sexta-feira, 3 de abril de 2009

Um pouco de luz sobre o mito

Cinco anos depois de a juventude de Ernesto Che Guevara ter sido descrita sob a ótica de Walter Salles em seu “Diários de Motocicleta”, o cinema volta suas atenções para uma nova cinebiografia do ex-líder revolucionário que ajudou a libertar Cuba da ditadura de Fulgêncio Baptista e acabou morto na selva boliviana. “Che”, a biografia de Steven Soderbergh com Benício Del Toro no papel principal é um épico de 4h30m dividido em duas partes.

A primeira, “The Argentine”, chegou aos cinemas tentando dar uma visão menos romântica, mas ao mesmo tempo complementar, do médico argentino que se juntou a Fidel e Raul Castro na revolução cubana durante o exílio no México.

É lá que o filme começa, com Che conversando sobre a revolução com Raul (Rodrigo Santoro) e aguardando a chegada de Fidel (Demián Bichir), que o convidaria a participar do combate em Sierra Maestra.

A partir daí, a película se divide em duas partes mostradas alternadamente. O treinamento e combate na floresta e a invasão de Cuba até a chegada a Havana e o discurso de Che na Assembléia Geral da ONU, quando reconheceu os fuzilamentos durante a sua revolução, defendeu Cuba, rebateu as críticas e proclamou o conhecido “pátria ou muerte”, e uma entrevista dada à imprensa.

Em Cuba, a revolução é mostrada em todas as suas cores, enquanto nos Estados Unidos Soderbergh opta por filmar em preto e branco, como são conhecidas, aliás, as imagens de Che na ONU.

Se em “Diários de Motocicleta” Walter Salles mostra uma visão quase heróica do jovem Che Guevara (na pele de Gael Garcia Bernal) na sua fase pré-revolucionária - é emblemática a cena dele, que sofre de asma, mas vence a travessia de um rio – em “Che”, Soderbergh não se afasta completamente do mito imortalizado na foto de Alberto Korda, mas tenta mostrar um outro lado de Che, seja na insegurança de liderar um grupo por se considerar um estrangeiro, nas sérias crises de asma, que o fragilizavam ou na crueldade de quem expõe à humilhação aqueles que não o seguem e assassina friamente os que não obedecem as leis impostas pela “revolução”.

Mas o herói não deixa de aparecer no filme. Che é saudado como mito a cada cidade que domina na guerrilha urbana. É visto como o grande herói da revolução quando toma Santa Clara, a penúltima e cidade-chave antes de partir para a capital Havana apenas para consolidar algo que já estava certo com a ridícula fuga de Fulgêncio Baptista.

Contudo, mesmo essa mitificação vem mais de um campo externo do que num foco dado por Soderbergh ou por Del Toro. E o principal “culpado” disso é o ator, que empregou muito tempo neste projeto de filmar estas partes da vida de Che e interpreta a figura histórica com a correção de quem tem o cuidado e o equilíbrio de não descambar para a glorificação do mito ou para a completa iconoclastia.

Surgiram críticas, porém, de que o filme é panfletário, esquerdista, essas bobagens ainda vigentes (direita e esquerda, sinceramente, são versos de um poema ultrapassado). Talvez pelas cenas exatamente de Che figurativamente carregado nos braços do povo e demonstrando alguma humildade ao dar o crédito a todos pela revolução ou grandeza/honestidade, ao mandar um grupo de soldados comandados por ele devolver um carro roubado.

Ora, mas Che era então visto como herói pelo povo cubano. Se ele cometeu erros, crimes ou qualquer outra coisa que o desabone, é algo que pode e deve ser discutido. Mas é impossível remar contra a história. Da mesma forma, ele é chamado de assassino por manifestantes na porta da ONU em outra parte do filme. Estas críticas, acredito, são mais partidárias e de um pseudo-ideologismo do que pelo filme, que acredito ser bastante equilibrado.

