quinta-feira, 11 de junho de 2015

Nadia Comaneci

Nadia e a ginasta Larissa Iordachi/Reprodução
Reportagens com a Nadia Comaneci originalmente publicadas no dia 02 de maio de 2015. Os links são esse (Nadia Comaneci elogia brasileiros) e esse (Nadia Comaneci e a importância de Bela Karolyi)

XANGAI - No ano em que os Jogos Olímpicos vão acontecer pela primeira vez na América do Sul, Nadia Comaneci estará no Rio de Janeiro acompanhando a nova geração de ginastas, mas com um olho no passado. Tudo porque, em 2016, um feito da ex-ginasta completa 40 anos: a primeira nota 10 da história da ginástica nas Olimpíadas, em Montreal-1976.

Verdadeiro mito da história dos Jogos, a ex-atleta romena hoje vive em Oklahoma, nos Estados Unidos junto com o marido, o ex-ginasta campeão olímpico em Los Angeles-1984, Bart Conner, e Dylan, o filho do casal de nove anos. Aos 53 anos, ela comanda um centro de ginástica nos Estados Unidos e continua atenta a tudo o que acontece na esporte que lhe deu nove medalhas olímpicas, sendo cinco de ouro. Acompanha os passos que a equipe da sua Romênia natal está dando para fazer um bom papel no Rio, aponta as americanas como o time a ser batido no ano que vem (“São os grandes competidores do momento”) e elogia os atletas brasileiros.

- Vocês têm aquele jovem que é muito bom. Arthur Zanetti, não é? – puxa pela memória a ex-atleta, em entrevista em Xangai, na China, antes da entrega do prêmio Laureus no mês passado. – Eu gosto do Sasaki (Sérgio Sasaki). Ele teve uma lesão, não foi? - lembrou Nadia, mostrando preocupação com o ginasta que sofreu uma contusão no joelho direito em dezembro, em seu último salto na prova do solo durante etapa da Copa do Mundo de ginástica disputada em Glasgow, na Escócia.

Para Nadia, que disse que Daiane dos Santos tinha "performances incríveis" quando competia, os grandes nomes do momento da ginastica brasileira são justamente o campeão olímpico Zanetti e Sasaki, dois atletas candidatos a medalha nos Jogos e que ao mesmo tempo terão um duro desafio de competir em casa. Zanetti é uma das atrações na etapa da Copa do Mundo de ginástica, que termina neste domingo, em São Paulo. Sasaki não competiu porque passou por uma cirurgia para reconstituir o ligamento cruzado do joelho direito no dia 8 de janeiro e agora corre contra o tempo para disputar o Mundial de Glasgow, em outubro. O prazo dado pelos médicos é de seis a oito meses e a participação do ginasta é fundamental para os planos do Brasil de classificar uma equipe completa para as Olimpíadas.

Nadia vê a ginástica brasileira crescendo e seu carinho por Sasaki se explica um pouco por ele competir no individual geral, que a romena também competia. A prova reúne os resultados que o ginasta tem em todos os seis aparelhos. O campeão é aquele que atinge a maior pontuação. Em novembro do ano passado, o ginasta paulista ultrapassou pela primeira vez na carreira a marca de 90.000 pontos e ficou com a prata na etapa da Copa do Mundo de Stuttgart. O resultado o credenciou a disputar uma medalha no Mundial da Escócia. Pelo menos até ele sofrer a lesão no joelho.

Para a romena, porém, o grande desafio será o de Zanetti ao defender o ouro olímpico nas argolas em casa. Desde Londres-2012, o brasileiro tem conseguido bons resultados. Foi ouro no Mundial de Antuérpia, na Bélgica, no ano seguinte, e prata em Nanning, na China, no ano passado.

- Eu conheço o Sasaki porque eu o vi bastante. E é claro que todos esperam que o Zanetti esteja no seu país natal para competir. É um grande desafio, porque é ao mesmo tempo motivador, porém você também sofre muita pressão porque quer entregar o que você fez na última Olimpíada. E eu espero que tenhamos uma grande multidão acompanhando a ginástica nas Olimpíadas – disse.

