domingo, 26 de setembro de 2010

Os vilões que amamos

Nunca achei Michael Douglas um grande ator. E os últimos filmes dele que vi - “Refém do Silêncio” (2001) e “O Sentinela” (2006) – só reforçaram esse meu conceito de que ele é um ator mediano de alguns bons filmes. Um Richard Gere melhorado. Mas é fato que quando o filho do também ator Kirk Douglas, uma das estrelas de Hollywood nos anos 40 e 50, penteia o cabelo para trás e veste o terno do vilão Gordon Gekko se transforma e quase me faz mudar a avaliação.

Gekko é o investidor sem escrúpulos e ética que seria capaz de colocar até a mãe a venda desde que o dinheiro fosse bom. Foi este vilão carismático que ninguém conseguiu odiar apesar de seus atos terríveis que deu a Douglas o seu único Oscar de ator em 1988 por “Wall Street – Poder e Cobiça” (1987). Na pele dele, Douglas se sente à vontade e centraliza as atenções no primeiro filme nos seus duelos com Charlie Sheen (Bud Fox), o pupilo que também virá a derrubá-lo num enredo tipicamente hollywoodiano de criador versus criatura.

Mal comparando, Gekko é para Douglas o que Catherine Tramell representa para Sharon Stone. A vilã de “Instinto Selvagem” (1992) e “Instinto Selvagem 2” (2006) torna Sharon melhor do que ela é e também é daqueles bandidos que não conseguimos deixar de gostar. Por coincidência, Douglas, no papel do detetive Nick Curran, é a primeira vítima das maldades de Tramell.

Aliás, seria interessante, curioso e um tanto quanto sádico ver um duelo num hipotético filme entre os dois personagens que fazem tudo por seus únicos objetivos na vida. Gekko cobiça ardentemente o dinheiro como Tramell o sexo e o que dele pode criar de histórias para seus livros com toques para lá de reais. Criar, inventar e especular é também uma arma de Gekko para atuar no mercado e na compra e venda de ações. Verdade e mentira são vias paralelas que volta e meia se encontram a partir do desejo de ambos, os senhores de suas próprias histórias e vetores delas. Se para Gekko “Greed is good” (“Ganância é bom”), o mesmo Tramell poderia achar do sexo selvagem e da provocação que ela faz com conseqüências diabólicas.

Sharon não ganhou nenhum Oscar, mas foi indicada uma vez por “Cassino” (1995). Por outro lado, fez mais filmes bons do que Douglas. Na minha opinião, apenas. Deve-se descontar dela, meus desejos nada ocultos.

Mas voltando ao objeto de observação deste post, Douglas está de volta aos cinemas na pele de Gordon Gekko. Novo trabalho e o melhor em muitos anos do diretor Oliver Stone, “Wall Street – O dinheiro nunca dorme”, coloca novamente o diretor americano no mainstream depois de bobagens como “Comandante” (2003) e “South of the border” (2009) e filmes de qualidade para lá de discutível como “Alexandre” (2004), “As Torres Gêmeas” (2006) e “W” (2008). Sem contar a amizade com Hugo Chávez que depõe contra qualquer um.

O novo Wall Street se passa quase duas décadas depois do primeiro. Gekko acaba de sair da prisão e o mundo vai começar a sofrer com a tal da bolha que levou à crise mundial jogando a economia americana e boa parte da mundial no fundo do poço. Quem leu jornal nos últimos dois anos não terá dificuldades em entender o que se passa nesse cenário ao mesmo tempo em que Gekko está deixando a prisão e usa um ponto de interrogação sobre a sua famosa frase para inverter a lógica, vender livros e faturar alto dando palestras. Greed não é mais tão good, mas se questiona se “Is greed good?”.

Stone usa do artifício americano de quase idolatrar os seus vilões meio canalhas para fazer Gekko dar a volta por cima após ter passado muito tempo mofando na cadeia. Quando ele sai, tem total consciência da nova ordem mundial onde não se usa mais celulares do tipo tijolão e rappers fazem tanto sucesso que podem pagar por limusines que ele costumava usar para iniciar suas festinhas com drogas e prostitutas na sua versão bastante própria de bon vivant.

