domingo, 6 de setembro de 2015

2742

Reprodução da internet
Antônio nunca gostou de matemática. Detestava lidar com números, fazer cálculos. Não tinha cabeça para equações. Quando a escola começou a misturar letras com números então, que tristeza. 

Um dia Bianca Tavares resolveu por conta própria dar aulas de reforço para aquele seu aluno que tinha tantas dificuldades. Duas vezes por semana, Bianca Tavares, a doce professora do segundo grau amada por oito entre dez alunos (talvez ela pudesse dizer que tinha 80% de aprovação se não fosse tão modesta) saia mais tarde da escola junto com Antônio depois de uma hora e meia, ou 90 minutos, de aula de reforço. 

Com muito esforço, Antônio conseguiu sair do nível de sofrível para passar de ano. Bianca Tavares ficou feliz. Até raiz cúbica e cálculos percentuais ele conseguia fazer. Mas matemática nunca seria o seu forte. 

Antônio não sabe porque se lembrou da antiga professora naquela manhã chuvosa em que se olhava no espelho enquanto fazia a barba. Talvez seja porque a vida humana seja regida pelos números e só agora ele tenha percebido isso. 

Todo dia acordava às 8h, tomava banho por 12 minutos. Dava quatro baforadas de desodorante nos sovacos. Duas no esquerdo, duas no direito. Era 50% para cada um. Engolia o café em 4,5 minutos. Escovava os dentes em 2,3 minutos. Sua dentista sempre reclamava da pressa em escovar os dentes. 

Com o salário que ganhava mensalmente e descontado o aluguel de R$ 1.500 que pagava, Antônio tinha o equivalente a R$ 183,33 por dia para viver e pagar as demais contas. Mas se o mês fosse de 31 dias, ele teria que apertar um pouco mais. 

Antônio subitamente passou a ver números em tudo. Parecia o Neo no fim de "Matrix". Pegava o ônibus às 9h08. Calculava que com um pouco de trânsito chegava no trabalho em 40 minutos. Mas cálculos não eram o seu forte. 

No trabalho, Antônio era o 2742. Duas dezenas aleatórias na sua vida. Profissional dedicado. Alguns chamariam de brilhante. Ele agradecia os elogios, mas não se achava um cara com tamanho índice de aprovação. Sentava ao lado do 3218, que o explicava o quanto os computadores que todos usavam eram fascinantes com seus códigos binários e equações que Antônio, ou melhor, 2742, jamais teria capacidade de resolver. 

Ambos tinham optado por carreiras que não envolvessem muito a matemática, mas 2742 ficava impressionado em como 3218 tinha facilidade com os números. Se Bianca Tavares conhecesse o colega de trabalho, ficaria encantada.

Antônio sabe desde cedo que os números podem ser bem estressantes. E opressores. No trabalho, tem prazos para entregar relatórios, lida com grandes volumes de papel, tem horários rígidos para cumprir tarefas. Tudo girava em torno dos malditos números.

Lidava com índices que pareciam equações de Einstein. E fazia tudo diante do ponteiro do relógio que teimava em andar numa velocidade acima do normal. Não poderia já ter passado 60 segundos. Não poderia já ter passado 60 minutos. Nunca pensou que tivesse que lidar com tantos cálculos quando fugiu da matemática no vestibular.

Os números fazem parte da vida humana. De cálculos simples a equações complexas. Não se dá um passo sem ser assombrado por eles. De conversas banais sobre o tempo ao papo sobre a conjuntura econômica, eles estão lá para tudo justificarem.

Naquela tarde, 2742 foi chamado para uma conversa. Foi apresentado a números que não compreendia, cálculos estranhos. Naquele momento sentiu falta de Bianca Tavares. Ou mesmo de 3218. Mas ao fim entendeu o recado. 

Não sem uma ponta de tristeza desligou o seu computador pela última vez. Pelos seus cálculos seria a 5674ª vez. Mas era bom não confiar nos seus números. O 2742 não existia mais. Mas ainda restava o Antônio. 

Antônio era um número. Virou estatística. Mas nunca gostou de matemática. Tudo o que não queria naquela tarde era procurar quando ou como se transformaria em outra equação. A vida humana podia ser gerida pela frieza dos números, mas o que ele faria naquele momento era tomar algumas garrafas de cerveja bem geladas com os amigos. Tudo sem cálculos que o limitassem. E sem pensar no amanhã.

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