LEMBRANÇAS DE MONTREAL

Nadia pode não entender da pressão de disputar uma competição em casa, mas entende como é chegar na Olimpíada seguinte com o peso de todo o sucesso na disputa anterior. Tanto que o único ouro que repetiu em Moscou-1980 foi na trave. No individual geral ela foi prata. Por outro lado, transformou o bronze do solo em Montreal em ouro em Moscou. No total foram cinco ouros, três pratas e um bronze na sua carreira olímpica.

Mesmo estes resultados impressionantes, no entanto, ficaram ofuscados pela história que ela fez quando, com apenas 14 anos, conseguiu a primeira das sete notas 10 que receberia naquela edição dos Jogos. Seria o primeiro 10 das Olimpíadas modernas.

- As pessoas costumam me perguntar se eu já assisti, se eu já me vi competindo nas Olimpíadas (em vídeo). Na verdade não, porque eu ainda me lembro do que eu fiz. Logo, não preciso assistir. Lembro que se falava que eu era tão jovem e questionavam como eu conseguia lidar com tudo aquilo naquela idade. E eu pensava que era tão mais fácil ser jovem e competir do que competir quando se é adulta, porque quando você tem 19 anos, você entende que as pessoas esperam que você seja a melhor. Mas quando tem 14, é como se não se importasse – analisou.

Antes dos Jogos, a empresa responsável por fazer o placar eletrônico foi questionada que seria necessário incluir um quarto dígito para a ginástica, pois havia a possibilidade de acontecer uma nota 10. Mesmo diante do histórico de Nadia, que três meses antes de Montreal havia recebido uma série de notas 10 em uma competição em Nova York, a empresa argumentou que era impossível que isso acontecesse nas Olimpíadas.

Ao relembrar daquele momento, a ex-ginasta disse que ficou confusa na hora, mas nunca preocupada, pois achava que tinha feito uma boa série.

- Normalmente eu não vejo o placar. Achei que tinha ido muito bem. Apenas virei porque havia muito barulho na arena. Então vi o placar escrito 1.000 e fiquei confusa. Eu era a última a competir nas barras assimétricas e depois que terminou a música começou a tocar, indicando que eu deveria ir para o meu lugar ao lado do técnico. Foi quando um dos meus colegas de equipe disse: “Eu acho que é um 10, mas há algo errado com o computador” – disse Nadia, que reconheceu que não tinha noção do feito que alcançara.

- Eu era muito jovem para compreender o que estava acontecendo. Eu estava apenas focada na minha série e na minha pontuação – afirmou.

APOSTA PARA 2016

Nadia foi a primeira ginasta romena campeã olímpica. E a mais jovem campeã olímpica da história, um feito que nunca mais será repetido, pois as regras do esporte mudaram. Desde então, outros 24 ouros foram conquistados pelo país, que tem 72 medalhas no total e só está atrás da antiga União Soviética, Estados Unidos, Japão e China num ranking do esporte nos Jogos. A última campeã olímpica do país foi Sandra Izbasa, no salto sobre o cavalo em Londres-2012. Mas talvez o último nome que pudesse ser comparado a Nadia Comaneci fosse Catalina Ponor, ginasta hoje com 27 anos, e que com 16 para 17 anos conquistou três ouros em Atenas-2004. Depois de se retirar do esporte em 2007 por causa de uma série de lesões e, consequentemente, perder os Jogos de Pequim-2008, Catalina voltou em 2011, a tempo de disputar as Olimpíadas de Londres e conseguir mais uma prata (solo) e um bronze (equipe).

Após as Olimpíadas inglesas, a ginasta mais uma vez se aposentou. Mas em  março, Catalina anunciou o seu novo retorno ao esporte com o objetivo de vir ao Rio no ano que vem. Ainda não se sabe o que Catalina poderá fazer. Uma aposta real de medalha para a ginástica romena, porém, é Larisa Iordache, de apenas 18 anos.

Larisa conquistou uma medalha de bronze por equipes em 2012. Desde então, ela se tornou a líder da equipe romena e conquistou oito medalhas de ouro e três de pratas em etapas da Copa do Mundo e três ouros, cinco pratas e um bronze em Campeonatos Europeus.

- Do time romeno, ela é a melhor no momento – disse Nadia, citando a jovem. - Mas eles certamente terão uma nova geração que veremos surgir (em 2016), cujos nomes ainda não conhecemos.