Mas Gekko é um animal do mercado que sabe agarrar as oportunidades e multiplicar os seus ganhos. Faria US$ 10 renderem cem vezes em uma semana. Imagina o que não faria com os US$ 100 milhões que ele conseguiu esconder muito bem das autoridades federais a partir de uma conta criada para a sua filha Winnie (Carey Mulligan, de “Educação” – 2009)?

Em diversas oportunidades, Stone disse que “Wall Street – O dinheiro nunca dorme” é um filme sobre a família, relações familiares, um pai tentando reatar com a filha. Nada tem a ver com mercado, bolsa de valores e subprimes. De fato, o economês está bem menos presente neste filme do que no primeiro, que era a história de um jovem absolutamente ganancioso querendo enriquecer fácil e rapidamente no mercado a partir do aprendizado com um verdadeiro tubarão de Nova York.

Aqui o papel deste jovem pupilo cabe a Jake Moore (o horroroso Shia LeBeouf), jovem ambicioso que se vê em meio ao furacão da crise, mas tem os mesmos sonhos de fazer dinheiro rápido e vai se casar com Winnie. A relação familiar é que vai aproximar Jake de Gekko e este passará a trocar informação de mercado por reaproximação familiar numa relação que se equilibra entre uma suposta sinceridade e a ganância, sempre ela, de Gekko. Afinal, ela ainda é boa.

Nesse ponto, o roteiro de Allan Loeb e Stephen Schiff tenta mostrar que Gekko deseja redenção, mas não deixou de ser o canalha de sempre. Mas é difícil acreditar que tubarões virem golfinhos, ainda mais num homem que demonstra amargura com a família e o sistema e se sente injustiçado por ter ficado tantos anos na cadeia por um crime supostamente sem vítimas. Ele fora preso por informação privilegiada e fraude na bolsa de valores.

Mas se esse fosse o único problema de “Wall Street”, o filme estaria muito bem posicionado no mercado. A questão é que LeBeouf não segura um trabalho desses em que não precisa correr, pular e gritar como em “Transformes” (2007) e “Transformers – A vingança do Fallen” (2009) como protagonista. Então não há duelo, disputa. Douglas o engole a cada vez que aparece em cena e o espectador deseja ansiosamente que ele retorne. Stone é bem econômico nas aparições de Douglas. O mesmo acontece quando LeBeouf tem que lidar com Josh Brolin, que vive Bretton James o novo senhor do mercado, que subiu na vida a partir da queda de Gekko.

E quando Gekko reencontra Bud Fox numa deliciosa homenagem-reencontro do diretor ao primeiro filme, a falta de um antagonista de peso para Douglas fica absolutamente evidente na tela.

Também incomoda o excesso de merchandising em “Wall Street”. Não se pede nem cerveja, mas a marca numa relação metonímica que o roteiro não precisava. O diretor justificou isso como algo normal, pois é preciso dinheiro para realizar a película. Acontece que nem em filmes de James Bond, o rei do merchandising, se vê algo assim.

Implicância com o excesso de publicidade à parte, aos 64 anos, Stone também parece estar em busca de sua redenção cinematográfica após tantas bolas fora que nem lembram o diretor de ótimos trabalhos como “Platoon” (1986), “Nascido em 4 de julho” (1989), “Assassinos por natureza” (1994) e “Nixon” (1995), para ficar em alguns exemplos. Gekko pode ser o primeiro passo, embora o diretor tivesse pecado um pouco na sua tentativa de amansar a fera. Os fãs de Gekko gostam dele exatamente por suas vilanias e não por sua compaixão e alegria de avô babão. E quem diria que no final das contas não seria um dos predadores do mercado que iriam derrotá-lo, mas apenas um neto gordinho e sorridente.

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