segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Uma delicada história de amor

Não tenho a cultura dos filmes antigos de Zhang Yimou. Infelizmente ainda não vi trabalhos como “Sorgo Vermelho” (1987), “Amor e sedução” (1990) ou “Lanternas Vermelhas” (1991). Aprendi a gostar do diretor chinês com três filmes que foram lançados neste século: “Herói” (2002), “O clã das adagas voadoras” (2004) e “A maldição da flor dourada” (2006).

Estes trabalhos mostram uma temática única falando sempre da China do tempo dos imperadores, disputas marciais envolvendo honra, coragem e glória, além de traição, amor e vingança. Eram filmes também que abusavam de cores vibrantes, instrumentos que remetiam a estados de espírito e situações-limite de seus personagens.

“A árvore do amor” não tem nada disso. Mas se eu pudesse traçar um paralelo entre o novo filme de Yimou e estes trabalhos anteriores do diretor é a delicadeza com que o chinês conta as suas histórias. O diretor sempre faz com que sua câmera capte uma expressão ou um cenário que diga muito sem precisar de uma única palavra.

Duas cenas ilustram muito bem o que estou querendo dizer. Em uma delas, Sun (Shawn Dou) está deitando no ombro de Jing (Dongvu Zhou). Atrás de uma carroça que ele improvisou de vestiário para ela para que pudesse vestir um maiô e nadar com ele no rio, ele tem uma expressão terna, mas seu rosto é marcado pelo cansaço de quem trabalha horas a fio e tem raros momentos para descansar. Ao seu lado, Jing o conforta enquanto os raios do por do sol os iluminam.

Minutos depois, Yimou nos presenteia com outra cena magnífica. Sentindo que veria Jing pela última vez na sua vida, ele pede à mãe da moça por um último ato antes de desaparecer: trocar o curativo nos pés queimados dela pelo trabalho na quadra da escola. O que vem a seguir é uma obra-prima. Num quarto pequeno que é praticamente a casa da família dela, Sun se ajoelha, coloca um dos pés da moça em cima da sua perna e começa a enfaixá-lo. No ar, apenas o som de uma marreta usada pela mãe trabalhando sentada em cima da cama. Enquanto segue lentamente o seu ritual, você sente a expressão de Sun mudar e o reflexo disso são as lágrimas escorrendo no seu rosto. Yimou então foca no rosto de Jing que também começa a chorar.

“A árvore do amor” é uma belíssima, tocante e emocionante história de amor baseada numa história real que aconteceu na China da Revolução Cultural de Mao Tsé Tung em meados da década de 60. Naquela época de repressão do governo chinês para neutralizar a oposição, jovens eram mandados para o interior para viver com camponeses e o ensino superior foi praticamente desativado, pois os intelectuais eram potenciais inimigos do governo local.

Foi nesse contexto que o geólogo Sun conheceu Jing, jovem que sonha em ser professora, mas é de uma família vigiada pela “revolução”, pois o pai é de direita e está preso na cadeia. Qualquer erro cometido por Jing pode acabar de vez com a vida de sua mãe e de seus dois pequenos irmãos.

Jing e Sun se conhecem numa viagem que ela faz ao campo. As horas de conversa se transformam numa admiração mútua e no fim de uma tarde fria, o geólogo não consegue mais esconder que está apaixonado por ela. Há uma barreira, no entanto: “Minha mãe não vai me deixar namorar antes dos 25 anos”, ela diz. “Eu espero”, ele responde. “E se ela continuar proibindo?”, ela questiona. “Eu espero a vida toda por você”, ele insiste.

As palavras de Sun são o alicerce que dá base ao amor que vai nascendo entre os dois. É o que os faz driblar as dificuldades e a repressão nos piores momentos para conseguir viver pequenos momentos de felicidade em um país marcado pela sisudez de um regime repressor e onde sorrir é quase uma afronta ao "grande líder". É também o que vai segurar a distância forçada que eles são obrigados a manter pelo bem dela.

Enquanto faz a sua crítica à Revolução de Mao, Yimou mostra um amor sem um único beijo e uma relação tão intensa que vai perdurar para sempre, mesmo após uma tragédia. A China começaria a mudar politicamente, algum progresso viria, e somente uma coisa jamais mudaria: o amor entre Jing e Sun. E no fim, ele acabaria cumprindo a sua promessa.

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