E será que estaria uma nova Nadia Comaneci entre as possíveis novatas?

- Não sei se alguém quer ser a nova Nadia. Acho que eles (os ginastas) querem ser os novos eles mesmos. Acredito que, provavelmente, eu os inspiro a serem os melhores que eles podem ser, mas há muitas equipes boas de ginástica agora – encerrou.

A IMPORTÂNCIA DE BELA KAROLYI

Nadia Comaneci se envolveu com a ginástica desde os seis anos, mas ela mesma reconhece que não teria se tornado a campeã que foi se não fosse um controverso, mas vencedor técnico. Foi Bela Karolyi quem a descobriu numa escola em Onesti, na Romênia, e começou a treiná-la com apenas sete anos de idade.

- Eu já fazia uma espécie de ginástica quando ele costumava ir para as escolas procurar quem queria treinar com ele. Foi quando perguntou: “Quem gostaria de ser ginasta? E muitas meninas falavam: “Eu, eu, eu”. Eu já treinava, sua mulher (Marta Karolyi) era técnica. Foi dessa maneira que nós conectamos. Eu tive dois ou três treinadores antes dele, mas foi ele que me colocou no caminho dos grandes resultados – lembra Nadia, em entrevista em entrevista em Xangai, na China, antes da entrega do prêmio Laureus na semana passada.

Karolyi, porém, era o típico técnico linha dura da antiga cortina de ferro comunista. Hoje com 72 anos e vivendo nos Estados Unidos, o técnico foi alvo durante a sua carreira de ginastas que criticavam os seus métodos de trabalho. Foram frequentes as reclamações de atletas que diziam que ele as agredia verbalmente e as intimidava. Era rigoroso com o peso, o que fez algumas atletas sofrerem com distúrbios alimentares, e obrigava algumas a treinar machucadas.

Ao mesmo tempo, seu sucesso esportivo era inegável. Ele foi o técnico de nove ginastas campeãs olímpicas. A maior de todas, Nadia Comaneci, sobre quem ele dizia que não conhecia o medo, pois andava e fazia uma série sobre a trave, enquanto outras crianças temiam o aparelho.

- Eu acho que nasci na Romênia na época certa e comecei a treinar ginástica na época em que ele foi técnico. Acho que as duas coisas foram importantes, 50% a 50%. E ele me ajudou a me tornar o que eu fui e o que eu sou – afirmou.

Com a ajuda de Karolyi, Nadia foi a mais jovem campeã romena com nove anos, campeã europeia com 13 anos e, finalmente, a mais jovem campeã olímpica com apenas 14 anos, com direito a uma histórica série de notas 10. Ou seja, a infância e a adolescência da romena se resumiu a treinar e competir. Algo do qual ela não se arrepende.

- Penso que ser criança é brincar e praticar esportes. Eu tinha minhas amigas. Éramos cerca de 25. A gente viajava. Crianças daquela idade faziam muitas coisas que nós não podíamos, mas por causa do esporte eu estava viajando e conhecendo o mundo. Acho que isso é melhor do que simplesmente ficar por aí.
Para Nadia, no esporte é importante você ter um objetivo diário. Foi isso que ela aprendeu com a ginástica.

- A lição mais importante foi ter uma pequena meta todo dia e tentar fazer o melhor todo dia. É importante incentivar jovens gerações a praticarem um estilo de vida saudável. Uma das coisas mais importantes do esporte é nunca esquecer da paixão. A paixão pelo que eu tenho e pelo que eu fiz. E acho que todos vão encontrar essa paixão se forem expostos a diferentes esportes – disse a ex-ginasta, que dá um conselho aos jovens que estão começando.

- No Laureus sempre tentamos incentivar as crianças e as jovens gerações a praticarem esportes. Você não tem que estar em nenhuma parte específica do mundo para realizar o sonho de estar nas Olimpíadas. É importante você praticar um monte de esportes porque é bom para você, porque é saudável e porque vai te dar estrutura. Acho que isso é muito importante para as crianças. E se você tiver a paixão necessária para ir mais longe no esporte e chegar um dia nas Olimpíadas, isso será incrível. Mas acho que o esporte é saudável para todos – encerrou.

* O repórter viajou a convite do Laureus

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