terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Lion não ruge e só sofre

Eu tô voltando pra casa outra vez
O Oscar de melhor filme é como os "Jogos Vorazes". Se na trilogia do cinema cada distrito manda o seu candidato para representá-lo na Copa do Mundo de UFC com armas, o mesmo acontece com a principal categoria do careca dourado. A diferença é que nem todos os gêneros são contemplados como são todos os distritos da série de Katniss Everdeen. Mas até que ficou mais fácil agora que são oito, nove ou dez candidatos. É por isso que todo ano temos o filme cabeça ("A chegada"), temos o filme com jeitão indie/orçamento barato ("Manchester à beira-mar"), temos o filme "Sessão da Tarde ("Estrelas além do tempo"), temos eventualmente a cinebiografia, o drama pesado, o filme de guerra ("Até o último homem"), o filme fofinho, o musical ("La La Land"), o faroeste ("A qualquer custo"), e por aí vai. São muitos distritos/gêneros que vão se digladiando por um lugar na grande final que acontece anualmente em La La Land. Nem todos chegam na decisão. 

Entre todos os gêneros está o chamado "filme para chorar". E essa categoria conseguiu emplacar um representante neste ano. Trata-se de "Lion - uma jornada para casa". 

É preciso ter um coração de pedra, é preciso ser uma Cersei Lannister para não se emocionar com essa história. A Corneta mesmo fez um esforço enorme, mas foi inevitável escorrer uma lagriminha do canto direito do olho esquerdo. Tudo culpa do efeito família + drama + imagens idílicas + pianinho meloso na trilha sonora. 

Ainda bem que jamais nos deixamos tomar pela emoção na hora de fazer a avaliação criteriosa. Logo, vamos falar aqui algumas VERDADES. "Lion" é um filmezinho meia-boca com um protagonista que não me convenceu nem por dois segundos com seu sofrimento e caras de quem está padecendo de dor de barriga e precisando desesperadamente de um Imosec. 

Resumindo, "Lion" conta a história real do jovem Saroo (o garotinho Sunny Pawar na infância, o Jacob Tremblay com IDH mais baixo, e Dev Patel na idade adulta). Ele se perde do irmão quando ambos saiam para trabalhar em algum lugar da Índia, nunca mais encontra a família e acaba adotado por um casal boa praça e com muitos recursos financeiros. 

O trabalho de Garth Davis é dividido em duas partes. A primeira conta a infância de Saroo na Índia. Tem aquela miséria que nos acostumamos a ver toda vez que Hollywood retrata a Índia. Aquelas famílias enormes, a religião, o colorido, a bagunça generalizada, a falta de higiene, enfim, todos os clichês que conhecemos do país. Até que um dia Saroo enche o saco do irmão para ir trabalhar com ele. Chegando lá, porém, o garoto só quer saber de dormir. 

A gente sabe que criança é curiosa e não gosta de ficar parada. Ou seja, para Saroo ir dormir num trem qualquer e parar do outro lado da Índia não custava. Não só não custava, como foi o que aconteceu. O menino foi parar em Calcutá onde nem falava o bengali, o idioma local. O negócio dele era hindi. Não tentem entender, isso é a Índia. Só indo lá para saber como realmente as coisas são. Eu adoraria conhecer. 

A partir daí Saroo começa a correr feito Forrest Gump para escapar de todos os problemas enfrentados por crianças indianas. De mercadores de escravos a pessoas que procuram jovenzinhos pelas ruas para vendê-los. Afinal, ninguém vai te oferecer uma Fanta laranja assim de graça. É o que o menino logo vai perceber. 

Até que um dia a vida sorri para Saroo e ele é adotado pela Nicole Kidman (na verdade, o nome da mulher é Sue). Vai viver na Austrália, mais especificamente na Tasmânia (infelizmente não vemos uma única vez o Diabo da Tasmânia dos desenhos da Warner), e crescer numa vida feliz e velejando para esquecer dos problemas como se fosse um Christian Grey sem quarto vermelho. 

Mas o tempo passa, o tempo voa e a CRISE DOS 30 bate à porta ferozmente como um leão (tum dum tsss) na cabeça de Saroo. Ele está perdido. Vejam bem, ele está perdido e sentindo-se um náufrago no mundo mesmo tendo uma vida nababesca, uma boa educação, um bom emprego e namorando a Lisbeth Salander. Quer dizer, a Lucy (Rooney Mara). 

Na primeira parte, o menino Sunny faz jus ao nome e deixa a sua tela ensolarada (hoje eu estou impossível nos trocadilhos ridiculamente infames). Realmente, o garoto merece os elogios que vem recebendo e consegue conduzir a situação até o momento em que você fica um pouco de saco cheio e pensando se o filme não vai parar em outro lugar ou vai ficar repetindo situações ad eternum. Cansa um pouco. Ok, já entendemos que ele está na merda. 

Até que vem a segunda parte. E aí, amigo, vemos o Dev Patel parecendo aquela hiena depois que finalmente come a iguaria que o irmão Guddu o prometera lá na infância pobre na Índia. Oh céus, oh vida, oh azar. Quem sou eu? De onde eu vim? Para onde eu vou? 

No passado, você mergulharia na religião para responder a estas perguntas. Mas estamos no século XXI. Apesar do esforço do Papa Francisco em fazer a Igreja voltar a ser pop, a tecnologia chegou para ficar. E quem responde todas as suas questões é o Google. No caso de Saroo é o Google Earth. 

É aqui que o filme deixa de contar a história para fazer o merchandising. Sim, ele realmente é incrível, mas se eu ganhasse 100 euros por cada segundo que o Google aparece eu conseguiria passar o fim de semana na Austrália. Mas eu te amo, tá Google? Não vivo sem você. De verdade. Inclusive, você foi usado em pesquisas para a construção desse texto. 

Bom, depois de tanto procurar, Saroo encontra a agulha que tanto desejava no palheiro da Índia. Aí, você tem umas cenas realmente muito bonitas dele redescobrindo a comunidade que morava, refazendo os caminhos da infância (tudo com aquele pianinho meloso). E é isso né? Só faltou mesmo tocarem: Gosto muito de te ver, leãozinho/caminhando sob o sol/Gosto muito de você, leãozinho. 

É claro que a história de Saroo é emocionante. A Corneta não quer desmerecer a busca dele pela família biológica e por resolver seus conflitos internos. Porém, o filme que saiu dali é profundamente irregular. Uma primeira parte de regular para boa e bem interessante e uma segunda parte um tanto ASSÉPTICA e de regular para fraca. Também é difícil entender por que Dev Patel e Nicole Kidman ganharam indicações ao careca dourado de ator e atriz coadjuvantes, respectivamente. Tudo normal, gente. Vemos o que está na tela em qualquer "Malhação". 

Diante disso, a Corneta não se deixará esmorecer por lágrimas derramadas na sala. Sim, teve gente perto de mim fungando o nariz. "Lion" receberá uma nota 6. 


Indicações ao careca dourado: melhor filme, ator coadjuvante (Dev Patel), atriz coadjuvante (Nicole Kidman), roteiro adaptado, fotografia e trilha sonora.


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