terça-feira, 21 de setembro de 2010

David Lynch feelings

Ao levantar cabeça se deparou com uma perspectiva jamais imaginada quando deixou aquele pedaço de asfalto para subir uma escada que igualmente se erguia a cada passo dado. A surpresa com a escada que subia acompanhando as passadas dos seus tênis pretos só não foi maior do que o que os seus olhos castanhos viram quando adentrou o que parecia ser uma floresta encravada numa paisagem urbana onde deveria estar aqueles tão comuns prédios de vidros espelhados em que não se vê nada do que está dentro ao mesmo tempo em que todos te observam do lado de fora.

O cenário era quase paradisíaco. O clima, perfeito. O que o fez jogar fora o casaco usado numa tarde invernal apesar do sol que batia no seu rosto. Não havia escuridão, mas a copa das árvores trançadas naquela estrada de terra batida e deserta agiam quase como uma redoma natural para o mundo lá fora. Poucos raios de sol desafiavam os buracos entre as folhas.

A beleza era única. Jamais vira tamanha harmonia na natureza. Não tardou em sacar do bolso a câmera fotográfica que volta e meia o acompanhava para registrar aquilo tudo. Ao empunhar a câmera em busca da melhor imagem, porém, viu o cenário virar-se surpreendentemente num ângulo de 30 graus que quase o fizeram cair. Abaixou a câmera e tudo estava na sua órbita normal. Ergueu-a e a vertigem retornou.

- Isso não pode ser verdadeiro – exclamou.

Tentou uma tacada rápida, um flash, dois segundos. O suficiente para cair no chão. A câmera nada sofreu com a queda, mas o cenário ficou sem foco. Rendido, tentou recuar e viu que a escada havia sumido. As portas não mais estavam ali. Era preciso caminhar e descobrir uma saída, ao mesmo tempo em que estava inebriado com aquele lugar desconhecido.

Percebendo que o único registro possível do lugar só poderia ser feito com os seus olhos e as lembranças que ficariam no cérebro, guardou a câmera e tratou de caminhar.

A cada passo, a floresta o acolhia e se abria um novo caminho, um novo cenário. Estaria ele conduzindo a si mesmo ou sendo conduzido pela floresta? Estaria num labirinto sem paredes? Perdido num estado onírico ou vivenciando aquilo tudo. Não lembrava de ter adormecido.

Enquanto duvidava do que via, entrou por um caminho amplo e ao atravessar duas árvores a frente viu se abrir na sua frente um imenso campo de flores azuis intercaladas por um gramado verdinho e simetricamente aparado pela natureza.

Maravilhado com aquela imagem, não percebeu a mão delicada que o acariciou no pescoço e sem que percebesse que se tratava de uma velha amiga que não via há dez anos era arrebatado por um beijo na boca. Em instantes estava entregue a uma cama natural formada pela grama e as flores azuis.

Em êxtase, abriu os olhos para buscar energia do cansaço e viu a sua frente uma casa de madeira que não se lembrava de ter visto antes. Dois andares uma porta com uma janela ao lado. Três escadas, sempre elas. As escadas o trouxeram a floresta. Poderiam tirá-lo daquela suposta loucura?

Num verdadeiro transe largou a amiga em estado orgasmático e seguiu para a misteriosa casa onde parecia não haver ninguém morando há muito tempo. Ao colocar o pé direito no primeiro degrau da escada e se erguer não sentiu a mesma sensação de horas antes. Eram escadas, digamos, normais. Ganhou confiança e foi em frente sem sequer ter percebido que não estava nu. Quando vestira a roupa? Pergunta que ficou sem resposta.

O interior da casa era escuro, mas não impossível de enxergar. Não sentia medo, talvez pelo clima ameno e o leve e acolhedor perfume. Tomado pelo cansaço não hesitou em deitar na cama que se encontrava próxima a janela. Apesar do ambiente desconhecido adormeceu.

Quanto tempo dormira? Quantas horas passara? Não sabe dizer. Mas acordou com um enorme e repentino calor vindo da janela. Quando levantou percebeu que não mais estava numa casa e sequer na floresta. Era o quarto de um apartamento. Estava escuro, parecia noite, mas o céu era iluminado por clarões vermelhos e amarelos. Foi até a janela e viu um enorme incêndio. Enormes labaredas lambiam o grande morro em frente ao apartamento.

Nada por ali sobrava. As chamas eram gigantescas e não havia bombeiros capazes de interromper a grande tragédia que presenciava. Mesmo estando num andar alto, talvez o 15º ou 16º, conseguia ver na rua grupos religiosos de diferentes matizes rezando por uma chuva. Apenas um dilúvio bíblico, porém, salvaria a vegetação daquele morro.

Sem poder suportar todo aquele calor, fechou a janela. Embora do lado de fora as chamas estivessem consumindo toda a região, não sentia mais o incômodo com o calor. Deu uma última olhada no cenário devastador antes de se virar para explorar o apartamento em que acordara.

Parecia estar sozinho no local, mas ao chegar na sala, encontrou a TV ligada. Ali, as imagens num preto e branco cheio de riscos e áudio ruim revelavam uma figura conhecida a frente de centenas de milhares de pessoas. O homem negro de terno com aura de herói da multidão se postou diante do microfone e iniciou sua fala com a frase elucidatória:

- I have a dream...

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