domingo, 13 de fevereiro de 2011

Um cisne arrebatador

Assistir ao filme “Cisne Negro” pensando tratar-se de uma obra sobre balé pode significar sair do cinema decepcionado, irritado ou cuspindo abelhas africanas. Embora o que se vê na tela sejam ensaios, treinos, a rotina estafante e a pressão de dançar por uma famosa companhia de dança, além da apresentação final de uma companhia americana para “O lago dos cisnes”, o tema do novo trabalho do, amado por uns e odiado por outros, diretor Darren Aronofsky é a obsessão.

É a obsessão de Nina Sayers (a israelense Natalie Portman, que toma conta do filme com muita garra) para atingir a perfeição como profissional e mostrar-se capaz de dançar não apenas o ato do cisne branco, que ninguém duvida que ela seja capaz, mas também o do cisne negro, o maior desafio para uma bailarina que dança com destreza, técnica apurada, mas não aparenta para o diretor Thomas Leroy (Vincent Cassel) ter a paixão e o desejo necessários para isso.

Para o cisne negro, Leroy afirma, não é preciso ter uma técnica brilhante, mas sim se deixar levar por um instinto primitivo, se deixar dominar por um lado negro, e, por sua vez, se conduzir por essa força inconscientemente.

O desejo pelo papel e por desempenhá-lo com perfeição como a ex-número 1 da companhia, Beth Macyntire (Winona Ryder) faz Nina se entregar de corpo e alma a treinos estafantes e repetições ininterruptas de exercícios e movimentos. É preciso sublimar a dor e dominar os demônios - ou se deixar dominar por eles – para atingir o ápice.

Nesta jornada obsessiva de uma bailarina que notadamente tem transtornos psíquicos graves, Aronofsky faz Natalie sofrer. Nada diferente do que o diretor abusou de fazer com Jennifer Connelly, a viciada de “Réquiem para um sonho” (2000), que faz absolutamente tudo (até isso aí que você pensou) por mais uma injeção de heroína. Jennifer se rebaixa a um verdadeiro estado de degradação humana no papel de Marion Silver.

A obsessão pelos números em “Pi” (1998), por uma cura numa ode ao amor em “Fonte da vida” (2006) ou por um naco de fama perdida em “O Lutador” (2008) completam o pentagrama de dor, sofrimento e quase zero de felicidade ou satisfação de Aronofsky, o diretor que gosta de levar os seus atores além do limite.

“Cisne Negro” e Nina Sayers têm ainda um parentesco com “Clube da Luta” (1999) e o narrador e Tyler Durden, personagens de Edward Norton e Brad Pitt na película. Como não acredito que o roteiro do filme de David Fincher seja mais segredo para os cinco leitores deste blog, posso adiantar que são dois trabalhos que jogam com o real e o imaginário aproveitando os desvios dos seus personagens. A diferença está na sutileza usada por Fincher, que guarda a surpresa para o final do seu filme deixando a plateia boquiaberta, enquanto Aronofsky, ao construir a jornada de dor e fúria de Nina a deixa ser consumida pela própria mente junto com a pressão de ser a estrela da companhia de balé e os conflitos com a mãe superprotetora e que se mostra preocupada com uma possível incapacidade da filha para suportar a pressão e sucumbir de forma trágica.

A transformação de Nina vem junto com os conhecidos problemas do balé: a busca pelo corpo perfeito através da bulimia, os conflitos e rivalidades com outras bailarinas, a inveja e o medo constante de ser naturalmente descartada.

Para superar tudo isso e atingir os níveis de perfeição e sensualidade necessários para viver o cisne negro, Nina se entrega. Abre a guarda de suas defesas pessoais e se deixa dominar pelos demônios internos.

Vítima de ilusões e perseguições imaginárias, Nina também se vê experimentando os prazeres que jamais pensou em ter numa das melhores cenas de sexo da história do cinema (eu precisava deixar isso de alguma forma registrado). O processo interno de transformação no cisne negro está quase concluído, mas o custo disso será muito alto.

“Cisne Negro” provavelmente será um dos melhores filmes do ano. É uma obra arrebatadora que deixa o espectador no cinema impactado durante o filme e absolutamente chapado um bom tempo depois. Mas o trabalho de Aronofsky não funcionaria se não fosse o excelente desempenho de Natalie no papel principal.

Considerada favorita ao Oscar, a atriz conhecida por trabalhos como “Closer – Perto demais” (2004) e pelos três filmes da segunda trilogia de Star Wars merece ganhar o prêmio por este que é o papel de sua carreira até aqui. Se o seu desempenho não fosse tão bom, “Cisne Negro” corria o risco de não dar certo. Foi uma opção arriscada de Aronofsky para trabalhar no limite apostando no talento de Natalie para segurar quase que sozinha as duas horas do filme. E ela se mostrou acertada.

Indicações ao Oscar: melhor filme, melhor atriz para Natalie Portman, melhor diretor para Darren Aronofsky, fotografia e edição.

2 comentários:

fábio balassiano disse...

ótima crônica, ótimo filme, ótima natalie portman!

Abs, fábio

marcelo alves disse...

ótimo comentário. hahahaha

abs,
marcelo