terça-feira, 23 de março de 2021

“Cherry” não traz a independência dos irmãos Russo sobre a Marvel

Tom Holland se esforça num filme que deixa a desejar
Os irmãos Anthony e Joe Russo têm uma carreira bem consolidada quando se trata de seus trabalhos feitos para a Marvel. Eles foram responsáveis por quatro dos 23 filmes da Saga do Infinito, incluindo os dois trabalhos que encerraram a história: os filmes “Vingadores: Guerra Infinita” (2018) e “Vingadores: Ultimato” (2019).

Faltava a eles, no entanto, mostrar que de fato podem ser bons diretores fora do chapéu da Marvel e fora do gênero “filme de super-herói”.

“Cherry — Inocência perdida” (Cherry, no original) não responde exatamente à está pergunta. Mas é uma carta de intenções. Com promessas, acertos e defeitos. Fica no meio do caminho em muitas propostas, parece confuso em outras, abandona algumas ideias no decorrer do filme e mostra que poderia ter sido mais bem trabalhado em outras questões. Sendo assim, não traz um pleno atestado de independência dos irmãos Russo sobre o estúdio pelo qual eles fizeram seus principais filmes. Lembremos que além dos dois “Vingadores”, eles foram responsáveis por outros dois bons filmes da Marvel: “Capitão América 2: o soldado invernal” (2014) e “Capitão América: Guerra Civil” (2016).

“Cherry” conta a história de um soldado do exército sem nome (Tom Holland) que sofre de transtorno de estresse pós-traumático. De volta aos Estados Unidos depois de dois anos no Iraque, ele torna-se um ladrão de bancos para bancar o vício em heroína dele e de sua mulher, Emily (Ciara Bravo, extremamente apática no filme).

A história resumida no parágrafo anterior poderia ser o palco perfeito para uma longa jornada de dor e, quem sabe, redenção ao fim de duas horas. Nada muito diferente do que já vimos em outros filmes que retratam o vício em drogas (“Réquiem para um sonho”, de 2000, ou “Querido Menino”, de 2018) ou transtorno de estresse pós-traumático (“Sniper americano”, de 2014, ou “Rambo: programado para matar”, de 1982). E de certa forma os irmãos Russo caem um pouco nesta armadilha.

Na hora final, “Cherry” cai num círculo de fetichização do uso de drogas, expondo de todas as formas o seu uso. Em algumas vezes é inserida até uma trilha sonora para trazer um grau de drama cercado de beleza aos momentos em que Cherry ou Emily estão se injetando sem sequer esboçar uma tentativa de sair daquele círculo vicioso.

O problema é que “Cherry” nunca consegue sair do mesmo tom. Ainda que seus personagens continuem escalando no horror entre uma decisão errada no relacionamento, a guerra, as drogas e os assaltos, não sentimos o filme igualmente escalando junto com eles. O filme tem aquele tom de quem observa quase com um olhar sociológico ou antropológico a decadência de mais um americano que sobreviveu ao Iraque. Tudo isso torna “Cherry” um trabalho frio, raso e um pouco sem alma. Mas reconheço que esta é uma percepção muito pessoal.

É evidente ao longo do filme o esforço de Tom Holland na composição do seu personagem. Mais conhecido pelo seu papel como “Homem-Aranha”, Holland também tem se esforçado fora do chapéu da Marvel/Sony com papéis diferentes e que desafiem o seu talento. “Cherry” é assim. Da mesma forma é o seu Arvin em “O diabo de cada dia” (2020). Particularmente acho que Holland está melhor neste filme do que naquele. Ainda que reconheça que diante do roteiro apresentado, o trabalho de Holland seja ok.

“Cherry”, porém, tem outros problemas em sua linguagem. Na primeira metade do filme, ele adota uma narração cansativa feita pelo seu protagonista, mas que desaparece depois. Nesta fase, Holland também exercita a quebra da quarta parede, mas essa postura é posteriormente abandonada. Ficam como questões: O que se propunha fazer com isso? Porque é abandonado depois? A única conclusão que pude ter é que pouco se acrescenta tanto o falatório narrativo quanto o personagem dirigir-se ao espectador para o contexto do filme.

Como primeiro exercício dos Russo fora da Marvel, “Cherry” deixa pontos positivos e negativos. Mas precisava definir melhor o que se queria focar ao adaptar a história do veterano do exército Nico Walker. Por enquanto, o ponto alto dos Russo no cinema continua sendo os filmes da Marvel. O que não deixa de ser um excelente ponto alto.

Cotação da Corneta: nota 5,5.



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