“Com a consciência disso, e ainda com a dor física, e ainda com aquele medo, tinha de se deitar na cama e, muitas vezes, não dormir a maior parte da noite. E de manhã era preciso levantar-se, vestir-se, ir ao tribunal, falar, escrever, e quando não era necessário ir lá, ficar em casa as mesmas vinte e quatro horas do dia, cada uma das quais era um martírio. E tinha de viver assim, à beira da morte, completamente sozinho, sem uma única alma que o compreendesse e tivesse pena dele”. (Pag 50)
Vladimir Nabokov considerava “A morte de Ivan Ilitch” uma das obras máximas da literatura russa. É difícil contra-argumentar um Nabokov e outras tantas figuras importantes que veem nesta pequena novela de Liev Tolstói como uma das obras mais importantes da literatura russa e talvez a mais relevante de Tolstói.
É óbvio que “A morte de Ivan Ilitch” tem inúmeras qualidades. Escrito logo após a conversão religiosa do autor entre 1879 e 1880, o livro conta a história de um juiz da alta corte que sofre com uma doença terminal.
A agonia e o sofrimento físico de Ivan Ilitch soam como uma espécie de pagamento pelos pecados de uma vida hipócrita e superficial, uma vida de mentiras e com um casamento celebrado por dinheiro, e não pelo amor.
A ideia de que vivemos uma vida vazia sobre a qual só nos damos conta no leito de morte perpassa todo o livro, que no fim narra a história de um homem medíocre que precisa passar por um sofrimento que é quase pedagógico.
O livro narra a vida, mas também o dor e a amargura de Ivan Illitch, que só encontra uma réstia de alívio na relação cordial com o empregado Guérrassim.
É curioso como Tolstói nesta fase convertida ao Cristianismo faz com que seu personagem sofra uma via-crúcis. Como Ivan Ilitch foi avaro em vida, a sua morte precisa ser dolorosa e agônica. E solitária. Embora tenha família, Ivan Ilitch se isola e quase deseja acabar com a tortura que sofre e que, consequentemente, impõe a todos.
Neste ponto, Tolstói se aproxima de Fiódor Dostoiévski no tratamento dado a seus protagonistas que não são tementes a Deus. Todos sofrem. Precisam sofrer para expiar seus pecados.
Se há uma semelhança entre Ivan Ilitch e personagens como Raskólnikov, de “Crime e Castigo” (1866) e Ivan Karamazov, de “Os Irmãos Karamazov” (1880) eles se afastam no fim de suas jornadas. Enquanto os personagens de Dostoiévski encontram algum alívio e até redenção quando aceitam o sofrimento espiritual e se voltam para Cristo, Ivan Ilitch resiste até o fim ao mergulho na fé. Por isso, a sua morte é tão seca, vazia e direta.
Não tenho repertório para julgar se “A morte de Ivan Ilitch” é de fato uma das obras máximas da literatura russa. No meu duelo imaginário com Nabokov, só posso esperar a derrota.
Por outro lado, de um ponto de vista estritamente pessoal, gosto mais de “Anna Karenina” (1878). Penso ser uma obra mais interessante de se ler. O que, obviamente, não faz com que “A morte de Ivan Ilitch” seja um livro ruim. Apenas prefiro Dostoiévski quando o assunto é sofrer por falta de fé.
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