sábado, 29 de novembro de 2008

Ainda tentando entender o ogro

Quando Cassino Royale (2006) estreou, eu destilei bile sobre o 007 de Daniel Craig. Violento demais, sem classe, com uma leve tendência a não apreciar a vida e as mulheres a sua volta e cometendo erros infantis, Craig era praticamente a antítese de um James Bond imortalizado basicamente na pele de três atores: Sean Connery (principalmente), Pierce Brosnan e Roger Moore (menos).

Craig então, na minha opinião, se credenciava a ficar no limbo dos Bonds fracassados como George Lazenby, que fez um filme apenas, e Timothy Dalton, que estragou dois filmes. Se o 007 de Craig tinha todos os defeitos listados acima, o de Lazenby entrou para a história como o primeiro e único a se casar, embora a noiva tenha sido assassinada logo em seguida em “007 – A serviço secreto de sua majestade” (1969), e o de Dalton, estrela de “007 - Permissão para Matar” (1989) e “The Living Daylights” (1987), era simplesmente apático e sem graça.

Em “007 – Quantum of Solace”, portanto, eu não esperava de Craig nada diferente do que o ogro mostrado em sua estréia no papel do agente secreto mais famoso do mundo. Embora algumas coisas ainda me incomodem como a sua postura absolutamente ranzinza com a vida, o amor que ele ainda nutre por uma bondgirl, no caso Vesper Lynd, morta em “Cassino Royale”, o excesso de violência e a falta de classe, ainda permanentes, devo reconhecer que Craig evoluiu no papel.

Ele está longe de ser o 007 ideal, muito longe dos três Bonds clássicos, mas se esforça para melhorar. Ou o seu personagem, que parte do zero na filmografia do herói, começa a entender também seu papel no mundo. Embora eu discorde disso tudo que os produtores resolveram criar para o herói, pois quando um agente do MI-6 recebe a permissão para matar – no caso o 00 do seu número – ele já é próximo da perfeição na hierarquia dos agentes secretos.

Porém, “Quantum of Solace” não é um filme superior do que “Cassino Royale” apenas pela evolução de Craig. Pelo contrário. Se Judi Dench, mais uma vez no papel de “M”, dá a classe, sobriedade e altivez ao filme, é Mathieu Amalric, no papel do vilão Dominic Greene, que dá o molho que faltou a “Cassino Royale”, que tinha um vilão com tudo para ser carismático, Le Chifre, vivido por Mads Mikkelsen, mas que infelizmente não funcionou em cena. Faltou química.

Neste ano, Amalric já apareceu para nós num filme mais desafiador do que qualquer Bond, no papel do jornalista Jean-Dominique Bauby em “O escafandro e a borboleta” (2007). Neste trabalho, o ator francês é um editor arrogante da revista “Elle” que sofre um acidente vascular cerebral e fica com o corpo paralisado. Seu único meio de comunicação é através de uma linguagem desenvolvida por sua fonoaudióloga em que ele usa unicamente o olho esquerdo.

Em 007 Amalric troca a arrogância e mau-humor de Jean-Do pelo deboche e sensação absoluta de impunidade de seu vilão, que tem uma empresa de fachada, supostamente para defender o meio ambiente, mas que ele usa pura e simplesmente para se dar bem como um excelente vilão deve fazer. Dominar o mundo, assim como o dólar descrito no filme, não está mais com nada. O que importa é faturar, mesmo que seja necessário patrocinar um golpe de estado na Bolívia.

Alguns dos melhores momentos de “Quantum of Solace” são com Amalric em cena. O Bond de Craig não é páreo para ele, pois não combate sua soberba com o que os 007 sempre tiveram de melhor e Craig não demonstra: a ironia. A vida é muito séria para o Bond de Craig. Alguém precisa ensinar esse cara a levá-la mais na flauta.

Além de melhorar o humor, o 007 de Craig precisa corrigir duas coisas primárias. Tratar melhor as mulheres (ele não leva o menor jeito com Camille, vivida pela ucraniana Olga Kurylenko) e não ser tão violento (afinal, é Bond, James Bond e não Jason Bourne). Suas falhas desanimam um bondmaníaco. Continua matando demais, sendo emotivo demais, sofrendo, onde já se viu um Bond sofrer?

É curioso que esse James Bond tão violento tenha saído das mãos do diretor Marc Forster, conhecido por obras tão delicadas, acuradas como “O Caçador de Pipas” (2007) e “Em Busca da Terra do Nunca” (2004), e do roteirista Paul Haggis, vencedor do Oscar por “Crash” (2004), além autor de “Cartas de Iwo Jima” e “A Conquista da Honra”, ambos de 2006. Convocados para fazer um Bond supostamente “mais humano”, eles o transformaram numa máquina de matar que não pensa direito e age por impulso.

Enfim, entre altos e baixos, continuo tentando entender o ogro interpretado por Craig que nada tem a ver com o velho Bond de sempre. E, claro, ainda tentando entender os motivos da substituição de Pierce Brosnan. Mas já que temos que engoli-lo, prometo ceder um pouco e continuar acompanhando seus “bondtrabalhos”. Todavia, Craig ainda não me parece a figura ideal para viver o agente secreto de Sua Majestade.

Bom, pelo menos a trilha sonora continua boa. A deste filme é de Jack White e Alicia Keys. Confere abaixo o clipe da música “Another way to die”.


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