quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Sir Eric em ação

Clapton fez um belo show na Arena/Reprodução
Eu tenho uma amiga que se tivesse a oportunidade de ter assistido ao show do Eric Clapton viraria para mim e diria: “Ele é um homem phyno" (fino, de classe, para os não íntimos ao neologismo). Gostaria de dizer que isso é propriedade de todos os cidadãos ingleses condecorados com o título de sir, mas não vou me arriscar. Neste diálogo que não aconteceu, no entanto, eu certamente concordaria com ela. Clapton, o guitarrista que teve o nome pichado nos muros ingleses com o hiperbólico apelido de Deus aliado ao seu nome, é um artista phyno.

E um artista phyno se impõe pela sua música. Clapton não chega no palco e diz “I love you Brazil”. Não ensaia palavras em português, não ergue bandeira nem faz qualquer tipo de manifestação brasileirinha. Ele é o que construiu em 48 anos de carreira. Ele é a sua música e os mestres que ele homenageia como Robert Johnson e Willie Dixon, aqueles que o influenciaram e o levaram a se tornar um mestre na arte de tocar guitarra e de compor clássicos.

Após duas semanas de muita papagaiada, muito “tira o pé do chão” e alguma música no circo do Rock in Rio, Clapton nos traz a arte pura. É o contraste mínimo no mundo de excessos do showbizz. Seu “Thank you” aliado a um leve sorriso é o mesmo de dez anos atrás, quando ele lotou uma Praça da Apoteose para fazer um show de despedida de suas turnês internacionais. Show marcado por sucessos, clássicos, e alguma coisa que Clapton gostava, mas que dividiu opiniões, pois “Reptile” (2001), o disco que ele então lançara e justificava a turnê não era dos mais elogiados.

Se o disco não foi agraciado por público e crítica, o show também não receberia os mesmos elogios. Para mim, no entanto, estar ali já era algo mágico. Afinal, se os muros de Londres estivessem certos, não é todo dia que você se encontra com Deus.

Dez anos se passaram e a promessa de Clapton obviamente não se cumpriu (Ainda bem). O guitarrista voltou com uma banda diferente daqueles tempos – Chris Stainton (piano), Tim Carmon (órgão), Michelle John e Sharon White (backing vocals), Steve Gadd (bateria) e Willie Weeks (baixo) –, para lançar um disco melhor do que o “Reptile", "Clapton" (2010), e fazer um show mais intimista, porém, arrebatador.

Aos 66 anos, Clapton trocou o agrado ao público para um show que ele faz para agradar a si próprio como numas férias prolongadas e espera, claro, que o público o acompanhe nessa jornada. Clássicos que fizeram a sua fama, obviamente, estão presentes. Leia-se as baladas “Wonderful Tonight” e “Ode to Love” e os rocks “Layla” e “Cocaine”. “Layla”, no entanto, ganha um arranjo diferente, menos “acústico MTV”, mas também no meio do caminho de sua versão original. O resultado é uma canção mais lenta, com a participação ativa das backing vocals por vezes fazendo a primeira voz, e em outras oportunidades acompanhando Clapton enquanto a bateria de Gadd ganha um trecho quase militar. E Clapton, sentado no banquinho, sola com a sua guitarra Fender Stratocaster azul de uma forma que leva o público ao delírio.

Além de seus clássicos, o guitarrista homenageia outros mestres. Os já citados Johnson e Dixon e até Bob Marley numa versão de “I shot the Sheriff” considerada por muita gente boa melhor do que a original. São 16 músicas do seu repertório de quase cinco décadas de rock and roll. Dezesseis joias para serem apreciadas pelo público sentado em cadeiras (o único ponto negativo), mas que não consegue ficar parado quando o mestre usa a sua guitarra e o seu violão.

Estas joias são estendidas até onde ele acha que elas devem ir. Há solos de teclado, solos de Clapton. Ele está se divertindo no palco, curtindo o momento com a guitarra, que é quase uma extensão dele mesmo. Às vezes a postura pode ser meio blasé, mas Clapton está experimentando e deixando a música o levar.

Eric Clapton é único, faz um show único e leva pouco mais de dez mil pessoas ao delírio. Foi um grande espetáculo no HSBC Arena. E nada mais precisa ser dito. Apenas apreciado nos vídeos abaixo. Uma degustação para phynos.

Set list – “Key to the Highway”, “Going down slow”, “Hoochie coochie man”, “I shot the Sheriff”, “Old Love”, Driftin’Blues”, “Nobody knows you when you’re down and out”, “Lay down Sally”, “When somebody thinks you’re wonderful”, “Layla”, “Badge”, “Wonderful Tonight”, “Before you accuse me”, “Little queen of spades”, “Cocaine” e “Crossroads”.

"Layla"

"Cocaine"


"Old Love"


"Hoochie Coochie Man"

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