segunda-feira, 8 de março de 2021

“WandaVision” e o ciclo do luto

Wanda teve que superar muitas perdas para seguir em frente

Wanda Maximoff nunca foi escada para ninguém. Uma das heroínas mais poderosas do Universo Marvel, a personagem interpretado no cinema (e agora na TV/streaming) por Elisabeth Olsen sempre teve luz e arcos narrativos próprios nas histórias em quadrinhos. Mas por oito semanas a internet, esta entidade composta por inúmeros seres humanos com diferentes graus de impaciência teimou em encontrar um plot maior e grandioso. Maior do que a Wanda. Acontece que “WandaVision”, que teve o seu nono e derradeiro episódio indo ao ar na sexta-feira passada sempre foi sobre ela: Wanda Maximoff. E que jornada a Feiticeira Escarlate teve.

(Atenção para potenciais spoilers a partir de agora)

Podemos tirar muitas interpretações para a nova produção do Universo Cinematográfico da Marvel. Há ótimos textos tratando de empoderamento feminino (aqui) e aspectos mais técnico/narrativos (aqui) espalhados pela internet.

Sem entrar em um, e resvalando um pouco em outro, quero abordar o que, para mim, foi o mais interessante na série: a discussão sobre o ciclo do luto dentro de uma obra enraizada num projeto de cultura de massa e num universo tão popular como o da Marvel.

Usando a sua tradicional roupagem pop, ou a chamada “fórmula Marvel”, “WandaVision” usou a história de dor de Wanda Maximoff para tratar de temas importantes dentro da psicologia e psicanálise: o luto.

Deixando os quadrinhos um pouco de lado, a história de Wanda no Universo Cinematográfico da Marvel é de muita dor. Perdeu os pais na infância em Sokovia, o irmão assassinado em “Vingadores: Era de Ultron” (2015) e o seu grande amor, o Visão, morto em “Vingadores: Guerra Infinita” (2018). Com tantas perdas. Wanda tornou-se uma personagem absolutamente quebrada e sofrendo de um profundo sentimento de pesar, de tristeza.

Em “Luto e Melancolia” (1917), o psicanalista Sigmund Freud, descreve o luto como a “reação à perda de uma pessoa querida ou de uma abstração que esteja no lugar dela, como pátria, liberdade, ideal, etc..” No estado de luto, “é o mundo que se tornou pobre e vazio”.

É nesse estado que encontramos Wanda em boa parte da série. Porém, dotada de poderes que alteram a probabilidade, Wanda resolve preencher a sua vida com uma grande história de negação, isolando e escravizando uma cidade inteira do subúrbio de Nova Jersey em torno da sonhada vida perfeita que ela tanto desejou ter ao lado do Visão (Paul Bettany) e que lhe foi tirada pelo vilão Thanos em “Guerra Infinita”. Na cabeça de Wanda, negaram-lhe a felicidade. E ela sequer teve o direito de enterrar o corpo de seu amado. Assim, ela se rebela criando a sua própria realidade confortável num hexágono em torno da cidade de Westview, e que foi apelidado de “hex” pela doutora Darcy (Kat Dennings).

E aqui temos que puxar uma outra psicanalista para a história. Trata-se da suíça Elisabeth Kübler-Ross. Foi ela quem identificou os cinco estágios do luto, ou da perspectiva de morte, que viraram base para toda a estrutura narrativa da série. As cinco fases são as seguintes:

Negação — O indivíduo nega o problema, busca maneiras de não entrar em contato com aquela realidade e a pessoa não quer falar sobre o assunto.

Raiva — Aqui o indivíduo se revolta com o mundo, sente-se injustiçado e não se conforma com o que está passando.

Barganha — É o início do ponto de virada, quando a pessoa quer sair daquela situação, começa a entender o problema e faz promessas de melhora a si mesma.

Depressão — É o estágio mais profundo, quando o indivíduo se isola, retira-se para o seu mundo interno e, por vezes, é tomado por melancolia, aém de sentir-se impotente diante da situação difícil em que vive.

Aceitação — O indivíduo finalmente enxerga a realidade como ela realmente é. E está pronto para enfrentar o problema.

Nem todas as pessoas passam por todos os estágios determinado por Kübler-Ross. Mas é interessante notar que, voltando a “WandaVision”, a série foi estruturada para que Wanda passasse por todos eles, mesmo que fosse momentaneamente.

Se tivéssemos que separar os estágios por episódios, embora correndo o risco de ficar excessivamente esquemático, o que a série nunca demonstrou ser, teríamos a seguinte sequência:

Episódios de 1 a 3 — O estágio de negação. Aqui vemos Wanda mergulhada profundamente em sua sitcom, que reflete os seus shows americanos favoritos, produzidos entre os anos 50 e 70. Sitcons estas que ela acompanhava em DVDs em sua infância pobre em Sokovia. Enquanto passeamos por referências a “Dick van Dyke Show” (1961–66) e “Jeannie é um gênio” (1965–70), vemos uma Wanda esforçando-se para manter aquela realidade paralela intacta, apesar das investidas de Mônica Rambeau (Teyonah Parris) e da própria SWORD.

