sábado, 5 de agosto de 2017

A nova do Malick

Gente bonita e de ar blasé sofrendo de tédio e depressão
Eu acho Terrence Malick brilhante. Mas também um cara difícil. Então, toda vez que eu vou ao cinema sempre me surpreendo quando vejo a sala cheia. Terrence Malick não é o tipo de diretor que enche uma sala. Infelizmente. 

Mas talvez por ser um cara recluso e que não aparece na mídia, não dá entrevista, enfim, se faz de gostoso. Talvez por isso, as pessoas se esqueçam dele e acabem voltando para ver novos filmes dele. 

Em "A árvore da vida" (2011), que eu considero um filme genial, vi pelo menos quatro pessoas irem embora antes do filme acabar. Em "Amor pleno" (2012), colhi comentários divertidos de espectadores incomodados. Ouvir as pessoas após um filme de Malick é sempre uma diversão. Eis alguns exemplos: 

1- "Que porra foi essa?"
2- "Não acredito que a gente viu isso"
3- "Que filme chato, arrastado"
4- "Era melhor a gente ter ido ver "Transformers"

Malick é um cara difícil. E "De canção em canção" é um filme que é fiel à sua filmografia e tem toda a sua assinatura. Narrativa fragmentada, sequências bem curtas, frases jogadas na tela, closes nas expressões dos atores e cenas idílicas. 

"De canção em canção" não é tão brilhante quanto "Amor pleno", muito menos genial como "A árvore da vida", mas que puta filme lindo. 

Tal como eu, Malick curte um pôr-do-sol. São muitas tomadas. Acho que 95% do filme é crepuscular. É a hora mais linda do dia. E cada cena ganha um tom idílico que parece uma pintura de Vermeer (Ou Van Gogh, ou Rembrandt). 

O crepúsculo também serve como metáfora do estremecimento das relações. O fim do dia é igualmente como a implosão de um triângulo amoroso que se forma entre o cantor BV (Ryan Gosling), o produtor Cook (Michael Fassbender) e a corretora, secretaria e aspirante à música Faye (Rooney Mara). 

BV e Faye formam um casal bonito, mas ela está infeliz na relação. Cook entra na jogada e a faz experimentar uma vida além dos limites, dando-a uma falsa sensação de liberdade. O empresário é um predador parasita que vive intensamente a superficialidade do show business. A relação íntima com Faye estremece por completo a amizade com BV, que também faz questionamentos profissionais. O cantor também deseja se libertar das grilhões do empresário e produtor para ter mais autonomia sob a sua música. 

A amizade implode, a infelicidade é um padrão de vida e cada um dos três encontrará uma forma de conforto em outras relações. Cook com a garçonete Rhonda (Natalie Portman), que totalmente alheia ao mundo do show business do empresário, não aguenta a pressão de viver aquela vida. Faye tenta buscar a delicadeza e a compreensão que não tinha com nenhum dos dois homens com Zoey (Bérénice Marlohe). BV vê em Amanda (Cate Blanchett), uma mulher mais velha, ao mesmo tempo em que é um protótipo mais jovem e idealizado de sua própria mãe, uma tentativa de escapatório. 

Nada dá certo. Relações vêm e vão apenas para compreendermos que a perfeição só é encontrada na beleza pictórica da câmera de Malick ao passear pelas mais belas paisagens com o sol como protagonista. 

"De canção em canção" é um filme bonito como só os do Malick são. É uma reflexão sobre as relações humanas e a busca de um mínimo de verdade num mundo efêmero como o do entretenimento. 

Enquanto por ele desfilam nomes como Red Hot Chilli Peppers, Iggy Pop e uma participação pra lá de especial de Patti Smith (além de um Val Kilmer quase irreconhecível fazendo um roqueiro velho decadente com um quê de Axl Rose), Faye procura algum equilíbrio. Entre a estabilidade e a aventura, o gozo e o tédio, ela só quer um pouco de paz. E a chance de não se arrepender das escolhas. 


Cotação da Corneta: nota 7,5

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