domingo, 24 de fevereiro de 2008

Assim caminha Paul Thomas Anderson

Finalizando a série de análises sobre os trabalhos candidatos ao Oscar de melhor filme, hoje é a vez de “Sangue Negro”, de Paul Thomas Anderson. Nas últimas quatro semanas foram analisados “Conduta de Risco”, “Desejo e Reparação”, “Onde os fracos não têm vez” e “Juno”. A premiação é neste domingo e apontar um favorito é dificílimo, uma vez que todos os cinco filmes são muito bons. Prefiro, assim, não arriscar. Semana que vem comentarei o resultado final do Oscar. Vamos à crítica de “Sangue Negro”.

Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis numa atuação não menos que perfeita) é um prospector de petróleo sem escrúpulos numa indústria que ainda infante já produz homens sem qualquer ética a cada poço que começa a jorrar em cada buraco dos Estados Unidos. Rico e essencialmente um homem solitário, Plainview nutriu por anos um ódio pela humanidade não desvendado, mas que provavelmente tem relevo em sua família, que ele abandonou no passado.

Sua vida é o petróleo. E é este ouro negro que o fará um homem milionário possibilitando o seu afastamento definitivo destes incômodos de lidar com a população e negociadores tão venais quanto ele.

Conhecedor das minúcias e das fraquezas da humanidade, Plainview adota o filho de um empregado que morreu numa de suas escavações e o apresenta como H.W. Plainview (Dillon Freasier), seu filho e seu sócio, faz questão de frisar. Afinal, a prospecção de petróleo é um negócio de família como lhe convém ressaltar aos incautos que pretende comprar as terras a preço barato para perfurar. Um rosto bonito é o que ele precisa para facilitar seus negócios.

Assim Plainview vai seguindo a trilha do ouro negro até chegar ao rancho da família Sunday, onde o jovem Eli (Paul Dano em atuação perturbadora) quer aproveitar a visita do empresário para arrecadar fundos para a igreja que comanda como pastor.

Plainview e Eli são protagonistas do início de uma indústria que causaria perdas, danos e batalhas de gente grande em mais de um século e que até hoje gera guerras e disputas territoriais. Eles são o nascedouro de um problema e uma solução milionário que diretor e roteirista Paul Thomas Anderson retrata no espetacular “Sangue Negro”.

Com oito indicações ao Oscar, recorde deste ano ao lado de “Onde os fracos não têm vez”, “Sangue Negro” é a obra-prima de Anderson com potencial de se tornar um clássico do cinema.

Com uma trilha sonora minimalista, de digestão difícil e que por vezes causa incômodo e estranheza – o que guarda semelhança com alguns clássicos de Stanley Kubrick, como “Laranja Mecânica” - feita pelo guitarrista do Radiohead, Jonny Greenwood, “Sangue Negro” tem todos os ingredientes para ser este clássico. Entre eles, direção e roteiro impecáveis, personagens densos e marcantes e uma atuação visceral de Day-Lewis, uma barbada para o Oscar de melhor ator neste ano.

O ator inglês, aliás, é um capítulo a parte nesta história. Costuma-se dizer - e é verdade - que não há filme ruim que tenha a presença de Johnny Depp nos créditos. O mesmo vale para Day-Lewis, que tem a capacidade de escolher personagens com a mesma maestria que seu colega americano e nos deixar figuras tão marcantes como o açougueiro Bill “the butcher”, de Gangues de Nova York (2002), ou Christy Brown, de “Meu pé esquerdo” (1989), trabalho que lhe rendeu seu único Oscar.

Day-Lewis é capaz de se transformar a cada trabalho que filma. O ator deixa a impressão de que em nenhuma película há qualquer traço de sua personalidade. É como se deixasse o corpo e vivesse naqueles meses de gravação aquela nova vida. É trabalho de craque. Coisa de indivíduos que estão no topo como o próprio Depp, Al Pacino, Russel Crowe ou Denzel Washington, só para fica em alguns exemplos. No caso de Plainview parece que o ator viveu anos como prospector de petróleo até resolver virar ator de tanto que ele parece ser dono da cena.

Ter alguém tão especial para ser o protagonista do filme foi uma ajuda e tanto para Paul Thomas Anderson que fez de “Sangue Negro”, baseado no livro “Oil”, de Upton Sinclair, uma espécie de novo “Assim caminha a humanidade” (1956), épico de George Stevens que tinha no elenco Rock Hudson, Elizabeth Taylor e James Dean.

Assim como “Sangue Negro”, “Assim caminha a humanidade” abordava uma série de temas nas relações humanas – no caso deste a dissipação moral, o racismo, a opressão da mulher e o conflito entre a aristocracia e os novos ricos - através de duas gerações e tinha um homem ambicioso: Jett Rink, vivido por James Dean, que sai do nada para se tornar um rico empresário do ramo do petróleo. Assim como Rink, Plainview não nutre qualquer compaixão por outras pessoas e faz do seu negócio a sua vida. E tenta se afirmar sempre que tem seus conceitos desafiados.

São semelhanças entre dois grandes filmes (na qualidade e no tamanho 2h39m para o trabalho de Anderson e 3h21m para o de Stevens) que dão pistas de que fontes Paul Thomas Anderson tem bebido ultimamente para ir se transformando gradativamente no diretor fundamental que deve virar em pouco tempo se prosseguir com filmes cada vez mais consistentes e singulares.

Aos 37 anos, Paul Thomas Anderson já tinha na bagagem dois trabalhos que chamavam a atenção: “Boggie Nights” (1997), que conta parte da história da indústria pornográfica a partir dos anos 70, e “Magnólia” (1999), uma novidade do ponto de vista da narrativa fragmentada que virou moda em filmes como “Crash” (2004) e uma marca registrada nos trabalhos do diretor Alejandro Gonzalez Iñarritu, realizador de “21 gramas” (2003) e Babel (2006). Mas é com “Sangue Negro” que Paul Thomas Anderson atinge, no entanto, um novo patamar. O mesmo em que se encontram Kubrick, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Alfred Hitchcock, entre outros. O Oscar tem tudo para finalmente consagrá-lo e só depende dele para se manter no topo.

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