Episódios 3 a 5 — O estágio da raiva. A partir do final do terceiro episódio, quando Wanda expulsa Mônica do Hex, e até o quinto, quando ela enfrenta a SWORD, temos a raiva. Wanda odeia a tudo e a todos é até se vê como uma vilã, quando questionada sobre os males que estava cometendo. Afinal, ela só quer viver isolada de todo o resto em sua vida pseudo-perfeita.

Episódios 5 e 6 — Aqui temos a barganha. Já no final do episódio 5, Wanda começa a se questiona sobre tudo aquilo em que está acontecendo. É neste episódio que surge Pietro (Evan Peters), mas não o seu irmão assassinado em “Era de Ultron”, mas outra pessoa com o mesmo nome e mesmos poderes do seu irmão morto. Porém, duas coisas não batem: Pietro nunca esteve “escalado” por ela para a sua sitcom, sitcom esta que começa a apresentar “falhas de roteiro”, com gags estranhas e comentários unortodoxos de personagens como Agnes (Kathryn Han) e do próprio Visão.

Episódios 7 e 8 — Estágio da depressão. Especialmente no episódio 8, quando temos referências a “Modern Family” (2009–2020) e “The Office” (2005–2013), vemos Wanda mergulhada profundamente na sua dor. Sem querer sair da cama e querendo ficar sozinha (ela nem se incomoda em deixar os filhos com Agnes), sequer procura pelo Visão e sente-se impotente e triste enquanto vê o seu outrora mundo perfeito sofrer profundas falhas, mudando de eras a cada instante. E aqui que vemos uma das frases mais marcantes da série sobre o luto, quando o Visão se dirige a Wanda afirmando: “O que é o luto se não o amor que perdura”.

Episódio 9 — O estágio final, a aceitação. Depois de ser desafiada por Agatha Harkness, que se revela como a vilã da série, aqui Wanda compreende e aceita a sua realidade. Ela não pode viver aquele conto de fadas enquanto mantém uma cidade inteira refém da sua dor, e sofrendo profundamente junto com ela. Wanda completa o seu ciclo, reagindo a dor, aceitando a morte do Visão e que não terá de fato filhos com ele e precisa buscar um novo propósito na sua vida. É neste momento que ela vê amplificar os seus poderes e agora precisará entendê-los, dando-lhe um novo propósito enquanto bruxa e uma das bruxas mais poderosas da história dentro daquele universo. Mas não sem antes se despedir do Visão dirigindo-se a ela com as seguintes palavras: “Você é minha tristeza e minha esperança. Mas principalmente você é meu amor”.

E assim Wanda entendeu que precisava seguir em frente e, ao mesmo tempo, administrar a dor e a saudade da vida que poderia ter tido ao lado do Visão. Ela sente a culpa por ter escravizado toda uma cidade em torno da sua dor, mas encontra o conforto nas palavras de Mônica Rambeau. E quantos talvez não tivessem feito o mesmo que ela se tivessem os mesmos poderes?

Pensando no futuro, o final da série promete trazer novos desdobramentos dentro do Universo Cinematográfico transmedia da Marvel. Agora temos um Visão branco que não tem sentimentos como o Visão original, mas recuperou toda a base de dados do que viveu desde o tempo em que era apenas a voz de Jarvis. Temos uma Wanda mais poderosa, tentando entender os seus poderes de Feiticeira Escarlate, e que ainda deve lidar com as consequências de seus atos em Westview. Algo que devemos ver em “Doutor Estranho e o Multiverso da Loucura”, previsto para ser lançado em 2022.

E ainda temo o futuro de Mônica Rambeau e de Agatha Harkness. Mônica deve ser levada para a base espacial onde está Nick Fury, os Skrulls e, muito provavelmente sua história e seus poderes serão melhor desenvolvidos em “Capitã Marvel 2” ou na série “Invasão Secreta”. O filme está previsto para 2022. A série ainda não tem data definida.

Já Agatha ainda deve voltar a aparecer em torno de Wanda, pois ela foi um pouco vilã e mentora na minissérie e, invariavelmente, Wanda precisará contar com a experiência da bruxa. Principalmente depois dos acontecimentos da cena final pós-créditos de “WandaVision”.

Assim, a Marvel vai desenhando o início de uma segunda saga de fôlego depois do sucesso da Saga do Infinito (2008–2019). Há pelo menos 13 filmes programados para serem lançados até 2023, além de 11 séries. E todas elas devem dialogar de alguma forma nesta nova saga que ainda não tem nome.

Não faltará, portanto, entretenimento para se ver nos próximos anos. E será ainda melhor se todos — ou ao menos a maioria — tiverem a mesma qualidade de “WandaVision”.

Cotação da Corneta: nota 8.

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