quarta-feira, 15 de abril de 2009

O teatro do rock

Entre as grandes bandas do mundo, o Kiss talvez tenha sido a primeira a fazer com que um show de rock tenha um conceito maior do que simplesmente subir no palco e tocar algumas músicas por duas horas. Com o Kiss, o concerto ganha tons de espetáculo (em todos e positivos sentidos). Mais até do que o U2, que experimentou algo parecido na turnê “Zooropa” no início dos anos 90 e desde então vem realizando megaturnês com megashows, mas que são mais focados na sua música do que em efeitos mirabolantes e pirotecnias.

No caso do Kiss é diferente. Seus números vão do circense – e não é a toa que um dos seus álbuns de estúdio, o último, aliás, se chama Psycho Circus (1996) – ao teatro. Tudo é muito bem ensaiado para que não saia nada errado. Mas quando chove, evidentemente, planos devem ser desfeitos.

E o Kiss sabe dar o seu recado com tamanha competência que ficaria difícil contestar um de seus líderes, o baixista Gene Simmons, quando ele abre o show dizendo: “All right, all right, all right. You wanted the best. You got the best. The hottest band in the world: Kiss!!!!”.

Os bafos de labaredas que frequentemente vinham do palco e as explosões de fogos de artifício mostram que realmente o Kiss é uma banda quente. E quando eles entram no palco para abrir os trabalhos com “Deuce”, a platéia já está num transe digno do mostrado no videoclipe de “I Love it Loud”.

“Loud”, “love” e “hot”, aliás, são as palavras que mais se repetem no repertório do Kiss e o cantor e guitarrista Paul Stanley, o mestre de cerimônias na Apoteose, o senhor do picadeiro, se esforça para seduzir a platéia. Nem é preciso muito, diga-se de passagem. A galera já está de quatro pelos mascarados. Alguns, ou melhor, algumas até querem mais, como mostraram duas mulheres que jogaram seus respectivos sutiãs para Paul. Uma delas também resolveu pagar um peitinho para o telão para delírio dos presentes.

Dizendo que ama todo mundo, principalmente as garotas mais safadinhas, Paul toca uma música segurando as peças íntimas das moças que depois virariam um novo objeto de decoração do palco inspirado na turnê do disco “Alive” (1975), de onde a banda tira a maioria das músicas do show (14 das 19 canções) e da turnê que celebra os 35 anos de sua carreira. Uma atitude simpática e melhor do que o velho truque da bandeira nacional, aliás, usado por eles no bis.

Tal qual a apresentação do Iron Maiden, o show do Kiss é para lembrar os grandes momentos da banda (para poucos que estiveram presentes no espetáculo de 1983 no Maracanã) ou apresentar aos novos membros do Kiss Army suas velhas composições ao vivo.

E havia muitos estreantes na Apoteose. Crianças, adolescentes, muitos pintados com as máscaras de Paul e Gene, todos num misto de empolgação e hipnose, mesmerizados pela magia daqueles senhores fantasiados.

Mas não havia novatos apenas na platéia. O guitarrista Tammy Thayer fazia sua segunda turnê após a saída/demissão de Ace Frehley, chamado por Gene numa entrevista ao GLOBO de “loser”. Mesmo adjetivo ganhou o baterista Peter Criss, substituído por Eric Singer, velho colaborador do circo do Kiss.

E Thayer se sai muito bem. Reproduz com fidelidade e desenvoltura as notas de Frehley e ainda tem espaço para brilhar num solo pirotécnico, com sua guitarra disparando fogos pelo palco. Teve gente até que disse que ele é melhor do que Frehley, mas não entrarei neste mérito. Gosto para guitarrista é algo que não se discute, pois há a parte dos fãs que sabem tocar o instrumento e geralmente preferem os guitarristas mais técnicos e há uma outra parte de apreciadores de música que gostam dos técnicos, mas também curtem aqueles guitarristas mais performáticos (e até presepeiros), que têm presença e carisma. Poucos unem técnica e presença de palco. Exemplo mais comum? Mestre Jimi Hendrix.

Talvez até pelo fator surpresa, Thayer tenha brilhado tanto quanto Paul e Gene. Até porque você já sabe o que esperar desta dupla. São as caras de mau, a espada de fogo (logo após a execução de “Hotter than Hell”), e o sangue cenográfico (já no bis, antes de “I love it loud”) de Gene e a lascívia/malícia de Paul, que, aliás, cantou bem em quase todo o show. No fim, durante “Detroit Rock City”, contudo, você nota que ele já está sem voz. Mas devemos dar um desconto. O rapaz tem 57 anos de rock and roll e nem a chuva o desanimou. “We don’t care about the rain. We gonna keep playing”, disse o cantor.

A chuva, todavia, atrapalhou um dos números mais aguardados. O vôo sobre a platéia de Gene durante “Love Gun”, música cortada do set list final que acabou ficando com uma canção a menos em relação ao show de São Paulo.

Nada que atrapalhasse um espetáculo impecável que conseguiu reunir só no bis e em seqüência “Shout it out loud”, “Lick it up”, “I love it loud”, “I was made for lovin’you” e a já citada “Detroit Rock City”.

Melhor do que isso só se eles tivessem colocado “Rock and roll all nite”, canção escolhida para encerrar a primeira parte do espetáculo sob outro imenso temporal, mas de papel picado que caia sobre a (abominável) área vip e sobre a platéia menos abastada. É o Kiss, a banda mais capitalista/consumista do mundo, socializando a festa.

Em resumo, mesmo com seus principais integrantes beirando os 60 anos (Gene tem 59), o Kiss sabe dar uma festa. Com “God gave rock and roll to you” tocando nas caixas de som e muitos fogos de artifício, o público deixou a Apoteose de alma lavada.

Set list: “Deuce”, “Strutter”, “Got to Choose”, “Hotter Than Hell”, “Nothin’to Lose”, “C’mon and love me”, “Parasite”, “She”, “Watchin”, “1000.000 years”, “Cold Gin”, “Let me go, rock’n’roll”, “Black Diamond”, “Rock and roll all nite”, “Shout it out loud”, “Lick it Up”, “I love it loud”, “I was made for lovin’you” e “Detroit Rock City”.

Abaixo alguns dos grandes momentos do show do Kiss.
"Deuce"

"Hotter Than Hell"

"Nothin' to Lose"

"Rock and roll all nite"

"Lick it Up"

"I love it loud"

"Detroit rock city"

Nenhum comentário: