domingo, 23 de novembro de 2008

Reconciliações

Tenho um defeito cinematográfico. Nunca gostei de Woody Allen. Confesso que vinha me esforçando para curar essa doença, afinal, se todo mundo que eu gosto de ler no mundo da crítica gosta dele, o problema só pode ser comigo. Se eu me esforçava vendo praticamente todos os seus últimos filmes, pode-se dizer que o diretor americano, ou melhor, nova-iorquino, não me ajudava.

Achei “Match Point” (2005) um filme apenas razoável e “Scoop” (2006) ainda abaixo daquele, apesar da presença de Ian McShane, que abrilhanta o filme como um jornalista morto que aparece para uma jovem jornalista vivida por Scarlet Johansson para dar uns conselhos. Não vi o elogiadíssimo (sempre) “Sonhos de Cassandra” (2007), pois ficou pouquíssimo tempo em cartaz. Aliás, parece que hoje em dia para ir ao cinema você precisa correr mais rápido do que o Usain Bolt. Mas isso é papo para outro dia.

O que importa é que eu dei mais uma chance para Woody Allen (ou seria para mim mesmo?) e fui assistir “Vicky Cristina Barcelona”, seu mais novo trabalho, que passou por aqui no Festival do Rio – sempre num horário impróprio para um trabalhador, mas isso também é reclamação para outro dia – e agora estréia verdadeiramente no circuito nacional.

E o que posso dizer do diretor de 72 anos? Finalmente não sou mais um pária. O filme é excelente. Arrisco-me a dizer, sem ter conhecimento de sua obra completa (quem tem? São mais de 60 películas), um dos melhores filmes de Allen.

Ele conta a história de duas amigas que viajam para Barcelona para passar o verão. Vicky (Rebbeca Hall), frígida, metódica, sem graça e prestes a se casar com um americano almofadinha (Doug, vivido por Chris Messina) e Cristina (Scarlet Johansson, a musa do diretor, presente em três dos seus últimos quatro filmes), apaixonante, envolvente, imprevisível e com um enorme naipe de decepções amorosas nas mãos.

Completamente diferentes, as duas vão até a cidade espanhola também com objetivos distintos. Vicky quer completar o seu mestrado em cultura catalã e Cristina esquecer traumas passados e passar um tempo se distraindo e se dedicando à sua nova paixão: a fotografia.

Acontece que lá eles conhecem o pintor Juan Antonio (vivido de maneira extrema e deliciosamente canalha por Javier Bardem), que não perde tempo e logo as convida para um fim de semana em Oviedo com boa comida, bom vinho e um sexo a três.

Juan Antônio estava então se recuperando de uma confusa separação de sua mulher, Maria Elena (Penélope Cruz em uma de suas melhores atuações), que simplesmente havia tentado lhe matar. Como o próprio pintor diz, porém, eles foram feitos um para o outro e não foram feitos um para o outro. É um casal explosivo.

Sob protestos de Vicky, as duas vão até Oviedo onde começa o triângulo amoroso que levará Vicky a repensar sua vida completamente “boring”. Mas é Cristina, mais afeita aos sedutores encantos do pintor, que cai nas garras de Juan Antônio e vai morar com ele.

Só que Maria Elena retorna e quer o marido de volta, afinal sempre o amou. Mas vê como extremamente vantajoso manter química do romance entre Cristina e Juan Antônio. Daí para um relacionamento aberto e a três não demora. Quando menos se espera, Cristina se vê envolta em diferentes emoções e tendo relações com Maria Elena, Juan Antônio e com ambos. E não questiona isso. Não há limite para amar.

A partir desse inusitado quarteto amoroso de tonalidades completamente diferentes das usuais e digna de um surrealismo de Salvador Dalí, Woody Allen constrói seu roteiro de ótimas tiradas. Mas é a sua capacidade de captar o espírito da cidade em que filma a grande sacada do diretor. Se “Match Point” e “Scoop” eram quase fleumáticos e com momentos de formalismo dignos da Londres que ele escolheu filmar (até mesmo na hora em que os crimes são cometidos), em “Vicky Cristina Barcelona” ele capta toda a sensualidade da Espanha, principalmente a Barcelona que ele deseja focar, que a própria cidade se torna um vértice dos casos amorosos que ele constrói.

Barcelona, Oviedo, sejam quais forem, são cidades envolventes e que, graças ao excelente roteiro de Allen e às interpretações dos principais atores, cercam o espectador e o enredam na louca trama construída pelo diretor.

“Vicky Cristina Barcelona” é uma aventura de verão de suas protagonistas, uma sedutora viagem pela Espanha, mas, acima de tudo, um clássico de Woody Allen, que mostra estar, mais do que com a câmera, com a pena afiada para escrever um roteiro tão brilhante, embora não cercado de muita sofisticação. E daí? Grandes filmes também são feitos com simplicidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei da crítica, principalmente porque já vi o filme. e digo-lhe mais. a scarlett continua sendo a minha musa número 1, mas está cada vez menos se revelando uma boa atriz.
a rebecca, surpreendentemente, e a penelope, evidentemente, dão um banho nela no filme!
adorei sonho de cassandra, e concordo que match e scoop são superestimados.

abs, fábio balassiano

Anônimo disse...

Não acredito. Alguém que concorda comigo sobre Match Point e Scoop. Pensava que eu estivesse sozinho nesse mundo cinematográfico.
Quanto a Scarlet, eu não sei se ela não é tão boa atriz ou não pegou um personagem que pudesse mostrar mais o seu talento. Gostaria de vê-la atuando num drama e não vivendo as personagens meio avoadas de "Scoop" e "Vicky Cristina Barcelona" para tirar a prova dos nove.
abraço,
marcelo