ficamos tolerantes demais com a violência e o quanto ela é comum na nossa vida. Não é a toa que eles dizem que está não é uma terra para velhos homens – “No country for old men”, no título original do filme – uma vez que o tempo em que os xerifes eram a lei mesmo sem ter armas passou. Não há mais espaço para velhos hábitos e costumes e os próprios xerifes estão com os dias contados. Seu espaço se resume a tradicionais pedaços do país como o Texas.

Os tempos modernos são estranhos para Tom Bell que não entende porque as pessoas riem de crimes sanguinários ou bárbaros cometidos por motivos banais.

Se Tom Bell é a consciência crítica, Anton Chigurh (Javier Bardem em outra marcante interpretação) é o vetor dessa “nova” maldade. A pura violência, o sadismo, o resultado dos tempos em que matar é tão comum e banal quanto tomar o café da manhã. Ele é uma máquina exterminadora de vidas que terminará o serviço que lhe foi incumbido custe o que custar, mesmo que seus problemas estejam resolvidos.

Num momento em que as coisas dão errado numa negociação, Chigurh é apenas movido pela necessidade de eliminar aqueles que o incomodaram e recuperar uma mala com US$ 2 milhões.

É nesse ponto que entra em cena Llewelyn Moss (Josh Brolin). Veterano da guerra do Vietnã e exímio atirador, ele está aposentado e não tem muito mais o que fazer na sua vida ao lado da esposa Carla Jean Moss (Kelly MacDonald). É quando vê na mala de dinheiro a chance de mudar de vida.

Acontece que ele estava no lugar errado, na hora errada e toma decisões erradas. São elas que o fazem ser perseguido não apenas pelo frio e doentio assassino Chigurh, mas pelos mexicanos que fariam a transação trocando aquele dinheiro por pacotes de drogas. Perseguido pelos traficantes e Chigurh, Moss terá que lutar para sobreviver no meio desse novo caos em que “tudo hoje em dia são dinheiro e drogas”, lamentam mais uma vez Tom Bell e o xerife de El Paso.

Realmente o Texas não é mais o mesmo e a América e o mundo não são mais o mesmo. E o resultado da jornada de Llewelyn não é a esperada por todos. O mundo é um pouco diferente do cinema, talvez os diretores queiram dizer, e nada é comum nos filmes dos irmãos Coen.

Um dos melhores trabalho dos irmãos diretores, “Onde os fracos não têm vez” não aponta apenas para o lado banal da violência, mas também para a maneira anestésica, burocrática e passiva com a qual lidamos com ela hoje. Não que os irmãos Coen sejam defensores dos tempos do Velho Oeste, quando tudo se resolvia na base do olho por olho, dente por dente. Esse, aliás, é o filme, digamos, mais sanguinário deles. Apenas usam a história como ferramenta de contraponto.

É difícil prever se “Onde os fracos não têm vez” ganhará o Oscar. No entanto, a cada vez que Tommy Lee Jones entra em cena interpretando um texto impecável, o filme parece mais perto da estatueta.

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