segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Ensinando a votar

Quando chamam o Brasil de terceiro mundo, há quem fique puto ou pelo menos chateado com a afirmação. Mas é inegável que este país está algumas décadas (para ser bem bonzinho) atrás de nações mais desenvolvidas. Pode-se falar o que quiser dos americanos – e eu tenho muitas restrições quanto a eles, principalmente pelo seu conservadorismo ferrenho -, mas quando é preciso votar decentemente, num momento em que uma perspectiva de mudança se avizinha, eles não titubeiam e fazem o que deve ser feito.

Tudo bem, alguém poderia argumentar que os americanos não são tão espertos assim, uma vez que eles reelegeram o senhor da guerra George W. Bush. Mas não ficamos muito atrás em decisões semelhantes.

Há muitas semelhanças entre a campanha de Obama e a de Fernando Gabeira (PV) para a prefeitura do Rio, guardado o devido peso de cada uma. Ambos propuseram uma certa dose de mudança. “Change” era um dos bordões de Obama, assim como “Yes, we can”. Sim, nós podemos mudar este país, podemos construir um mundo melhor. Um rosto novo, longe do stablishment de Washington, que propunha uma revolução silenciosa. Perfeito para o marketing e sedutor o suficiente para conquistar o eleitor.

A mudança de Gabeira começou na campanha com ruas limpas, sem ataques aos adversários e campanha enxuta e agradável na TV. Promessas foram apenas três. Todas cumpridas: não sujar as ruas, não atacar os adversários e transparência. Caso eleito, ele propunha ainda mais. Queria conduzir o Rio de Janeiro a uma mudança de paradigma. Convocar a cidade a governar com ele numa co-participação saudável e jamais testada.

De histórias de vida absolutamente ricas, mas totalmente opostas, tanto Obama quanto Gabeira fizeram da internet sua trincheira de batalha mais importante. A partir dela, tiveram uma arrecadação recorde de dinheiro para a campanha (Obama) e mobilizaram os jovens (ambos).

Foram modelos de inspiração e trouxeram de volta uma palavrinha surrada e desacreditada: esperança.

No entanto, e voltando aquele papo iniciado lá em cima, a educação faz uma diferença danada. Enquanto os americanos superaram o preconceito racial e apostaram no novo, o Rio de Janeiro preferiu mergulhar no arcaísmo da velha política. Obama venceu, porque, entre outras coisas, os americanos, que não são obrigados, foram às ruas para votar. Saíram de casa, encararam horas e horas de filas porque sabiam que seu voto faria diferença. Eles têm consciência do poder do voto.

Aqui, embora o voto seja obrigatório, sempre é possível justificar, pagar uma módica quantia de multa, e seguir na praia. Afinal, esse negócio de política é muito chato. Diante da ignorância, basta um feriado antecipado para facilitar as coisas.

O desafio de Obama não será fácil. Bush deixou os Estados Unidos financeiramente e moralmente destruídos. A imagem dos USA fora do país é a pior possível. Internamente, terá que lidar com guerras em curso – dois atoleiros chamados Afeganistão e Iraque – um déficit de mais de US$ 1 trilhão, dívida pública de mais de R$ 10 trilhões e uma crise financeira só comparável à Grande Depressão iniciada em 1929. Internacionalmente, terá desafios no Oriente Médio e de lidar com as questões nucleares de Irã e Coréia do Norte. Além disso, uma mudança de paradigma não será completada se Obama não tomar uma atitude diferente para a prisão de Guantánamo e o embargo econômico de Cuba.

Como se pode ver, “change” ou “mudança” são palavras curtas tanto em inglês quanto em português, mas dão muito trabalho para fazê-las ter algum sentido. Se Obama será capaz de promover uma mudança no espírito americano, só o tempo dirá. A única certeza que existe é que os americanos lhe deram uma chance para provar isso. Se arriscaram a quebrar a cara, mas não fugiram da raia. Yes, they can.

O Rio preferiu viver o seu momento avestruz e enfiar a cabeça no buraco. Optou pelo velho modo de fazer política. Observar a mudança (ou não) de longe é o que restou ao carioca. Essa é a nossa Grande Depressão. No, we can’t.

Abaixo, o discurso histórico de Obama após ser confirmado como o novo presidente dos Estados Unidos.

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