Isso me faz lembrar certa vez as críticas de uma amiga ao filme “A Rainha” (2004), que ao deixar o cinema disse que a película era muito pró-Tony Blair. Na época em que o filme foi lançado, Blair já não gozava de muita popularidade no Reino Unido e no resto do mundo por causa da guerra do Iraque e era chamado pela imprensa de poodle de George W. Bush. Acontece que no período em que o filme se passa, quando o Partido Trabalhista finalmente chega ao poder após os 11 anos de Margaret Tatcher, Blair tinha todo aquele capital político, que seria mantido próximo do intacto não fosse a excessiva proximidade com o governo americano.

Da mesma forma, gostando ou não de Che Guevara, é preciso entender que ele era visto como herói, como é visto até hoje por muitos círculos ditos socialistas. E sua morte aos 39 anos, muito jovem, portanto, reforça o mito. Enquanto Fidel agoniza nos erros cometidos e na longevidade que transformou a revolução libertadora em cruel ditadura, Che foi parcialmente absolvido pela sua morte.

Mas no caso dos filmes de Soderbergh, este é um capítulo para ser analisado na segunda parte, "Guerrilla", que vai abordar o momento de Che levando sua revolução para a Bolívia (no filme, ele diz que quer levá-la para toda a América Latina), onde sucumbirá diante do exército local. No Brasil, a película tem previsão de estrear em maio, data que, no entanto, pode ser alterada. Por enquanto, o resultado do trabalho de Soderbergh e Del Toro é satisfatório.

Abaixo, como curiosidade, alguns trechos do discurso de Che Guevara na ONU na década de 60.


9 comentários:

Fellipe Pessôa disse...

Você não entende de guerra, economia e política, por isso não sabe definir esquerda e direita. Porém, ainda tem alguns momentos de lucidez.

Um grande abraço,

Marcelo Alves disse...

Ou talvez eu esteja propondo uma nova era além-partidária, supraideológica em que conceitos como direita e esquerda devem ficar apenas nos livros de história. Mas este é um bom debate.
Abraço e volte sempre,
marcelo

Marcelo Alves disse...

Cara, tentei encontrar sua página no twitter, mas só aparece uma mensagem dizendo que ela não existe. Não entendi nada. Recebi um e-mail dizendo que você estava na minha lista e não aparece lá na minha página. Vai entender.
marcelo

Fellipe Pessôa disse...

Oi, meu irmão. Entrei no Twitter, mas já acabei com o perfil.

Um grande abraço,

Fellipe Pessôa disse...

Ah, só uma coisinha: dizer que os conceitos de esquerda e direita "são versos de um poema ultrapassado" não é proposição. Você afirmou algo, não percebeu? Você negou a realidade.

Um grande abraço,

Marcelo Alves disse...

Sim, afirmo que são ultrapassados. Aqui no Brasil, por exemplo, eu só não sei te afirmar se ele acabou quando o PT se aliou ao PL ou quando o Lula beijou a mão do Jader Barbalho.

Você pode escolher qualquer um destes ou outro "momento histórico"

Por isso, acho melhor olhar para frente. Prefiro dividir entre os que realmente querem ver um país melhor (uma diminuta minoria) e o que apenas querem o poder (a grande e esmagadora maioria).

Fellipe Pessôa disse...

Você não entende mesmo de estratégia marxista. Vá ler estrategistas marxistas, depois a gente conversa. E não se esqueça, a admiração de Gramsci por Lenin era muito grande.

Marcelo Alves disse...

Um pensador ultrapassado e um ditador. Eles se merecem. Já bebi na fonte. Li Marx e não gostei nem um pouco do que vi.
abraço,
marcelo

Fellipe Pessôa disse...

Ainda bem que não gostou nem um pouco, por isso escrevi que você tem momentos de lucidez. Porém, repito, não entende de estratégia marxista.